domingo, 20 de março de 2011

ETNOGRAFIA DE SALA DE BATE-PAPO DE CANDOMBLÉ



ETNOGRAFIA DA SALA DE BATE-PAPO DE CANDOMBLÉ

Este estudo pretende fazer uma aproximação etnográfica da Sala de Bate-Papo de Candomblé da UOL. Aproximação bem entendida porque não sou etnógrafo nem antropólogo de formação.Sou graduado em Letras pela UFC e fui aluno regular do Mestrado em Literatura da UFC, mas abandonei o Mestrado por uma série de problemas pessoais (entre eles o fato de não ter bolsa da CAPES).Também é uma aproximação porque o corpus do estudo é fluido por excelência: uma sala de bate-papo da Internet.

Fazer etnografia de uma sala de bate-papo parece não ser algo muito concreto e controlável do ponto de vista científico, por inúmeras razões.

Vamos a elas.Primeiro.A sala fica na categoria ‘religiões’ do Bate-papo UOL.Mas cabe perguntar: será realmente o candomblé uma religião como as outras? O que teria o culto de orixás, nkices e voduns de peculiar?

Para Durkheim e para Mircea Eliade, a religião é passiva. O homem religioso se submete candidamente aos caprichos da divindade.E o candomblé é assim? Claro que não. O candomblecista não tem uma relação passiva ou contemplativa com o sagrado, com o divino, muito pelo contrário, o candomblecista manipula através de práticas mágicas o numinoso, o sagrado, o divino. Assim, o Candomblé não se parece com uma religião tradicional como as religiões de salvação, mas seria uma religião mágica na definição de Reginaldo Prandi, ainda que para Luis Nicolau Parés o candomblé não deixe de perder seu aspecto conventual.

Segundo.Como formar um corpus de pesquisa definível e controlável se a cada instante os informantes saem da sala e aparecem novos informantes? Outro problema: os informantes podem assumir identidades postiças ou pouco confiáveis. Assim quem usa o nick de babalorixá pode revelar depois de 20 minutos de conversa talvez não ser nem iniciado no culto ou ser até um cristão ou umbandista (o que a rigor é muito parecido um com o outro), como muitas vezes presenciei.

Terceiro.A presença chata de evangélicos pentecostais que entram na sala para evangelizar o pessoal é uma verdadeira conversa de surdos.Porque eles partem do pressuposto de que o candomblecista é um servo do tal de Satanás, enquanto no Candomblé Satanás não existe ou não tem nenhuma função.Já que o candomblé se inspira em matrizes africanas e portanto pré-cristãs e pré-mosaicas e sendo assim não faz e não faria sentido para um candomblecista autêntico e esclarecido acreditar em Satanás ou no dualismo judaico-cristão.

Quarto.A presença incômoda de quimbandeiros ou do que chamo ironicamente de satanistas cristãos.São aquelas pessoas que usam nicks idiotas do tipo ‘Joana Capeta’ ou
‘Zé encapetado’.Eu nunca tive muita paciência de puxar conversa com esses tipos, mas como as conversas são abertas para todos lerem, poderemos flagrar pérolas do tipo:”Satanás existe!” ou “Fiz o pacto com o Diabo!” que parece mesmo conversa de psicopatas ou pastores pentecostais (que a rigor são muito parecidos).

Mas para quem quiser conhecer a sala imagino que seja a única do gênero de portais grandes de Bate-papo.São duas salas de candomblé mas geralmente só uma fica com internautas, a segunda fica vazia na maioria dos casos.O que supõe o número pequeno de praticantes autênticos do candomblé puro no país ou então é uma pista de que talvez o número de candomblecistas no país seja expressivo, mas poucos são aqueles que estão incluídos no mundo digital.Só uma pesquisa estatística daria conta de responder tal questão.A obra do sociólogo Reginaldo Prandi talvez responda bem sobre os aspectos demográficos do candomblé.

Gostaria de entender o que leva os evangélicos a entrarem autoritariamente numa sala em que não dominam o assunto nem sua terminologia e que revelam através de versículos fora de contextos repetidos ad nauseam, que não estão nenhum um pouco interessados em interagir mas sim em impor o tal do Jesus Cristo e o tal do Diabo e sua visão de mundo simplista e binária, que tende a resumir o grande universo em apenas dois princípios excludentes: o Bem absoluto(Deus) e o Mal absoluto (Satanás).

Eu já tentei conversar com esses cristãos insistentes e chatos, mas eles são impenetráveis a argumentos lógicos e científicos já que sua visão fundamentalista não consegue enxergar nuances nas coisas, mas apenas o preto ou o branco.

E sobre o que conversam as pessoas que pelos nicks revelam ser iniciadas no culto? Não há uma padronização. Há uma diversidade de temáticas conforme o cargo no santo ou a nação que a pessoa pertence.Mas o que pude perceber é que os mais esclarecidos tem receio de compartilhar fundamentos mais profundos do culto, por medo de estarem difundido irresponsavelmente segredos que só devem ser compartilhados entre o adepto e seu zelador de santo.

Uma forma que estes tem de saber se a pessoa é realmente do santo ou não é perguntar: Qual o seu axé? O leigo ficará boiando, pois axé é um termo que tem vários significados. Mas entre eles há um que remeteria a tradição que a pessoa foi iniciada ou seja a qual axé da Bahia a pessoa ou o pai de santo da pessoa pertence.Como essa informação é muito técnica e específica, é uma estratégia que o povo de santo usa para isolar aquele internauta leigo que pode só confundir as coisas intencionalmente ou não.

E para encerrar vou dizer como me apresento nessas salas.Utilizo diversos nicks mas sempre deixo claro que não sou iniciado no culto, sou honesto.Mas sou um pesquisador das matrizes da chamada África continental e da África da diáspora.E por isso acontecem coisas díspares: posso ser bem tratado ou desprezado, dependendo da pessoa.Afinal o povo de santo tem uma relação ambígua com pesquisadores, que segundo eles publicam muitas besteiras sobre o culto dos orixás, ainda que com seu trabalho de pesquisa acabem legitimando o candomblé como uma coisa séria.

5 comentários:

Robson Cruz disse...

Você parte de uma noção estreita e ultrapassada de religião e de uma noção estreita, estereotipada e incompleta do que é candomblé. O conceito sócio-antropológico de religião já mudou bastante desde as definições etnocêntricas de Durkheim e Mircea Eliade. A relação moral em oposição à relação ritual com o divino caracteriza as religiões abraâmicas, mas isso não significa que apenas elas podem ser consideradas como religiões, em detrimento do Xintoísmo, Taoísmo, Hinduísmo e das religiões de matriz tradicional africana. É um bocado de prepotência etnocentrista propor algo assim.

XAVIER, Charles Odevan. Escritor profissional de livros especializados. disse...

Prezado Robson Cruz,
Outras pessoas do movimento negro também reclamaram dessa postura do texto legitimar Durkheim (um positivista). Não sabia que Eliade estava obsoleto.
Vou estudar mais.Obrigado pela interação.

Unknown disse...

Oi eu to procurado uma pai de santo com urgencia

Unknown disse...

Eu tô procurando uma pai de sato

Unknown disse...

Santo. discupar pelo error