quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

ORIXÁS SEGUNDO EDIR MACEDO


ORIXÁS SEGUNDO EDIR MACEDO
Charles Odevan Xavier


“Não se achará entre ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos”.
DEUTERONÔMIO 18.10,11.

O propósito deste estudo é analisar criticamente o livro “Orixás, Caboclos & Guias: Deuses ou demônios?” do Bispo Edir Macedo – 15ª edição. Rio de Janeiro: Universal, 2000.

Tentamos, através desta pesquisa, estabelecer um confronto entre fontes bibliográficas diversas, no intuito de sondar como o conceito de orixá é construído pelo proprietário da Igreja Universal do Reino de Deus. Por isso, somos obrigados a revelar que utilizamos as seguintes obras para podermos escrever este estudo. Sendo elas: “Bíblia Shedd: Antigo e Novo testamento – São Paulo: Vida Nova; Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997; “Livro de Exu: o mistério revelado” – Rubens Saraceni – São Paulo Madras, 2006; “As sete linhas de umbanda: a religião dos mistérios” – Rubens Saraceni – São Paulo: Madras, 2003; “Na terra dos orixás” – Ganymedes José – São Paulo: Editora do Brasil, s/d.; “Iniciação à umbanda” – Dandara e Zeca Ligiéro – Rio de Janeiro: Nova Era, 2000; “Orixás!”– Mônica Buonfiglio – São Paulo: Oficina Cultural Esotérica, 1995; “Lúcifer: O Diabo na Idade Média” – Jeffrey Burton Russel – São Paulo: Madras, 2003; “Introdução à Filosofia Védica” – Satsvarupa dasa Gosvami – São Paulo : Bhaktivedanta Book Trust, 1986.

AS VIRTUDES DA IGREJA UNIVERSAL

A IURD - Igreja Universal do Reino de Deus surgiu em 1977 no Brasil e hoje está presente em mais de 80 países.

Por apresentar um perfil de uma verdadeira multinacional da fé, deve ter chamado a atenção do Imposto de Renda e talvez, por isso, tenha adotado um seriíssimo trabalho social, em que ela oferece cursos gratuitos de qualificação profissional para trabalhadores desempregados. Isso em se tratando da realidade da capital do Ceará, onde moro, não saberia informar como esse trabalho é feito no resto do país.

A IURD do Bispo Macedo publica o jornal semanal “Folha Universal”, um interessante meio de comunicação distribuído gratuitamente, permitindo que o povão de baixa escolaridade e sem acesso às bibliotecas tenha à mão informações atualizadas sobre economia, política, comportamento e cultura.

AS VIRTUDES DE EDIR MACEDO

O Bispo Edir Macedo é orador, conferencista e tem doutorado em Divindades, Teologia e Filosofia Cristã.

A obra “Orixás, Caboclos & Guias: deuses ou demônios?” do bispo Edir Macedo é muito bem escrita e prende o leitor até o fim. Eu comprei o livro às 10 h da manhã e só parei às 23 h.

O índice instiga o leitor a ler o livro. A capa, extremamente apelativa (em tons vermelhos e pretos nas cores das elebaras da quimbanda), desperta a curiosidade de alguns e o medo supersticioso de outros.

A obra apesar de curta (156 pgs.) vale à pena ser lida por qualquer estudioso sério das chamadas religiões populares.

QUAL O OBJETIVO DO LIVRO DE MACEDO?

O Bispo Edir Macedo deixa claro na folha de rosto do livro (dedicada a todos os pais-de-santo e mães-de-santo do Brasil) e na introdução, que seu propósito não foi o de achincalhar os praticantes da umbanda, quimbanda ou candomblé, mas o de lutar contra o que chama de demônios “pelos quais tem repugnância e raiva” p. 7 ou “Não vamos falar sobre cada um desses assuntos, pois este livro tem a finalidade principal de esclarecer o leitor em relação à verdade que está escondida por trás de tudo isso, e não tem a preocupação de transmitir ensinamentos sobre essas coisas” p. 13. Assim, o livro não pretende difundir o que denomina de demonismo, mas combatê-lo.

Macedo revela ter lido registros de suposta atividade demoníaca desde as religiões mais remotas como o vedismo, o bramanismo e o hinduísmo (2000 a.C.), onde os chamados demônios seriam ora repudiados, ora adorados como deuses. Assim, segundo ele, tanto nas religiões hindus, egípcias ou babilônicas, quanto nos nativos da África e outras regiões, os “demônios” têm sido evitados ou adorados.

Em Sociologia é curioso o conceito de “ressemantização” ou “renomeação”. Ao longo do livro “Orixás, caboclos & Guias”, o autor se vale dessa eficiente estratégia discursiva. Assim, ao longo da obra Oxum, Iemanjá, Ogum, de orixás são rebatizados como demônios. (p.14) Macedo com isso pretende desmoralizar e desautorizar os orixás e toda a tradição ancestral afrodescendente. Dessa forma, ele intenta fazer com que o leitor que pegou seu livro fique receioso de voltar a freqüentar terreiros de macumba.

Mas cabe perguntar: será Macedo realmente eficiente no seu propósito? Depende do perfil do leitor em jogo. Pois, Macedo, como autor, fez sua parte. Embora o Bispo não revele em nenhum momento a bibliografia utilizada (um grave defeito em metodologia científica), percebe-se pela riqueza de elementos, que Macedo pesquisou muito para escrever o livro.

Assim, Macedo terá sido competente – e provavelmente o foi na maioria dos casos – em se tratando do leitor mediano (a imensa maioria do público consumidor de livros no Brasil) que acredita em qualquer coisa que se diga, principalmente, quando o dito aparece embalado numa erudição mínima. Mas o leitor acostumado com os volumosos livros de Helena Blavatsky ou Allan Kardec (uma minoria no país) poderá achar o livro de Macedo superficial e apressado.

O QUE SÃO OS ORIXÁS?

Orixá s.m. (bras.) Divindade secundária do culto jejê-nagô ou iorubano; ídolo africano; representação antropomórfica de um orixá. (Do ior. Orisa).
DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO – 20ª edição. São Paulo: Globo, 1991.

Orixá s.m. cada uma das divindades de origem africana cultuadas no candomblé, na umbanda, etc.
MINIDIOCIONÁRIO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA – Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

Vejamos como o Bispo Macedo responde a pergunta deste tópico:
“Na realidade, orixás, caboclos e guias, seja lá quem forem, tenha lá o nome mais bonito, não são deuses” p.16.

Nisso Macedo acertou. Os orixás realmente não são deuses. Mas no parágrafo seguinte Macedo tampouco revela a real natureza dos orixás:

“Os exus, os preto-velhos, os espíritos de crianças, os caboclos ou os santos são espíritos malignos sem corpo ansiando por achar um meio para se expressarem neste mundo, não podendo fazê-lo antes de possuírem um corpo” p. 16.

E o leitor impaciente deve estar perguntando: se os orixás não são deuses e nem espíritos malignos, afinal, o que eles são realmente?

Vejamos como a taróloga Mônica Buonfiglio responde a questão:

“Existem várias definições a respeito dos orixás. A maioria coincide em alguns pontos básicos, o que nos permite afirmar, de maneira resumida, que orixás são divindades (ori, cabeça, e xá, força) intermediárias entre o Deus Supremo (Olorum) e o mundo terrestre, que são encarregados de administrar a criação e se comunicam com os homens através de rituais complexos” p.22.

Também é interessante vermos a definição do médium e pai-de-santo Rubens Saraceni:

“A resposta é simples, irmãos amados: orixás são mistérios da criação que se manifestam por meio da natureza, ou da criação” p. 13.

Nas respostas de Buonfiglio e Saraceni obtemos pistas interessantes para decifrar o enigma orixá.

Os orixás africanos são na realidade padrões simbólicos de uma cultura específica.

Cada civilização humana produziu padrões simbólicos – ou arquétipos, na fraseologia do psicanalista Carl Gustav Jung – peculiares. Entretanto, como a própria teoria jungiana do inconsciente coletivo revela, há elementos comuns a todas as culturas do planeta Terra.

E Macedo parece intuir isto quando diz:

“Os rituais judaicos do Antigo Testamento são copiados pela umbanda, quimbanda e, principalmente candomblé. A maioria dos símbolos do espiritismo é copiada, infernalmente, do Antigo Testamento” p. 71.

Mas aqui o Bispo se equivocou. Pois na verdade aconteceu o contrário. É o judaísmo (religião do Neolítico) que copiou os rituais e elementos simbólicos dos cultos primitivos fetichistas e animistas do período paleolítico anterior ao Antigo Testamento, influência da qual a religião de Moisés até hoje não conseguiu se libertar. Tanto que a natureza sangrenta desses rituais pode ser vistas espalhadas ao longo do Antigo Testamento, onde o povo hebreu tenta aplacar a sede de sangue do seu irado Deus Jeová com freqüentes subornos e adulações nos holocaustos de carneiros degolados, oferecidos em altares dentro de sinagogas ou tabernáculos. Basta ver que Abraão se angustia ao ser obrigado a oferecer seu filho Isaac como holocausto ao Deus de Moisés, que o rejeita apenas porque estava de bom humor.

Os orixás são mitos africanos do mesmo modo que os personagens da Bíblia Sagrada são mitos hebraicos. Assim, como Jung estabeleceu paralelos entre todas as culturas, podemos estabelecer aproximações entre os padrões simbólicos iorubanos e os padrões simbólicos semitas.

OS ORIXÁS BÍBLICOS

Se orixá for entendido como um padrão simbólico, arquétipo ou modelo de conduta e comportamento podemos falar na existência de orixás bíblicos.

O leitor cristão estarrecido pergunta: mas o que tem a ver Moisés com Ogum? Ou Salomão e Oxalá? Ossãe e o profeta Daniel?

Dependendo do ponto de vista pode ter uma relação analógica. Assim, o líder militarista Moisés em muito se parece com os arroubos do colérico orixá da guerra iorubano. Ou o sábio Rei Salomão se assemelha ao pacato orixá sincretizado com Jesus Cristo pelas práticas do folclore dos escravos baianos ou o silencioso e prudente orixá das ervas pode ser assemelhado ao fiel e desprendido profeta Daniel. Tudo vai depender de quem realmente busca pesquisar sem concepções preestabelecidas.

Inicialmente comparar a cultura africana iorubana (matriz do candomblé baiano, da macumba pernambucana, da pajelança amazonense, da umbanda carioca, da santeria cubana, do voodu hatiano etc.) com a cultura semita da Palestina de Moisés e Davi pode soar forçado. E é compreensível. Afinal há muitas diferenças geográficas e temporais entre ambas. Pois enquanto os iorubanos-nagôs, habitantes de florestas abundantes em caça e pesca, conceberam um ser supremo, um criador do universo generoso e tolerante (Olorum ou Zambi), os hebreus, habitantes de desertos famélicos, conceberam um Deus rancoroso e sanguinário que os vingasse dos inúmeros cativeiros aos quais o povo hebreu esteve sempre submetido (o cativeiro egípcio, persa, babilônico, romano). Deste modo, cabe ao antropólogo e ao historiador reconhecer semelhanças entre culturas diferentes.

O que há de semelhante entre os cultos matrifocais da África subsaariana e os cultos patriarcais do oriente médio (judaísmo, cristianismo e islamismo)? Esta é uma questão muito complexa, que exigirá do leitor muita reflexão e paciência.

O Judaísmo surgido há quatro mil anos atrás é uma expressão típica do período neolítico, quando o homem deixou de ser nômade e coletor, descobriu a agricultura, inventou a propriedade privada e o seu efeito colateral mais violento e devastador: a escravidão. O Judaísmo é, sobretudo, uma expressão da transição do período paleolítico, em que a terra era de todos (caracterizado por Karl Marx como o comunismo tribal) e cabia à mulher idosa a transmissão dos saberes necessários à sobrevivência da tribo ao período neolítico, quando as tribos hebréias passaram a se aglutinar em torno de homens carismáticos e sábios (os patriarcas) com propósitos imperialistas e belicistas.

Por coincidência, algo semelhante ocorre com os cultos animistas e fetichistas da África na passagem da economia centrada na figura da mãe (matriarcado) para a economia centrada na figura do pai (patriarcado). Ou seja, os maridos que no paleolítico tinham uma função coadjuvante em face de uma natureza generosa em alimentos e recursos naturais, passam a ter, no Neolítico, uma função protagonista em face de uma súbita escassez material com o aumento populacional. Deste modo, os homens de companheiros solidários dos filhos e da esposa que domina os segredos das plantas, passam a ser os patriarcas opressores da mulher, de outros homens de outras tribos vencidas em guerras territoriais (escravos) e dos homossexuais, encarados como uma ameaça aos seus propósitos de expansão populacional. Assim, vemos o culto às divindades femininas (Yemanjá, Nanã, Oxum) serem substituídos pelo culto às divindades masculinas (Ogum, Xangô, Exu).

DEVEM-SE CULTUAR ORIXÁS?

Para o Bispo Edir Macedo o culto aos orixás, que ele chama de espiritismo “é uma verdadeira fábrica de loucos” p. 97.

E aí perguntamos: por que será que os hospitais psiquiátricos têm pacientes espíritas, umbandistas, católicos, ateus e também estão cheios de crentes pentecostais?

A doença mental não é privilégio dessa ou daquela religião. Pode acometer qualquer pessoa de qualquer idade, cor, classe social, grau de instrução, preferência política, religiosa e sexual.

A doença mental geradora de fenômenos espíritas (visão de vultos, vozes, dores de cabeça, nervosismo, depressão, idéias suicidas) existe e precisa ser diagnosticada e tratada.

Com o avanço das tecnologias computacionais, ramos recentes como a Neurociência poderão cada vez mais desvendar o que há por trás dos ditos fenômenos mediúnicos.

O próprio Bispo Macedo reconhece a força do cérebro humano:

“O homem, como já afirmamos, é o alvo principal dos demônios, pois criado à imagem e semelhança do Altíssimo, tem a faculdade de se expressar através dos cinco (ou seis) sentidos que o fazem distinto de todos os animais” p.21.

Deste modo, Macedo reconhece a existência do sexto sentido, também chamado em Parapsicologia de PES – Percepção Extra Sensorial.

É com ela que as pessoas pensam ver vultos, fantasmas de antepassados, parentes, os “encantados” da umbanda e as “elebaras” da quimbanda.

Em Psiquiatria alucinação é a percepção sem objeto. Ou seja, a pessoa acorda de madrugada e vê um homem todo vestido de preto saindo do banheiro e vê um escorpião negro de 50 cm na cabeceira da cama. Como é possível alguém ver um homem vestido de preto na escuridão do quarto? Simples. É a imaginação da pessoa que projetou o homem de preto ou o escorpião negro que lhe aterrorizou. A pessoa levanta, acende a luz e tanto o homem quanto o escorpião gigante desapareceu por encanto. Ou seja, homem e escorpião não existem. Mas por que aparecem? Simples. O escorpião e o homem de preto fazem parte do imaginário de quem os viu.

O imaginário humano é muito poderoso e criativo. Assim como ele criou os querubins e serafins também criou os exus e elebaras. Basta ir numa livraria católica para veres simpáticos serafins e querubins de resina ou ir a uma loja de umbanda ver medonhos e vermelhos exus e pombas-gira de gesso. Mas a pergunta é: anjo ou exu existem?

A pergunta é difícil. Porque o que é existir? Será que só existe aquilo que ocupa lugar no espaço (comprimento, largura e altura)? E como poderíamos medir, mensurar coisas inquantificáveis como, por exemplo, o amor, o ódio, a inveja, o ciúme, a compaixão?

Tudo aquilo que não pode ser de alguma forma mensurado é abstrato. A energia elétrica - existente desde o começo do cosmos e só descoberta por Benjamim Franklin no século XVIII - que não vemos, nem cheiramos; no entanto, pode ser medida e manipulada por instrumentos de precisão num laboratório de Física. Portanto, a energia elétrica por mais invisível que seja é real e concreta. O mesmo não ocorre com os chamados fenômenos espirituais.

A espiritualidade não é concreta, é abstrata. Ou dito de outro modo, é extra-sensorial, transcendental.

Voltando ao exemplo da livraria católica e da loja de umbanda. Os anjinhos de resina e os exus de gesso foram feitos por artesãos a partir de algum dado da realidade que nos cerca. Ou seja, passou de uma imaterialidade espiritual a materialidade da resina, do gesso e da tinta que são corroídas pela ação do tempo.

De onde os ditos médiuns videntes tiram os seus fotogramas cerebrais? Ou de onde saem as visões que afligem crianças impressionadas com histórias de terror contadas pelo avô?

Tudo é produto do cérebro humano, essa máquina maravilhosa e delicada criada por Deus. Uma máquina que produz o remédio e o veneno, a bola de encher e a bala dos 38.

Cultuar orixá ou cultuar Jesus Cristo ou cultuar os dois juntos depende da escolha e do grau consciencial de cada um.

Eu, particularmente, estudo os Orixás (como também estudo a Bíblia Sagrada), mas não sinto necessidade de oferecer farofa e charutos para eles.

O Bispo Edir Macedo optou por não cultuá-los – e isso é um direito dele, visto que vivemos num Estado Democrático de Direito – embora a liturgia de sua igreja se aproprie aqui e ali, da linguagem e das superstições da Umbanda (ex. sabonete do descarrego, tocar no manto do Pai das luzes, o amuleto mezuzah...) enfim, tudo muito estranho para quem critica ferozmente o fetichismo.

Mestrando em Letras pela U. F. C.

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