quarta-feira, 30 de março de 2011

OS VISSUNGOS, CLEMENTINA DE JESUS E UM POUCO DE FILOLOGIA NEGRA





OS VISSUNGOS, CLEMENTINA DE JESUS E UM POUCO DE FILOLOGIA NEGRA.
Autor: Charles Odevan Xavier

Este estudo visa analisar o gênero musical ‘vissungo’ e sua relação com a obra da sambista carioca Clementina de Jesus.Para tanto nos baseamos no Suplemento Literário de Minas Gerais “Cantos Afrodescendentes: Vissungos” publicado em BELO HORIZONTE, OUTUBRO DE 2008. EDIÇÃO ESPECIAL. SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA DE MINAS GERAIS.

Também pesquisamos o verbete ‘Clementina de Jesus’ no site Wikipédia, como também consultamos os sites: “Samba & Choro” e “Brazilianmusic.com”.

DEFINIÇÃO DE VISSUNGO

“Os vissungos estão quase desaparecendo. Estão morrendo os poucos que sabiam. Os moços que aprenderam por necessidade ou por curiosidade vão se esquecendo.’ – assim já nos alertava Aires da Mata Machado Filho, por volta de 1938, quando terminava o manuscrito de seu estudo intitulado ‘ O negro e o garimpo em Minas Gerais.”

Camila Diniz

Os Vissungos são segundo a poeta e pesquisadora Sônia Queiroz:

“(...)cantigas em língua africana ouvidas outrora nos serviços de mineração”, foram identificados pelo pesquisador Aires da Mata Machado Filho em 1928 nos povoados de São João da Chapada e Quartel do Indaiá, no município de Diamantina, em Minas Gerais.”

E aprofunda a definição:

“Entre 1939 e 1940, Aires publicou em capítulos, na importante Revista do Arquivo Municipal, de São Paulo, o resultado de sua pesquisa sobre esses cantos de tradição banto: 65 cantigas, com “letra, música e tradução, ou antes fundamento’”, além de dois glossários da “língua banguela” – um deles extraído dos cantos e o outro, do linguajar local; e ainda 8 capítulos de estudo sobre a cultura afro-brasileira no contexto do trabalho da mineração de diamantes. A primeira edição em livro saiu em 1943 pela José Olympio, na coleção Documentos Brasileiros, ao lado de títulos da maior relevância, como os clássicos Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre. Outra marca do prestígio dessa edição: conforme nota no verso da folha de rosto, “foram tirados, fora do comércio, vinte exemplares em papel Vergé, numerados e assinados pelo autor”. A segunda edição foi publicada pela também prestigiosa Civilização Brasileira, em 1964. Em 1985, a Itatiaia, a mais antiga editora mineira, publicou com a edusp, na coleção Reconquista do Brasil, uma edição que (agora sem a parceria da edusp) ainda se encontra no mercado.”

E como o filólogo Aires da Mata Machado Filho classificava os Vissungos?

“Segundo Aires da Mata Machado Filho, “dividem-se os vissungos em boiado, que é o solo, tirado pelo mestre sem acompanhamento nenhum, e o dobrado, que é a resposta dos outros em coro, às vezes com acompanhamento de ruídos feitos com os próprios instrumentos usados na tarefa”. No capítulo 9, os vissungos foram agrupados em: padre-nossos, cantos da manhã (ou: ao nascer do dia), canto do meio-dia, cantigas de multa, cantigas de caminho, cantigas de rede e de caminho, pedindo licença para cantar, gabando qualidades (talvez equivalente
banto do oriki da tradição iorubá), cantos de negro enfeitiçado, cantiga de ninar, canto do companheiro manhoso e, ainda, um grupo de cantigas diversas.”

Há uma conotação religiosa nos Vissungos?

“Alguns vissungos “parecem cantos religiosos adaptados à ocasião”, talvez pelo esquecimento de seu significado original, observa o pesquisador. Mas outros conservam seu sentido místico-religioso: “Há cantigas especiais para conduzir defuntos a cemitérios distantes” (das quais ele recolheu três exemplos) e há cantigas, como os padrenossos, usadas na mineração e também nas cerimônias de levantamento do mastro, nas festas religiosas.”

É um vissungo mineiro uma forma de ‘work song’ parecida com o ‘spirituals’ e o blues negro americano? De uma certa maneira sim, como podemos ver no estudo da poeta e pesquisadora Sônia Queiroz:

“No capítulo 8, dedicado ao estudo das cantigas, Aires ressalta “a necessidade universal de trabalhar cantando”. E associa à prática dos negros de São João da Chapada e Quartel do Indaiá os cantos das colheitas de uvas em Portugal, das fiandeiras, dos capinadores de roça e dos mutirões. “Muito interessante era a multa. Quando alguma pessoa chegava à lavra, era logo multada pelos mineradores, com uma cantiga apropriada”: pediam alguma coisa ao recém-chegado. “Uma vez satisfeito o pedido, seguia-se à multa o agradecimento com danças, ritmo de carumbés e enxadas”.

E qual a relação da sambista carioca Clementina de Jesus com os Vissungos?

“Com o desenvolvimento das tecnologias de gravação sonora na segunda metade do século XX, catorze dos 65 vissungos escritos pelo Prof. Aires foram gravados, em 1982, nas vozes de Clementina de Jesus, Doca e Geraldo Filme, no LP O canto dos escravos, da Eldorado. Nessa gravação, hoje disponível em CD, percebe-se uma leitura nagô-iorubá dos cantos de tradição banto. Segundo o musicólogo José Jorge de Carvalho, em Um panorama da música afro-brasileira, “a base rítmica escolhida não repetiu o padrão rítmico original, mas usou um tipo de ritmos binários generalizados de umbanda, tais como o barravento, que ouvimos em casas de umbanda, macumba e jurema por todo o país”. Cerca de quinze anos depois, em Minas Gerais, o músico Gil Amâncio e
o poeta e músico Ricardo Aleixo incluíram um desses catorze vissungos no espetáculo e CD Quilombos urbanos: Muriquinho piquinino, o canto 62 do livro de Aires. Também na releitura dos Quilombos urbanos, os tambores não choram como pede o coro, mas se aceleram num ritmo que deságua no carnavalesco de Maracangalha, canção que se segue ao vissungo, em pot-pourri, na mesma faixa do CD.”

Através da argumentação de Sônia Queiroz percebemos o quanto é difícil resgatar gêneros musicais quase esquecidos.

E atualmente há algum grupo musical que trabalhe parte desse repertório cultural e musical?

“Ao final da década de 90, a Associação Cultural Cachuera! gravou, na voz de Ivo Silvério da Rocha, contramestre do Catopê de Milho Verde (distrito do Serro), três “cantos para carregar defuntos em redes”, que constituem a primeira faixa do CD Congado Mineiro, lançado pela Itaú Cultural, na série Documentos Sonoros Brasileiros. Juntamente com as gravações que constituem as faixas 12 a 17 do CD Festa do Rosário – Serro, lançado por Caxi Rajão em 2002, esses são os únicos registros sonoros dos Catopês de Milho Verde, grupo que mantém vivos ainda hoje, em seu repertório ritual, alguns desses cantos da tradição banto.”

E qual a importância do catopê do Milho Verde?

“Dentre os membros do catopê de Milho Verde, a pesquisadora Lúcia Valéria Nascimento, que investigou a sobrevivência dos vissungos na região de Diamantina e Serrro no início do século XXI, identificou, além do contramestre, outro cantador proficiente: Antônio Crispim Verísssimo, que demonstrava ainda algum conhecimento ativo da “língua banguela” ou “língua d’Angola”, como a designavam os falantes à época dos registros feitos por Aires da Mata Machado Filho. É notável a força do canto e da dança na preservação do patrimônio lingüístico e cultural. Em outras palavras: desaparecido o ritual dos funerais feitos a pé e o trabalho coletivo, as festas religiosas de cronograma fixo especialmente a festa de N. S. do Rosário) passam a desempenhar um papel essencial na preservação dos cantos de tradição africana em Minas.”

E há algum interesse atual na preservação desse patrimônio histórico?

“O interesse na preservação desse patrimônio histórico e cultural brasileiro e o reconhecimento do papel relevante da Arte nesse processo têm levado alguns artistas e pesquisadores a desenvolver estratégias de valorização e revitalização das línguas e culturas africanas que foram vivas em Minas no período da mineração, reduzindo-se a vestígios esparsos a partir sobretudo do século XX. O Festival de Inverno da UFMG tem se constituído num espaço de experiências poéticas transculturais que contemplam a cultura afro-brasileira: em 2002, reuniram-se em Diamantina os dois cantadores de vissungos do Serro e o grupo Tambolelê, de Belo Horizonte – constituído por músicos negros que trabalham com a poética afro-brasileira – numa proposta de criação coletiva integrando tradição e experimentação, que resultou no espetáculo Macuco Canengue, apresentado no adro da igreja do Rosário, em Diamantina; e no documentário de mesmo título, produzido pelo antropólogo e videomaker Pedro Guimarães, e mostrado ao grande público em Belo Horizonte, no Centro Cultural Tambolelê e na sala Humberto Mauro, no Palácio das Artes, e no largo da igreja do Rosário, no encerramento do 4º Encontro Cultural de Milho Verde, distrito do Serro; em 2004, foi realizada uma oficina de transcriação de vissungos, articulada a outra, de Etnomusicologia, com a participação dos dois cantadores de Milho Verde e de estudantes angolanos falantes de quimbundo e umbundo – línguas banto faladas em Angola que estão na base desses cantos afro-brasileiros; em 2008, nos 40 anos do Festival de Inverno da UFMG, os vissungos foram tema da instalação montada pelo Núcleo Avançado de Criação Intermidiático, que reuniu profissionais das cinco artes envolvidas.”

A DIMENSÃO LINGUÍSTICA DOS VISSUNGOS

Os Vissungos são cânticos filiados a tradição lingüística bantófone.E sobre essa tradição a etnolingüista Yeda Pessoa de Castro diz:

“Nos anos 70, porém, inicia-se uma nova fase nos estudos afro-brasileiros com a redescoberta da importância do mundo banto e de suas recriações no Brasil, então revelados através da descentralização da pesquisa da cidade de Salvador que, na África, foi estendida da região iorubánagô do Golfo do Benin ao Congo e Angola. Seus resultados foram analisados na tese de doutoramento que defendemos na Universidade Nacional do Zaire em 1976 e recentemente se encontram no livro Falares africanos na Bahia, publicado em 2001, já em segunda tiragem em 2005. Naquele ano, o Centro de Estudos Afro- Orientais da Bahia, através de intercâmbio com a Universidade Nacional do Zaire, inaugura o ensino de línguas do grupo banto no Brasil com o curso de quicongo ministrado pelo professor congolês Nlandu Ntotila. Em 1980, e por dez anos, esse curso ficou sob a responsabilidade docente de um de seus alunos, Tata Raimundo Pires, que era membro da comunidade religiosa de tradição congo-angola. Atualmente esse curso é oferecido pelo ACBANTU, entidade afro-baiana dedicada aos estudos das tradições do mundo banto no Brasil.”

Qual a dimensão demográfica da tradição bantófone? A lingüista afirma:

“Levando em consideração que a língua viva de um povo é o testemunho mais antigo da história desse povo, os dados obtidos no domínio da língua, da religião e das tradições orais no Brasil revelaram a presença banto como a mais antiga e superior em número e em distribuição geográfica no território brasileiro por mais de três séculos consecutivos. Testemunho deste fato é a antroponímia de Palmares no século XVII, Ganga Zumba, Zumbi, Dandara, sua toponímia, Dembo, Macaco, Osengo, Cafuxi, e o vocabulário associado à escravidão, tais como: quilombo, senzala, mocambo, libambo, bangüê,mucama. Ao final desse mesmo século é publicada, em Lisboa, A arte da língua de Angola, uma gramática do quimbundo escrita na Bahia pelo missionário Pedro Dias com a finalidade de fornecer subsídios para a catequese do grande contingente negro-africano que se encontrava naquela cidade sem falar português. No domínio da religião, predominam os vocábulos de origem banto para nomear práticas diferentes de matriz negro-africana e os locais onde se realizam. No Brasil, a mais antiga de que se tem notícia é calundu, registrada no século XVII na poesia satírica de Gregório de Matos e descrita, no século seguinte, em 1728, por Nuno Pereira em O peregrino das Américas. Entre as mais conhecidas estão candomblé, umbanda, catimbó e macumba. Por sua vez, a importância histórica do Reino do Congo se reflete nos autos populares denominados congos e congadas, onde a figura do Manicongo (senhor do Congo) é sempre lembrada em versos como Cabinda velha chegou / e rei do Congo falou. A mesma lembrança se registra para a Rainha Jinga ou Nzinga, do antigo Reino de Matamba, em Angola atual.”

A tradição bantófone influenciou de alguma maneira a cultura brasileira?

“A antigüidade dessa presença favorecida pelo número superior do elemento banto na composição demográfica do Brasil colonial, tanto quanto por sua concentração em zonas rurais, isoladas e naturalmente conservadoras, onde o recurso de liberdade era a fuga para os quilombos, foram importantes fatores de ordem sócio-histórica que tornaram a participação banto tão extensa e penetrante na configuração da cultura e da língua representativas do Brasil que aportes de matriz banto, como o samba e a capoeira, terminaram integrados ao patrimônio nacional como símbolos de brasilidade.”

E quais seriam os exemplos de sobrevivência bantófone na nossa cultura?

“Ainda hoje há registro de falares isolados em comunidades rurais, provavelmente vestígios de antigos quilombos, que preservam um sistema lexical banto, a exemplo da linguagem do Cafundó em São Paulo (cf. Vogt e Fry, 1996), do negro da costa em Tabatinga, Minas Gerais (cf. Queiroz, 1998) e nos vissungos recolhidos por Aires da Mata Machado Filho em São João da Chapada e mais recentemente por Lúcia Nascimento no município de Serro, também em Minas Gerais (cf. Machado Filho, 1964; Nascimento, 2002). Importante notar que se trata de falares de base portuguesa lexicalizados por línguas do grupo banto, assinalando-se, no entanto, a evidência de lexemas da zona lingüística R, na classificação de Guthrie, onde o umbundo, falado em Benguela, no Centro-Sul de Angola, é majoritário.”

E para a etnolinguista Yeda Pessoa de Castro o que representa os vissungos?

“os vissungos são identificados pelos seus falantes como língua banguela. Em seu vocabulário predominam substantivos prefixados pela vogal o-, um antigo demonstrativo que os bantuístas chamam de aumento, entre eles, o umbundo onjo, casa, mas que ocorre com o termo quimbundo njo na conhecida brincadeira infantil brasileira dos escravos de jó (os escravos domésticos) que jogavam caxangá (cf. Pessoa de Castro, 2007). A própria denominação vissungo corresponde ao substantivo umbundo ovisungo, plural de ocisungo, que significa louvores e ocorre geralmente na expressão imba ovisungo, cantar, louvar, exaltar (cf. Daniel, 2002, s/v.).”

E como a etnolinguista entende o processo de influência dos falares africanos na língua portuguesa?

“Quanto ao influxo de línguas africanas no português do Brasil, sem dúvida, a parte dos falares de base banto foi a mais significativa no processo de configuração das diferenças que afastaram o português do Brasil da sua matriz falada em Portugal. À medida que a profundeza sincrônica revela uma antiguidade diacrônica, essa influência torna-se mais evidente pelo grande número de palavras do banto completamente integradas ao sistema lingüístico do português e de derivados portugueses formados de uma mesma raiz banto por meio de prefixos ou sufixos, tais como em nleeke, menino, jovem, que derivou em moleque,e depois amolecar, molequinho, molecote. Em outros casos, o lexema banto chega a substituir completamente a palavra portuguesa
equivalente, como caçula por benjamim,corcunda por giba, moringa por bilha, marimbondo por vespa, cochilar por dormitar, bunda por traseiro.”

E como ela vê o processo de “iorubacentrização” dos estudos negros brasileiros?

“Sendo assim, embora seja verdadeiro que esse processo de africanização se deva em grande parte à extensão e ocupação territorial, densidade demográfica e antiguidade do povo banto em território colonial brasileiro, não se deve chegar ao extremo de querer “bantuizar” o Brasil como forma de contrapor o “iorubacentrismo” que tem prevalecido nos estudos afro-brasileiros. Uma correta interpretação das culturas negro-africanas, de seus códigos, seu conseqüente resgate do âmbito meramente folclórico ou lúdico, sua valorização e adequada difusão permitirão que o avanço do entendimento da parte do legado banto para a formação e sentido do Brasil passe a ser visível e explícito, revertendo os estereótipos vigentes em nossa academia. Além do mais, o estudo lingüístico desses falares afro-brasileiros, apoiado pelas informações históricas existentes sobre o período do tráfico transatlântico, trazem subsídios importantes para a configuração do mapa etnolingüístico africano do Brasil. Aqui está a prova do que nos dizem os vissungos sobre a presença dos ovimbundos, povo originário de territórios do antigo reino de Benguela, em terras de Minas Gerais.”

BREVE PANORAMA DA OBRA DE CLEMENTINA DE JESUS

A sambista carioca Clementina de Jesus nasceu em Valença em 7 de Feveiro de 1901 e morreu em Rio de Janeiro em 1987 aos 86 anos.Também era conhecida como Tina ou Quelé.
Nascida na comunidade do Carambita, bairro da periferia de Valença, no sul do Rio de Janeiro[1], mudou-se com a família para a capital aos oito anos de idade[2], radicando-se no bairro de Osvaldo Cruz. Lá acompanhou de perto o surgimento e desenvolvimento da escola de samba Portela, frequentando desde cedo as rodas de samba da região. Em 1940 casou-se e mudou para a Mangueira. Trabalhou como doméstica por mais de 20 anos, até ser "descoberta" pelo compositor Hermínio Bello de Carvalho em 1963, que a levou para participar do show "Rosa de Ouro", que rodou algumas das capitais mais importantes do Brasil e virou disco pela Odeon, incluindo, entre outros, o jongo "Benguelê". Devota da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, participava de festas das igrejas da Penha e de São Jorge, cantando canções de romaria. Considerada rainha do partido alto, com seu timbre de voz inconfundível, foi homenageada por Elton Medeiros com o partido "Clementina, Cadê Você?" e foi cantada por Clara Nunes com o "P.C.J, Partido Clementina de Jesus", em 1977, de autoria do compositor da Portela Candeia.
Além deste gênero gravou corimás, jongos, cantos de trabalho etc., recuperando a memória da conexão afro-brasileira. Em 1968, com a produção de Hermínio Bello de Carvalho, registrou o histórico LP "Gente da Antiga" ao lado de Pixinguinha e João da Baiana. Gravou cinco discos solo (dois com o título "Clementina de Jesus", "Clementina, Cadê Você?" e "Marinheiro Só") e fez diversas participações, como nos discos "Rosa de Ouro", "Cantos de Escravos", Clementina e convidados e "Milagre dos Peixes", de Milton Nascimento, em que interpretou a faixa "Escravos de Jó". Em 1983 foi homenageada por um espetáculo no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com a participação de Paulinho da Viola, João Nogueira, Elizeth Cardoso e outros nomes do samba.
Rainha Ginga. Quelé. Duas maneiras de chamar Clementina de Jesus, com a imponência do título de realeza e com a corruptela carinhosa de seu nome. Clementina evocava tais sentimentos aparentemente contraditórios. A ternura e o profundo respeito.
A ternura de negra velha sorridente. Todos com quem se envolvia tinham a compulsão de chamá-la Mãe, como a chamavam os músicos do musical Rosa de Ouro. Uma pessoa capaz de interromper um depoimento dado à televisão para discutir sobre o café com a moça que o servia. Um brilho especial nos olhos que cativou desde os mais humildes ao imperador Haile Selassié. Talvez por ter trabalhado tantos anos como empregada doméstica e ter começado a carreira artística aos 63 anos, descoberta pelo poeta Hermínio Bello de Carvalho, nunca tratava de forma diferente devido à posição social.
O respeito ao peso ancestral de sua voz: uma África que estava diluída em nossa cultura é evocada subitamente na voz e nos cânticos que Clementina aprendeu com sua mãe, filha de escravos. Clementina surgiu como o elo perdido entre a moderna cultura negra brasileira e a África Mãe.
Clementina causou uma fascinação em boa parte da MPB. Artistas tão diferentes como João Bosco, Milton Nascimento e Alceu Valença fizeram questão de registrar sua voz em seus álbuns. Apesar disso Clementina nunca foi um grande sucesso em vendagem de discos. Talvez por ter gravado quase que somente temas folclóricos, ou por sua voz não obedecer aos padrões estéticos tradicionais. O que realmente impressionava eram suas aparições no palco, onde tinha um contato direto com seu público.
Clementina, mesmo tendo iniciado tardiamente sua vida artística e com uma curta carreira, é sem dúvida uma das mais importantes artistas brasileiras. Faleceu em função de um derrame[2] na Vila Santo André - Inhaúma - Rio de Janeiro, em 19 de julho de 1987 e apesar disso, hoje em dia apenas o disco Clementina e Convidados existe em catálogo.
Discografia
Discos-solo
• 1966 - Clementina de Jesus (Odeon MOFB 3463)
• 1970 - Clementina, cadê você? (MIS 013)
• 1973 - Marinheiro Só (Odeon SMOFB 3087)
• 1976 - Clementina de Jesus - convidado especial: Carlos Cachaça (EMI-Odeon SMOFB 3899)
• 1979 - Clementina e convidados (EMI-Odeon 064 422846)
Participações
• 1965 - Rosa de Ouro - Clementina de Jesus, Araci Cortes e Conjunto Rosa de Ouro (Odeon MOFB 3430)
• 1967 - Rosa de Ouro nº 2 - Clementina de Jesus, Araci Cortes e Conjunto Rosa de Ouro (Odeon MOFB 3494)
• 1968 - Gente da Antiga - Pixinguinha, Clementina de Jesus e João da Baiana (Odeon MOFB 3527)
• 1968 - Mudando de Conversa - Cyro Monteiro, Nora Ney, Clementina de Jesus e Conjunto Rosa de Ouro (Odeon MOFB 3534)
• 1968 - Fala Mangueira! - Carlos Cachaça, Cartola, Clementina de Jesus, Nélson Cavaquinho e Odete Amaral (Odeon MOFB 3568)
Coletâneas
• 1999 - Raízes do Samba - Clementina de Jesus (EMI 522659-2)
Fonte de consulta: "http://pt.wikipedia.org/wiki/Clementina_de_Jesus"
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não foi objetivo deste estudo substituir a consulta à obra do filólogo Aires da Mata Machado Filho “O Negro e o garimpo em Minas Gerais” nem substituir a escuta do CD “O Canto dos Escravos” de Clementina de Jesus, Doca e Geraldo Filme da Gravadora Eldorado.Mas ser um convite para que o leitor conheça essas obras e mergulhe na riqueza da contribuição musical e linguistica do povo negro brasileiro.

Pesquisador e ensaísta

segunda-feira, 28 de março de 2011

O SAMBA "MACHO-MAN" DE ROBERTO SILVA




O SAMBA ‘MACHO-MAN’ DE ROBERTO SILVA
Autor: Charles Odevan Xavier

Este estudo é uma análise da obra do sambista carioca Roberto Silva. E foi inteiramente baseado numa coletânea segmentada lançada pela Gravadora EMI, cujo título é “Raízes do Samba – Roberto Silva”.

Tal projeto de coletânea foi coordenada por Sonia Antunes e Maurício Dias. E o repertório foi uma seleção de Carlos Savalla.

Roberto Silva não é compositor, mas intérprete de sambas urbanos. Pelo menos se compôs algo na vida, Carlos Savalla deixou de fora da coletânea ou talvez se quer foi gravado no seu potente vozeirão.

Roberto Silva é um sambista octogenário da velha guarda e que na capa da coletânea revela como seu imaginário está ligado à boêmia carioca, já que na capa o sambista aparece numa foto vestido socialmente (como diziam os mais antigos : vestido decentemente). Na foto tirada provavelmente na meia idade – quem sabe até mais moço, o problema é que esses homens de antigamente se vestiam com tanta formalidade e solenidade, que a roupa acabava os envelhecendo nas fotos – Roberto Silva posa tendo o bonde e o Arco da Lapa por trás.

O sambista de “Risoleta” (Raul Marques/Moacyr Bernardino) começou a gravar na década de 60 e a maioria dos sambas da coletânea citada são setentistas.Mas mesmo tendo gravado nos anos 60, o samba de Roberto Silva tem um sabor nostálgico e um cheiro ligeiramente envelhecido.Talvez isso se dê pelo fato do intérprete ter escolhido compositores das década iniciais do século XX.Ou por uma certa fixação nos anos 40 e 50.Época em que a música popular brasileira é conhecida pelo povão como “música de dor de cotovelo”, ou mais pejorativamente o povão se refere a esse período musical como “música de corno”.

Quais são as temáticas cantadas pelo sambista carioca? Roberto Silva escolheu cantar os males e dores do amor. Nelas há muito espaço para desilusões, desencontros amorosos ou conquistas do tipo machão galanteador.

A obra interpretada por Roberto Silva exibe um painel do velho macho latino ocidental, mas com um quesito peculiar que o diferencia de um Nelson Gonçalves ou um Francisco Alves: o fato de ser um negro pobre e trabalhador, lidando com negras ou mulatas malvadas – “A Mulher que eu gosto” (Ciro de Souza/Wilson Batista) e a endiabrada “Risoleta”.

Roberto Silva em sua época foi um dos poucos negros que conseguiu atingir o público branco pelo enorme potencial de sua voz. E também porque cantava aquilo que os machões brancos queriam ouvir.

E se o leitor quer provas do machismo de Roberto Silva, que tal esses versos dos compositores Haroldo Lobo e Wilson Batista, “Emília”:

“Eu quero uma mulher/que saiba lavar e cozinhar/que de manhã cedo me acorde na hora de trabalhar/Só existe uma e sem ela eu não vivo em paz: Emília/Emília/Emília/Não Posso mais/Ninguém sabe igual a ela/Preparar meu café/Não desfazendo das outras:/Emília é mulher/Papai do Céu é quem sabe/A falta que ela me faz/Emília/Emília/Emília/ Não Posso mais”.

Os leitores podem retrucar dizendo que o machismo não é dele, mas dos compositores.Isso seria uma forma de tangenciar o machismo do intérprete.De tangenciar o intangenciável.É claro que se sou intérprete eu canto aquilo com que concordo ou afino ideologicamente.Jamais a cantora gospel Aline Barros cantaria um ponto de umbanda ou um hardcore anticapitalista anarquista.

Assim, não só nessa faixa “Emília” como em outras o sambista exibe todo o seu machismo de fundo patriarcal. Mas isso diminui sua obra enquanto artista? Aí entramos numa seara muito complexa. Há excelentes artistas que foram reacionários em política e ideologia, como por exemplo o poeta americano Ezra Pound e o contista argentino Jorge Luis Borges.

Não podemos deixar de reconhecer que mesmo gravando na década de 70, pelo menos 10 ou 15 anos depois das explosões dos movimentos feministas da década hippie, Roberto Silva poderia ter escolhido gravar sambistas mais esquerdizados e arejados como Paulinho da Viola e Chico Buarque.

Se não optou só uma pesquisa mais profunda na biografia do intérprete daria conta de explicar o “porque” desse machismo tão anacrônico e démodé. Não podemos esquecer que o intérprete gravou nos anos da ditadura militar e o patriarcalismo era incentivado vívidamente pelos militares, como o é até hoje pelas forças armadas.

ROBERTO SILVA E OS CULTOS AFROS

O sambista como bom carioca também gravou uma música reveladora de sua ligação com os cultos afros. Senão vejamos o que pensar desses versos de “Pisei num Despacho”(Geraldo Pereira/Elpídio Vianna):

“Desde o dia que passei/numa esquina/e pisei num despacho/entro no samba/meu corpo tá duro/bem que procuro a cadência/e não acho/meu samba e meu verso/não fazem sucesso/há sempre um porém com a gafieira/fico a noite inteira/ no fim não dou sorte com ninguém/mas eu vou num canto/vou num pai de santo/pedir qualquer dia/que me dê uns passes/uns banhos de ervas/e uma guia/está aqui um endereço/um senhor que eu conheço/me deu há três dias/o mais velho é batata/ diz tudo nas atas/ é uma casa em Caxias”

Na composição que não é de Roberto Silva, não se sabe claramente que tipo de culto o personagem vai se consultar. Não conseguimos saber textualmente se está falando da umbanda, da quimbanda ou do candomblé.Mas como se trata do Rio de Janeiro há uma grande probabilidade que os compositores estejam se referindo a uma casa de umbanda, que é um culto tipicamente carioca que se espalhou para o resto do país e sofrendo adaptações onde chegou pelo País.Tanto que aqui no Ceará, que majoritariamente cultua o catimbó, depois de um certo tempo os catimbozeiros passaram a usar o termo umbanda como uma tentativa de assustar menos os fregueses e vizinhos. Já que na variedade dialetal cearense “catimbó” quer dizer feitiçaria, magia negra pesada.

A obra do cineasta Roberto Moura “Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro” – 2ª edição – Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Dep. Geral de Doc. e Inf. Cultural, Divisão de Editoração, 1995 – é um excelente roteiro para se entender como se deu o surgimento da umbanda carioca no contato com babalorixás e yalorixás vindas da diáspora baiana. Vale a pena ser lida, pois é uma obra que esmiúça bem os aspectos religiosos, políticos,antropológicos e musicais daquele período.

Mas e quanto ao samba “Pisei num Despacho”? Bem. Despacho é um termo muito próprio da umbanda ou macumba carioca pré-umbandista (Não podemos esquecer que a umbanda surgiu somente nos anos 10 do século XX). Anteriormente a isso os descendentes de escravos cariocas já se reuniam subterrânea e marginalmente num culto mágico conhecido como macumba. Se os compositores fossem ligados ao candomblé teriam usado o termo ebó, o que acaba automaticamente filiando a canção ao imaginário mesmo da umbanda.Nela se cruzam dois universos: o secular, o profano(freqüentar cabarés e gafieiras) e o sagrado (freqüentar pai de santo), como é típico das populações pobres brasileiras.O personagem resolve procurar o sagrado apenas porque começa a se dar mal no campo do profano.Ou como dizem os moralistas kardecistas: o homem nunca procura o espiritual pelo amor, mas pela dor.O personagem espera do pai de santo uma terapêutica que já deve ter usado anteriormente e tido bons resultados(tomar uns passes, um banho de ervas e usar uma guia preparada), se não tivesse dado certo com certeza o personagem da canção não buscaria este tipo de recurso, o que talvez sinalize que ele funcione.Aliás, qualquer atenção dada por um homem ou mulher mais velhos sempre funciona.E na música a senioridade do pai de santo é realçada e valorizada, como acontece no continente africano e é reproduzido também nos ‘locus’ religiosos da diáspora negra.

Mas para dizer mais coisas eu deveria ser carioca, afinal tendo ido ao Rio de Janeiro uma única vez na vida, não dá para analisar com propriedade se essa faixa revela mesmo um jeito carioca de ser ou se falha em alguma coisa. A minha suposição é de “Pisei num Despacho” não só define bem essa “carioquicidade” que eu conheço na prática superficialmente - quando fui no Rio fiquei apenas 10 dias lá e muito dentro de onde estava sendo realizado um evento estudantil universitário, eu por exemplo não conheci a “noite boêmia” carioca – mas define muito bem a chamada brasilidade. E a peculiaridade do chamado “jeitinho brasileiro” tem muito a ver com essa constante sensação de viver na corda bamba ou no fio da navalha.Pois o Brasil é um país pobre em termos de distribuição de renda e riquíssimo em termos de renda concentrada.Assim, a experiência de ser brasileiro passa quase sempre pela escassez material e pela enorme criatividade espiritual. É quando se faz perceber um Estado ausente no atendimento da penúria dos mais pobres e presente apenas na criminalização de quando esses mais pobres se organizam e também numa iniciativa privada mesquinha e elitista, que define o jeito brasileiro de ser e pertencer.

Roberto Silva representa muito bem o imaginário masculino, negro e pobre do Brasil de uma certa época, que talvez ainda sobreviva com força na roda de conversas de velhos aposentados jogando cartas, dominó e “porrinha”. O trabalho do sambista merece ser ouvido, a voz dele é potente, os arranjos são interessantes e são uma forma de mergulhar na história negra brasileira.

Pesquisador e ensaísta.

A CARTA DO POVO DE TERREIRO À DILMA CANDIDATA



A CARTA DO POVO DE TERREIROS À DILMA CANDIDATA
Autor: Charles Odevan Xavier

“Se apetece ao PT/ter poder”
Tom Zé em “Jardim da Política” no ano de 1985

Este texto pretende analisar a Carta do Povo Tradicional de Terreiros endereçada a ainda candidata Dilma Russeff, datada de 18 de Outubro de 2010, Brasília.

No começo da carta o enunciador avisa que a carta é fruto de consulta a lideranças nacionais do Povo Tradicional de Terreiros e que o objetivo da mesma é expressar o sentimento dominante do Povo Tradicional de Terreiro, ainda que o enunciador reconheça que a mesma não seja um consenso.

O enunciador diz:

“Inegavelmente sua candidatura à presidência da República é o que
há de mais seguro para o Povo Tradicional de Terreiro.”

Embora o texto não cite, talvez o enunciador estivesse se referindo indiretamente à candidatura da evangélica Marina Silva.

No terceiro parágrafo o enunciador situa o Povo Tradicional de Terreiro em relação à candidatura de Dilma Russeff:

“Nosso Povo de Terreiro efetivamente se movimentou no primeiro turno a seu favor, mas sem receber nenhum apóio oficial dos comitês responsáveis por sua campanha; em poucas cidades especialmente nas capitais, esse processo se deu de forma diferenciada, mas o que predominou foram situação como a de Manaus, o material de divulgação voltado a População Negra só chegou as mãos das lideranças de Terreiro três dias antes da votação, um completo e total descaso para conosco.”

E a partir da alfinetada nos organizadores da campanha da então candidata do Partido dos Trabalhadores, o enunciador revela a baixa auto-estima histórica da população negra do Brasil.

O enunciador compara o uso midiático que a campanha fez junto ao segmento católico e evangélico e ao segmento do Povo Tradicional de Terreiros:

“Vimos com muita preocupação que nos últimos dias um esforço concentrado de sua coordenação de campanha, em mudar a imagem negativa forjada junto aos cristãos católicos e, principalmente, evangélicos. Também observamos com pesar que durante toda a campanha do primeiro turno os seus encontros com as comunidades evangélicas e católicas ganharam grande espaço junto à mídia.

Se o mesmo tipo de encontro se deu junto ao Povo de Terreiro no primeiro turno ou agora no segundo, isso se fez de forma muito tímida, sem nenhuma divulgação ou destaque. É corrente o pensamento de que um encontro da senhora conosco lhe tiraria votos de evangélicos radicais.”

O enunciador emite o seu parecer sobre um encontro apenas com lideranças evangélicas da então candidata:

“O seu recente encontro com pastores evangélicos no nosso entendimento foi um infeliz episódio. Com toda a certeza seu compromisso com o grupo lhe renderá votos, mas com toda a certeza lhe fez perder muitos votos do Povo Tradicional de Terreiro, do Movimento LGBT católicos e a sociedade em geral por conta de ter sido um encontro com apenas e tão somente com evangélicos.”

Assim, o Enunciador situa o Povo Tradicional de Terreiros com outro segmento populacional também discriminado na nossa cultura: os LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros).

E o enunciador conclui o resultado lógico de tal estratégia da direção da campanha da candidata Dilma Russeff:

“O resultado de tal iniciativa foi um significativo e crescente número de manifestações via internet conclamando a população a votar em branco ou no seu opositor. Manifestações essas que respeitamos enquanto direito de livre manifestação, mas não concordamos.”

O enunciador emite o seu parecer sobre o conceito de Estado Laico:

“Acreditamos na sua proposta de um Estado laico. Temos presente pelo seu histórico pessoal e político que, se eleita, a senhora se empenhará na execução dessa demanda social.”

O enunciador emite o seu parecer sobre a inclinação de Dilma a ceder sob a pressão dos setores evangélicos em relação à questão do Aborto e da Parceria Civil entre pessoas do mesmo sexo:

“A partir do momento em que a candidata assinalou pactuar com o pensamento dos pastores evangélicos, em questões altamente delicadas como o aborto e a parceria civil, nos preocupa o empoderamento que seu ato proporcionou as religiões hebraico-cristãs especialmente o seguimento neopetencostal, em detrimento das demais religiões.”

O enunciador emite o seu parecer sobre os mecanismos mafiosos do segmento evangélico:

“Em todo o Brasil é tido como fato concreto que os religiosos evangélicos jogaram a eleição presidencial para o segundo turno, que a candidata do governo, já considerada eleita, teve que se curvar diante do poder e ditames dos pastores evangélicos para poder garantir a eleição. Pelo que até o momento pudemos vir de sua conduta pessoal esse deve ter sido um momento extremamente difícil na sua história de vida.”

E o enunciador esmiúça um pouco mais a forma de atuação da máfia evangélica:

“Admitimos que o grupo evangélico está cumprindo, muitíssimo bem, o objetivo de chegar ao poder; estão organizados social e politicamente, os currais eleitorais garantem o voto de cabresto em nome de Jesus e das penas do inferno para quem não seguir as diretrizes dos pastores. A significativa bancada federal de evangélicos no Congresso Nacional lhe obriga a dialogar politicamente com o grupo como um todo, a fazer concessões e a pactuar.

As caminhadas, marchas e encontros com milhares de fiéis evangélicos são manifestações incontestes de força e poder. Força e poder conquistado com substancial ajuda dos governos passados e atuais. A prova maior disso é que a cada dia surgem denúncias e mais denúncias junto aos Tribunais de Contas de Municípios, Estado e União de repasse de verbas, convênios e parcerias de governos municipais, estaduais e federal com o seguimento evangélico que não foram cumpridos e ou foram usados de forma indevida, criminosa até.”

O enunciador fala do potencial eleitoral do Povo Tradicional de Terreiro:

“Em contra posição qual é o potencial de voto do Povo de Terreiro?

Com certeza somos milhões, mas não dispomos da mesma estrutura que dispõem os evangélicos. Não nos foi possível criar hegemonia por conta do preconceito e racismo institucional. Foi graças ao Governo Lula que o Povo Tradicional de Terreiro passou a ser tratado com alguma distinção, mas as ações estruturantes do governo federal ainda não chegaram até nós como deviam. A grande maioria ficou fora, não consegue escrever projetos na linguagem oficial do governo, faltou investimento na capacitação de nosso Povo.”

Dessa forma, o enunciador reconhece a precariedade do Protagonismo político do Povo Tradicional de Terreiros.E o que é pior atribui ao Estado à culpa por essa pobreza política no sentido que fala a obra de Pedro Demo.

O enunciador emite o seu parecer sobre um possível impasse eleitoral para o Povo Tradicional de Terreiros:

“Todo esse quadro acima descrito aumentou nossa apreensão e dificultou a busca de votos no meio do Povo Tradicional de Terreiro, temos ouvido argumentos de que em sendo a senhora eleita, isso decerto, alavancará o prestígio dos evangélicos junto a população bem como junto ao próprio governo. O que para as demais religiões restantes seria extremamente danoso, haja vista o processo de intolerância vigente no país.

Há poucos dias da eleição entendemos que seria difícil articular uma única reunião da Senhora com lideranças religiosas nacionais do Povo Tradicional de Terreiro; entendemos que nesse momento precisamos lhe blindar. Qualquer movimento poderá ser mal interpretado.”

O enunciador faz um balanço da chamada “Era PT” para a população negra brasileira:

“Nosso apóio a sua candidatura é fato concreto, acreditamos que a Senhora é a melhor opção de continuidade das ações afirmativas do governo federal que deram a População Negra o que lhe foi secularmente negado desde a chegada do primeiro negro escravo ao Brasil, entre as que mais se destacam está a criação da SEPPIR, a Saúde Integral da População Negra, a Lei 10.639 e o polêmico Estatuto da Igualdade Racial que não é o que nós quereríamos, mas que é um ponto de partida para novas conquistas.”

O enunciador da carta propõe uma plataforma caso a candidata seja a eleita:

“Como estamos tratando de Política que reflete o desejo do Coletivo há alguns aspectos que precisam ser pactuados entre o Povo Tradicional de Terreiro e seu futuro governo.

Com base em tudo o que acima destacamos queremos pactuar com a Senhora o que abaixo segue:

1 – Após as eleições, onde a senhora com a ajuda dos Vòdún’s, Nkices, Òrisá’s, Encantados, Caboclos, Catiços e Exús será vitoriosa, um encontro dos representantes nacionais do Povo Tradicional de Terreiro e a presidente eleita.

2 – Que seja firmado o pacto interreligioso e a presidente eleita de uma maior ênfase na proposta da promoção do Estado laico e do tratamento equânime às religiões como um todo.

3 – A realização da Primeira Conferência Nacional da Equanimidade Religiosa com ampla participação dos vários segmentos religiosos existentes no país.

4 – Encaminhar ao Congresso Nacional o Plano Nacional Contra a Intolerância Religiosa

5 – A continuidade, ampliação e Efetivação do mapeamento do Povo Tradicional de Terreiro no âmbito dos Estados, de forma censitária, identificando as matrizes culturais.

6 – A revisão do Estatuto da Igualdade Racial onde seja ouvida a População Negra e suas demandas.”

Nessa altura da análise começamos a perceber o que é valorizado pelo Povo Tradicional de Terreiros a saber: interreligiosidade, laicidade, equanimidade religiosa e combate a intolerância religiosa, ou seja, tudo aquilo que o Pastor Silas Malafaia odeia. Além disso os signatários da carta parecem não terem receio político nenhum do povo negro ser mapeado e rastreado pelo Estado.

A carta teve vários signatários.Entre eles citaríamos o primeiro que deve ser do culto da nação Djedje: Dr. Alberto Jorge Rodrigues da Silva - Vodunsi Re Rohsovi - Que é responsável pela Coordenação Amazônica da Religião de Matriz Africana e Ameríndia – Carma e também representante da Federação Nacional da Religião de Matriz Afro-brasileira – FENAREMA.

Mas também não poderíamos deixar de destacar que, entre números representantes de diversos segmentos afro-brasileiros, a carta contou com o apoio do Sindicato dos Psicólogos do Amazonas e da Federação Nacional dos Psicólogos (entidade filiada à CUT).Sendo assim tal apoio funciona como uma espécie de legitimação científica aos credos afro-brasileiros, algo como dissesse que ir para macumba faz bem a mente.

Quais são os problemas que identificamos nessa carta? Vamos a eles.O que fica patente é que o Povo Tradicional de Terreiros sempre foi subserviente à Política, ao Estado burguês.E basta lembrar nos tempos da ditadura militar no Ceará, a relação promíscua de pais de santo umbandistas com a Luiza Távora(do finado PDS) uma relação de subserviêcia política sem dúvida.Como se o povo de santo não pudesse caminhar com as próprias pernas e precisasse dos favores clientelistas dos políticos, criando uma relação de dependência totalmente nociva.

Se o povo de santo fosse realmente organizado deveria lutar não por se integrar a lógica da máquina governamental, mas de prescindir da mesma.

“Povo organizado, luta sem partido e vive sem estado” diz a palavra de ordem anarquista.E eu concordo com isso.

Como esperar um verdadeiro protagonismo político enquanto se espera por tutelas governamentais? Será a população negra tão eternamente coitadinha e vitimizada a depender sempre dos favores do sistema governamental? Não poderá nunca essa mesma população lutar com suas próprias forças?

Entretanto, reconheço que se vivemos num sistema capitalista mediado por taxas e pagamentos de impostos compulsórios, temos de saber o que acontece com o erário público.E saber que esse erário pode parar nas mãos da máfia evangélica é realmente preocupante.E nisso me solidarizo com os signatários da carta.

Mas é extremamente incômoda essa grau de expectativa e ansiedade em relação ao PT.E eu vou explicar por que, embora eu seja um pouco suspeito porque eu já fui filiado a esse partido e fiz parte do grupo político Democracia Socialista, da qual a Prefeita de Fortaleza Luiziane Lins fez ou faz parte (digo isso porque como me afastei desse grupo, não sei dizer se o mesmo ainda existe com esse nome e seguindo o paradigma do mandelismo ou se o grupo se reconfigurou políticamente ou se fundiu a outras correntes do PT, realmente não sei informar isso).O que sei informar é que já em 2000 rompi com o PT porque queria algo mais radical e fui parar no campo da chamada esquerda não-oficial.Se o meu nome ainda estiver oficialmente nos arquivos do partido não sei dizer, já que não me importei nem em rasgar a ficha de filiação partidária.Simplesmente me afastei e pronto.

Nós anarquistas temos um parecer contrário à Política institucional, pois como diziam os ativistas da Internacional Situacionista no Maio Francês: “Política é subalternidade.Escolher política é estupidez!”. Desse modo, o anarquista é livre para não comparecer no dia da eleição ou votar nulo. Mas pode dependendo da conjutura escolher votar num candidato menos ruim e vou explicar quando isso aconteceu e o motivo.

Num dos pleitos eleitorais franceses, havia uma grande probabilidade de ser eleito o representante da extrema direita, Jospein.Assim, alguns anarquistas franceses que já conheciam os horrores das prisões francesas , resolveram votar no candidato da esquerda burguesa da época.

Sendo assim, devo confessar que depois que me tornei anarquista nunca mais fiz campanha para nenhum candidato, mas só votei nulo no primeiro turno da primeira eleição vitoriosa de Lula.De lá para cá tem sempre havido no pleito presidencial ou no pleito municipal uma polarização entre a extrema direita e a esquerda burguesa.Como tenho receio de um “facho” (facista) no poder, seja ele Geraldo Alckmin ou Moroni Torgan, acabo mesmo sem fazer campanha, votando na candidatura da esquerda burguesa.Desse modo, em 2004 eu votei em Luiziane Lins e voltei a votar nela novamente em 2008.Pois temia ver a cidade governada por um xerife evangélico e homofóbico, que tem na fetichização da questão da segurança pública o seu carro chefe ideológico-partidário.

Em 2010, eu votei mas não fiz campanha para Dilma Rosseff e cheguei até a falar nisso para os meus decepcionados amigos anarco-punks.Não me agradava de jeito nenhum ver um José Serra, ligado aos setores mais conservadores e reacionários do momento, governando o país e prendendo ou criminalizando barbaramente ativistas anarquistas.Ainda que essas criminalizações também ocorram dentro da denominada “Era PT” só que sem a mesma intensidade.Além disso, o tal do José Serra contou com o apoio do mega empresário evangélico, Silas Malafaia.Sim, o conhecido Malafaia que gosta de humilhar homossexuais e outras minorias sexuais identitárias nas suas pregações midiáticas com tom zangado e histérico.

Não posso exigir do Povo Tradicional de Terreiros uma ginada anti-estatista ou anticapitalista radical.Já que a maioria dos líderes desse segmento populacional se vêem como prestadores de serviços religiosos e não como lideranças comunitárias.Se houvesse uma consciência da inegável dimensão política de um Ilê, de um Nzo ou de um Terreiro eu poderia esperar mais coisa, mas como essas pessoas se vêm apenas como empresas concorrentes no nem sempre civilizado mercado religioso (conferir a obra do sociólogo Reginaldo Prandi),é de se esperar isso mesmo: uma vontade danada de ser tutelado seja lá por quem for, seja um governo de direita ou de esquerda.

Embora os signatários da carta usem a categoria ‘empoderamento’, o que menos acontece na prática é isso.Ocorre justamente o contrário: cada vez mais a sociedade civil desempoderada e o Estado e as instituições burguesas cada vez mais poderosas.

Eu poderia aprofundar um pouco mais o que penso da chamada “Era PT” iniciada em 2002 e continuada em 2011 por Dilma Russeff.Mas vou só dar umas pinceladas.Desde 2002 que não espero muito coisa do Partido dos Trabalhadores e isso ficou muito claro quando o Lula fez aliança com Edir Macedo e sua empresa Universal e teve como vice um burguês da marca do José Alencar.Naquele momento para mim ficou selado os rumos burgueses do PT, que como diz a música do Tom Zé sempre quis poder seja ao lado de quem fosse.

O PT no poder beneficou os banqueiros e penalizou o funcionalismo público federal.O PT no poder tem o T de Transgênico, já que o paradigma agrícola do Partido é a segurança alimentar a qualquer custo, ainda que signifique um custo ambiental.O PT no poder não combateu o “agro-business” e nem a prática da monocultura – visivelmente responsáveis pelo envenenamento e empobrecimento dos solos.O PT no poder tem uma enorme simpatia por mega-projetos estruturantes que podem penalizar vilas de pescadores, aldeias quilombolas, povos indígenas, comunidades ribeirinhas como a Transposição do Rio São Francisco, as Hidrovias, as Hidroelétricas, as Siderúrgicas, as Refinarias e principalmente o poluidor Pré-Sal, a menina dos olhos do governo Dilma Russeff.

Eu poderia continuar a lista, mas aí fugiria um pouco do tema e cansaria o leitor que já entendeu claramente onde quero chegar.

Pesquisador e ensaísta.

sábado, 26 de março de 2011

O PROBLEMA DO DESTINO NA CIÊNCIA, NA CULTURA IORUBÁ E NA ASTROLOGIA

O PROBLEMA DO DESTINO NA CIÊNCIA, NA CULTURA IORUBÁ E NA ASTROLOGIA Charles Odevan Xavier “DESTINO (gr. £ÍLIAPLIÉVR|; lat. Fatum; in. Destiny, fr. Destin; ai. Geschick, Schicksal; it. Destino). Ação necessitante que a ordem do mundo exerce sobre cada um de seus seres singulares. Na sua formulação tradicional, esse conceito implica: Iª necessidade, quase sempre desconhecida e por isso cega, que domina cada indivíduo do mundo enquanto parte da ordem total; 2ª adaptação perfeita de cada indivíduo ao seu lugar, ao seu papel ou à sua função no mundo, visto que, como engrenagem da ordem total, cada ser efeito para aquilo que faz. 0 conceito de D. é antiquíssimo e bastante difundido, porque compartilhado por todas as filosofias que, de algum modo, admitem uma ordem necessária do mundo. Aqui só faremos alusão às que designam explicitamente essa ordem com o termo em questão. O D. é noção dominante na filosofia estóica. Crisipo, Posidônio, Zenão, Boeto o reconheceram como a "causa necessária" de tudo ou a "razão" pela qual o mundo é dirigido. Identificavam-no com a providência (DiÓG. L., VII, 149). Os estóicos latinos retomam essa noção e apontam seus reflexos morais (SÊNECA, Natur. quaest., II, 36, 45; MARCO AURÉLIO, Memórias, IX, 15). Segundo Plotino, ao D. que domina todas as coisas exteriores só escapa a alma que toma como guia "a razão pura e impassível que lhe pertence de pleno direito", que haure em si, e não no exterior, o princípio de sua própria ação (Enn., III, 1,9). Para Plotino, a providência é uma só: nas coisas inferiores chama-se D.; nas superiores, providência {ibid., III, 3, 5). De modo análogo, para Boécio (que com a Consolação da filosofia transmitia esses problemas à Escolástica latina), D. e providência só se distinguem porque a providência é a ordem do mundo vista pela inteligência divina e o D. é essa mesma ordem desdobrada no tempo. Mas no fundo a ordem do D. depende da providência (Phil. cons., IV, 6,10). O livre-arbítrio humano subtrai-se da providência e do D. só porque as ações a que dá origem se incluem, exatamente em sua liberdade, na ordem do D. (Ibid., V, 6). Essa solução deveria inspirar todas as soluções análogas da Escolástica, que conserva o mesmo conceito de D. e de providência (cf., p. ex., S. TOMÁS, S. Th., I, q. 116, a. 2). Em sua Teodicéia, Leibniz repropunha a mesma solução (Théod., I, § 62). Na filosofia do Romantismo, enquanto Schopenhauer considera o D. como ação determinante, no homem e na história, da Vontade de vida na sua natureza dilacerante e dolorosa (Die Welt, II, cap. 38), Hegel limita o D. à necessidade mecânica. "À potência", diz ele, "como universalidade objetiva e violência contra o objeto, dá-se o nome de D.: conceito que se inclui no mecanicismo porquanto o D. é chamado de cego, ou seja, sua universalidade objetiva não é conhecida pelo sujeito em sua propriedade ou particularidade específica" (WissenschqftderLogik, III, II, 1, B, b; trad. it., III, p. 199). Nesse sentido, o D. é a própria necessidade racional do mundo, mas enquanto ignorante de si mesma e, portanto, "cega". Mas durante esse mesmo período, do ponto de vista de necessidade "puramente racional", tanto interpretada como dialética, quanto como determinismo causal, a palavra D. começou a parecer fantástica ou mítica demais para designar essa necessidade. Foi então abandonada e substituída por termos que exprimem a natureza objetiva e causal da necessidade, como p. ex. necessidade, dialética, determinismo, causalidade; no domínio da ciência, é regida pelas "leis eternas e imutáveis da natureza". Quando a palavra D. volta, em Nietzsche e no existencialismo alemão, tem novo significado: exprime a aceitação e a voliçâo da necessidade, o amorfati. Nietzsche foi o primeiro a expressar esse conceito tão característico de certa tendência da filosofia contemporânea. Ele interpreta a necessidade do devir cósmico como vontade de reafirmação: desde a eternidade o mundo aceita-se e quer-se a si mesmo, por isso repete-se eternamente. Mas o homem deve fazer algo mais que aceitar esse pensamento: deve ele próprio prometer-se ao anel dos anéis: "É preciso fazer o voto do retorno de si mesmo com o anel da eterna bênção de si e da eterna afirmação de si; é preciso atingir a vontade de querer retrospectivamente tudo o que aconteceu, de querer para a frente tudo o que acontecerá" (Wille zurMacht, ed. 1901, § 385). Esse é o amorfati, no qual Nietzsche vê a "fórmula da grandeza do homem". Heidegger não fez senão exprimir o mesmo conceito ao falar do D. como decisão autêntica do homem. D. é a decisão de retornar a si mesmo, de transmitir- se a si mesmo e de assumir a herança das possibilidades passadas. "A repetição é a transmissão explícita, ou seja, o retorno a possibilidades do ser-aí que já foram" (Seín und Zeit, § 74). Nesse sentido, o D. é "a historicidade autêntica": consiste em escolher o que já foi escolhido, em projetar o que já foi projetado, em reapresentar para o futuro possibilidades que já foram apresentadas. É, em outros termos, a vontade da repetição, o reconhecimento e a aceitação da necessidade. Esse conceito volta em Jaspers, que, no entanto, expressa-o com referência à identidade estabelecida entre o eu e sua situação no mundo. O D. é a aceitação dessa identidade: "Amo-o como me amo porque só nele estou cônscio de meu existir". Aqui também o D. nada mais é que a aceitação e o reconhecimento da própria natureza da necessidade, que, para Jaspers, é a identidade do homem com sua situação (Phil, II, p. 218 ss.). Essa última noção de D. exprime bem certas tendências da filosofia contemporânea. Na origem de sua longa tradição, essa noção implicava: l9 uma ordem total que age sobre o indivíduo, determinando-o; 2- o indivíduo não se apercebe necessariamente da ordem total nem de sua força necessitante: o D. é cego. O conceito contemporâneo eliminou ambas as características. Para ele: ls a determinação necessitante não é a de uma ordem (nem mesmo para Nietzsche), mas a de uma situação, a repetição; e 2S o D. não é cego porque é o reconhecimento e a aceitação deliberada da situação necessitante.” ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. - 5ª edição – Tradução: Ivone Castilho Benedetti – São Paulo: Martins Fontes, 2007. Este estudo é muito complexo porque pretende dar conta do problema conceitual do ‘Destino’ nas ciências, na Filosofia, na sabedoria dos povos iorubanos da África e na sabedoria dos inúmeros povos que desenvolveram a Astrologia (dos mesopotâmicos aos gregos em particular). E isso pode tornar o texto extremamente denso ao tentar articular conceituações tão díspares: ora antagônicas (como no caso do confronto entre a Astronomia moderna e a Astrologia babilônica antiga) e ora complementares – como no caso dos saberes enunciados por babalawos iorubanos africanos e os saberes astrológicos. Esse é o risco que corremos e então vamos a eles. Este estudo surgiu por acaso quando lia a obra “Astrologia do Destino” da psicoterapeuta junguiana e astróloga Liz Greene – 10 ª edição – Tradução: Carmen Youssef – São Paulo: Cultrix Pensamento, 1995. Quando li a exaustiva introdução, tive um insight de produzir um estudo filosófico e epistemológico sobre a questão do Destino. A principal pergunta de Liz Greene é: “Somos predestinados ou livres?”E é com essa pergunta que iremos nortear toda a nossa investigação através dos diversos campos do saber oficial e não oficial citados. Para não ficar inteiramente à mercê das especulações da psicoterapeuta junguiana e astróloga, checamos o parecer contrário às pretensões astrológicas enunciado pelo astrônomo Carlos Alexandre Wuensche no dossiê de seis páginas da Revista Ciência Hoje intitulado Astronomia versus Astrologia – v.43, Nº. 256, 2009. Para a autora de “Saturno: un nuevo enfoque de un viejo diablo” (Ediciones Obelisco) o Destino é a moira, como entendida pelos gregos antigos. E a autora salienta que o filósofo ateu, Bertrand Russell, considera o fatalismo e seus inevitáveis ramos criativos – as artes mânticas ou divinatórias – como uma nódoa produzida por Pitágoras e Platão sobre o pensamento puro e racional, uma mancha que ofuscou o brilho da construção, não fosse isso, da mente clássica grega. O conceito de moira pressupõe um cosmo ordenado, interligado e as astrologia por sua vez seria produto deste tipo de cosmo. Porém tal concepção é refutada pela filosofia moderna representada por Bertrand Russell. A teologia cristã medieval renegou o conceito de moira. Pois para a escolástica Destino é coisa pagã. Moira, como a Deusa do destino, representava para essa teologia um insulto a supremacia divina. O argumento teológico trocou a Deusa do Destino, a Moira, pela Providência Divina. Os calvinistas, por sua vez, acreditavam na salvação predestinada aos eleitos. Os mais científicos preferem à Moira, ao Destino, o conceito de ‘lei natural’. Entretanto, lei natural na concepção de Anaximandro e da escola jônica - que Bertrand Russell simpatiza - é elevada à condição de divindade. A moira é uma força moral, ninguém precisa fingir, contudo, que ela é exclusivamente benévola, ou que tivesse alguma consideração por interesses paroquianos ou pelos anseios do gênero humano. Os gregos não lhe atribuíam nenhum mérito de previsão, desígnio ou finalidade, pois esses méritos pertencem aos seres humanos e supostamente aos deuses humanizados. Moira é a força cega e automática que permite que seus propósitos secundários e desejos ajam livremente dentro de suas próprias e legítimas esferas, porém reage com certa turbulência contra eles quando atravessam suas fronteiras. Anaximandro e seus companheiros imaginavam o universo como que dividido, dentro de um plano geral, em províncias compartimentadas ou esferas de poder. O universo era originalmente uma massa primária e indiferenciada; quando os quatro elementos surgiram eles receberam seu quinhão não de uma deusa personificada, mas do eterno movimento no interior do cosmo, o que era considerado não menos divino. A psicologia inventou também uma terminologia mais atraente para lidar com a questão do Destino. Ela fala da predisposição hereditária, de padrões de condicionamento, de complexos e de arquétipos. COSMO OU UNIVERSO? “Na astrologia, o ser humano pensa que o firmamento foi feito para ele”. Friedrich Nietzsche em “Humano, Demasiado Humano”. Uma boa pergunta que podemos fazer para nos situar em relação à conceituação de Destino é saber: onde estamos? Estamos num cosmos ou num universo? O cosmos é assunto das religiões, o universo é assunto das ciências. Cosmos pressupõe um conjunto ordenado, interligado e criado por uma potência fora dele. Universo pressupõe um todo indiferente à experiência humana e sem intencionalidade transcendente. O Cosmos é transcendente, o universo é imanente. A ciência estuda o funcionamento do espaço, a religião estuda como ir para o Céu. Eu particularmente fui ateu, mas atualmente eu sou o que se poderia chamar na fraseologia eliadeana de sacralista. Embora negando a criação do universo ex-nihilo. Para mim o universo se auto-originou de estruturas bem simples (um ponto geométrico que explodiu em algum momento) até chegar em estruturas mais complexas (estrelas, planetas, rochas...). O universo não teve e não tem intencionalidade até hoje. Também não há um Deus pessoal a nos policiar, sondar, controlar, comandar, fiscalizar.Mas há o sagrado, ainda que seja um sagrado naturalizado na physis. Tentarei explicar minha posição.Embora tendo nascido e se criado no Ocidente, sempre fui descotente com o sistema simbólico judaico-cristão do Deus antropomórfico.Sendo assim, quando nos aprofundamos na concepção do extremo oriente de Deus ou no aspecto não-antropomórfico do conceito de Òludumaré do território iorubá na África ocidental , ou seja, Deus como a realidade suprema, o imponderável, o inefável; cujo conceito de Brahman procura ser uma definição aproximada no hinduísmo.Deus como totalidade de tudo o que existe no universo e todos os seus componentes (SENNA, Ronaldo.TITA- SOUZA, Maria José de. A Remissão de Lúcifer: O resgate e a ressignificação em diferentes contextos afro-brasileiros – Editora – UEFS – 2002)...aí nesse caso, eu passo a acreditar em Deus, mas só nesse caso.Só nessa acepção. Desse modo, como não somos policiados por um suposto Deus pessoal a nos bisbilhotar de sua prefeitura nos confins do Universo, então penso que somos (o deveríamos ser) inteiramente livres para escolher o que bem entendêssemos nas nossas vidas. Sou um sacralista porque eu dou atenção aos babalaôs e a sua forma particular de entender a noção de Destino. Vamos a ela, portanto. ODU, O DESTINO NA CULTURA AFRICANA Segundo o sociólogo Reginaldo Prandi no seu “Os príncipes do destino: histórias da mitologia afro-brasileira” – 2ª edição – São Paulo: Cosac Naify, 2005 – o tradicional povo ioruba acreditava que tudo na vida se repete. Assim, o que acontece e acontecerá na vida de alguém já aconteceu muito antes à outra pessoa. Saber as histórias já acontecidas, as histórias do passado, significava para eles saber o que vai acontecer na vida daqueles que vivem o presente. Então qual o fundamento de se procurar um babalaô e consultar o jogo de búzios? Segundo Ronilda Yakemi Ribeiro em seu “Alma Africana no Brasil: os iorubas” - São Paulo: Editora Oduduwa, 1996. Cada ser criado escolhe livremente o “Ori” e o “Odu” – signo regente de seu destino. Desse modo, o babalaô, o olhador do búzio, poderá dizer qual o odu do indivíduo que está consultando. A narrativa mítica diz que Oxalá e Ajalá são entidades modeladoras dos ‘oris’. Ajalá, embora notável em sua habilidade, não é muito responsável, e por isso, muitas vezes modela cabeças defeituosas: pode esquecer de colocar alguns acabamentos ou detalhes necessários, como pode, ao levá-las ao forno para queimar, deixá-las por tempo demasiado ou insuficiente. Tais cabeças tornam-se assim potencialmente fracas, incapazes de empreender a longa jornada para a terra, sem prejuízos. Se, desafortunadamente, um homem escolhe uma dessas cabeças mal modeladas, estará destinado a fracassar na vida. Durante sua jornada para a terra, a cabeça que permaneceu por tempo insuficiente ou demasiado no forno, poderá não resistir à ação de uma chuva forte e chegará mais danificada ainda. Todo o esforço empreendido para obter sucesso na vida terrena terá grande parte de seus efeitos desviada para reparar tais estragos. Pelo contrário, um homem tem a sorte de escolher uma das cabeças realmente boas, tornar-se-á próspero e bem sucedido na terra, uma vez que sua cabeça chega intacta e seus esforços redundam em construção real de tudo aquilo que se proponha a realizar. Assim a consulta aos búzios é basicamente para saber sobre nossa cabeça (ori) ou a cabeça de outrem. Pode um homem conhecer as potencialidades da própria cabeça ou de outrem? A resposta do livro de Ronilda Yakemi Ribeiro vem em forma de outra narrativa mítica. Ao atravessar o portal que conduz do céu a terra, o porteiro do céu ( Onibode Orun) pede ao homem que declare seu destino. Este é então selado e, embora a lembrança disso no homem se apague, Ori retém integralmente a memória de tudo. Baseado nesse conhecimento guia seus passos na terra. Segundo o mito, a única testemunha desse encontro entre Onibode Orun e Ori é Orumilá, uma das divindades primordiais. Por isso Orumilá conhece todos os destinos humanos e procura ajudar os homens a trilhar seus verdadeiros caminhos. Nos momentos de crise, a consulta ao oráculo de Ifá permite acesso a instruções a respeito dos procedimentos desejáveis, sendo considerados bons procedimentos os que não entram em desacordo com os propósitos do ori. O destino ou Ipin ori – sina do ori – pode sofrer alterações em decorrência de pessoas más chamadas omo araye – filhos do mundo, também chamadas aye – o mundo ou ainda, elenini – implacáveis (amargos, sádicos, inexoráveis) inimigos das pessoas. Entre estes se encontram as aje – bruxas, ou os oso – feiticeiros, os envenenadores e todos aqueles que se dedicam a práticas malignas com o intuito de estragar qualquer oportunidade de sucesso humano. O destino também pode ser afetado, de modo adverso, pelo caráter da própria pessoa. Um bom destino deve ser sustentado por um bom caráter. Este é como uma divindade: se bem cultuado concede sua proteção. Assim, o destino humano pode ser arruinado pela ação do homem. E como é o mecanismo do oráculo de Ifá? O recurso divinatório de Ifá, associado ao culto de Orumilá, é o mais desenvolvido dos sistemas divinatórios iorubás. Fazendo uso do obi de quatro partes, do opele, de areia, água, búzios, ikin, etc. Ao ser feita a consulta ao oráculo de Ifá, a queda dos dezesseis frutos de palmeira chamados ikin ou do opele, a corrente divinatória, define determinada configuração. De 16 figuras básicas e 256 derivadas chamadas Odu, decorrem 4096 variantes possíveis, cada qual com seu nome. A cada configuração corresponde uma série de parábolas, significativamente coincidentes (sincrônicas) com a circunstância existencial do consulente. A conduta do(s) herói(s) da parábola sugere o procedimento adequado para a superação da crise e realização do próprio destino. Reginaldo Prandi, no seu “Segredos Guardados: orixás na alma brasileira” – São Paulo: Companhia das Letras, 2005 – nos informa que Na África Tradicional Iorubá, dias depois do nascimento da criança iorubá, ocorre a cerimônia na qual se dá o nome ao nascido, quando o babalaô consulta o oráculo para desvendar a origem da criança. É quando se descobre, por exemplo, se ela é um ente querido renascido. Os nomes iorubas sempre designam a origem mítica da pessoa, que pode se referir ao orixá pessoal, geralmente o da família, determinado patrilinearmente, ou à condição em que se deu o nascimento, tipo de gestação e parto, sua posição na sequência dos irmãos, quando se trata, por exemplo, daquele que nasce depois dos gêmeos, a própria condição de ‘abicu’ e assim por diante. A partir do momento em que se dá um nome à criança, desencadeia-se uma sucessão de ritos de passagem associados não só aos papéis sociais, como a entrada na idade adulta e o casamento, mas também à própria construção da pessoa, que se dá através da integração, em diversos momentos da vida, dos múltiplos componentes do espírito. Com a morte, os ritos são refeitos, agora com intenção de liberar essas unidades espirituais, de modo a levar cada uma ao destino certo, restituindo, assim, o equilíbrio rompido com a morte. O DESTINO NA ASTROLOGIA E NA ASTRONOMIA “ Há alguma evidência científica de que os astros podem revelar aspectos ocultos de nossa personalidade ou influenciar nosso comportamento, cotidiano e destino? A astrologia pode ser considerada uma ciência, no sentido moderno dessa palavra? É possível testar, sob condições controladas, as previsões feitas por horóscopos e mapas astrais? Se sim, o que dizem os resultados desses experimentos?” Carlos Alexandre Wuensche “O ato de olhar o céu e buscar simbolismos e associações é algo intrínseco ao ser humano e ocorre há milênios. Essa busca vem do tempo em que pouco se conhecia sobre o comportamento da natureza e no qual o animismo era uma tentativa de compreender e domesticar o desconhecido. Muitas culturas antigas têm registros sistemáticos da esfera celeste que remontam a dois mil anos antes da era cristã. Desde essa época, padrões de repetição de movimento e agrupamento de astros já eram conhecidos, levando à separação entre estrelas e planetas (‘astros errantes’) – na época, eram conhecidos apenas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. A ideia de constelações também surgiu naturalmente, sendo que a idealização do que era ‘visto’ no agrupamento de estrelas sempre sofreu uma forte influência da mitologia local. Porém, ainda hoje, um fato acontece com vários de nós, astrônomos profissionais ou amadores: basta comentar sobre nossa profissão ou interesse pelos céus e rapidamente vem a pergunta: “E se eu te disser que sou Sagitário com ascendente em Touro? “É surpreendente que, mesmo neste início de século, um número enorme de pessoas ainda leva a sério uma crença que remonta a mais de dois milênios: a de que os astros influenciam o cotidiano, o comportamento e o destino das pessoas.” Desse modo, o astrônomo responsável pela Coordenação de Ciências Espaciais e Atmosféricas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais inicia o seu Dossiê “Astronomia versus Astrologia”. Astronomia e astrologia são palavras derivadas do grego. Nessa língua, astron significa ‘estrela’ e o sufixo 'nomos' (escrito, em português, como ‘nomia’), ‘regra’ ou ‘lei’. A astronomia é a ciência que trata da constituição, posição relativa, movimento e, mais recentemente, dos processos físicos que ocorrem nos astros (neste último caso, sendo denominada astrofísica, cujo nascimento se deu no século 19). Por sua vez, a astrologia aglutina astron e logos (em português, ‘logia’), que significa ‘palavra’ e que pode ser entendido como ‘estudo’ ou ‘disciplina’. De forma geral, a astrologia trata do estudo da influência dos astros, especialmente dos signos do zodíaco, no destino e no comportamento humano. Os fundamentos da astrologia foram estabelecidos pelos babilônios, por volta de 1500 a.C. A origem comum da astronomia e da astrologia remonta a essa época e, apesar de ambas se basearem no estudo dos astros, suas versões modernas são inteiramente distintas. A astrologia baseia suas previsões no movimento relativo dos planetas do sistema solar, não fazendo uso da informação trazida pela radiação eletromagnética (ondas de rádio, infravermelho, luz visível, raios X etc.) emitida por eles. Praticantes e estudiosos da astrologia consideram-na uma linguagem simbólica, forma de arte, adivinhação ou até ciência, com capacidade de prever o futuro ou aspectos ocultos da personalidade. Os astrólogos defendem sua área de estudo com base na ideia de que a ciência moderna não entende o que eles dizem e que, mesmo sob teste, a astrologia será sempre avaliada segundo os paradigmas científicos, desconsiderando outras formas de testes e de pensamento. São características básicas da astronomia, ser baseada em leis conhecidas da física, sendo que os resultados obtidos com base nessas leis deverão ser os mesmos para qualquer pessoa que conheça os métodos empregados no experimento, bem como as leis em questão. O estudo de astros distantes também é feito com base na radiação eletromagnética emitida por esses corpos celestes, incluindo ondas de rádio, micro-ondas, ultravioleta, raios X e raios gama. Isso permite não só a reconstrução dos processos físicos que produzem essa radiação, mas também o estudo da estrutura e do estado evolutivo do astro. Críticos da astrologia – incluindo a própria comunidade científica –, consideram-na uma forma de pseudociência ou superstição, devido à sua incapacidade de demonstrar o que afirma, o que até agora tem sido corroborado em grande número de estudos científicos controlados. Por sua vez, astrólogos contestam testes propostos pela ciência para validar a astrologia nesse sentido. E, quando não se recusam a participar deles, rejeitam seus resultados, apesar de estes serem baseados em testes estatísticos e em leis da natureza amplamente validadas. Portanto, como a astrologia não se enquadra no paradigma do que é entendido como ciência, ela perde o direito de reivindicar esse status quando lhe é conveniente. Breve histórico A observação e nomenclatura dos céus, adotadas até hoje pela civilização ocidental, remontam aos babilônios, egípcios, gregos e romanos. Pode-se dizer que a primeira grande sistematização do estudo dos céus com fins astrológicos está em Tetrabiblos, texto escrito pelo astrônomo greco-egípcio Claudius Ptolomeu, que viveu no século 2 a.C.. Essa obra, dividida em quatro livros, sistematiza e propõe explicações para o modelo geocêntrico (aquele em que a Terra é o centro do universo), defendendo-o com hipóteses que duraram cerca de 1,5 mil anos – vale ressaltar que o modelo geocêntrico é a base do princípio astrológico. Tetrabiblos é também um tratado de astrologia, talvez o mais importante da Antiguidade. Seu ‘Livro I’ afirma que as influências dos corpos celestes são inteiramente físicas e, nos ‘Livros III’ e ‘IV’, descreve como os céus interferem nas atividades humanas (embora Ptolomeu não tenha apresentado a matemática necessária para elaborar horóscopos, desenvolvida por seus antecessores). A contrapartida astronômica de Tetrabiblos é Almagesto, também de Ptolomeu, um grande tratado sobre astronomia com 13 livros. Na Idade Média, com sua atmosfera de intensa religiosidade, a possibilidade de fazer e verificar previsões baseadas nos astros era questionada. O padre e filósofo católico Aurélio Agostinho (354-430) – mais conhecido como Santo Agostinho – levantou o famoso problema do “fatalismo astrológico”, um arrazoado no qual argumentava que, “se o futuro já estava previsto por Deus, ou pela influência previsível dos movimentos planetários, para todos, como poderiam ser livres os humanos”? A resposta, dada por ele mesmo, apontava para a “sugestão, mas não obrigação”, de que seguir as estrelas e as orações ajuda a resistir aos desvios... Nessa época, eram conhecidos três tipos de astrologia, descritos pelo filósofo francês Nicolas Oresme (1320-1382), crítico da astrologia e astrônomo ‘mecanicista’ da corte de Carlos V: i) a astrologia matemática (ou astronomia); ii) astrologia natural (relacionada com a física); iii) a astrologia espiritual (ligada à previsão do futuro e à elaboração de horóscopos). Na Idade Média, portanto, já era feita uma diferenciação entre a astronomia e a astrologia. Até o final do Renascimento, a astrologia foi uma atividade essencialmente acadêmica, exercida inclusive por médicos. Por uma questão de justiça, deve ser sempre mencionado que o dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), o alemão Johannes Kepler (1571-1630) e o italiano Galileu Galilei (1564-1642), além de cientistas (no sentido moderno do termo), foram também competentes astrólogos nos sentidos ‘i’ e ‘ii’ do parágrafo anterior. Kepler, porém, foi um crítico ferrenho da astrologia divinatória. No século 17, o interesse acadêmico pelo prognóstico astrológico transferiu-se para a nova medicina e para a meteorologia, e, nessa época, a astrologia saiu da academia, estimulando novamente o aparecimento do tipo de astrólogo usualmente conhecido na Antiguidade, mais dedicado às práticas divinatórias. Em linhas gerais, esse é o quadro que permanece até os dias de hoje. Qual é a probabilidade de que 1/12 da população da Terra esteja tendo o mesmo tipo de dia? Mesmo levando em conta todos os detalhes astrológicos (ascendentes, quadraturas, oposições etc.), os horóscopos deveriam apresentar alguma semelhança, pois o signo ‘solar’ é a principal referência. Uma simples divisão mostra que, nesse caso, as mesmas previsões seriam, ainda que superficialmente, adequadas a cerca de 400 milhões de pessoas em todo o mundo, todos os dias! Estavam errados os horóscopos feitos antes das descobertas de Urano, Netuno e Plutão, ocorridas em 1781, 1846 e 1930, respectivamente? Deveríamos refazer esses horóscopos? Além disso, existe uma associação entre nomes de planetas, personalidades mitológicas e características astrológicas, portanto há que se pensar agora como nomear e incluir a influência dos mais de 300 planetas extrassolares descobertos desde 1995. E quais objetos celestes devem ou não ser incluídos nas previsões? O astrônomo francês Jean-Claude Pecker lembra que os astrólogos parecem ter uma visão bastante curta, por limitarem sua atividade ao nosso sistema solar. Bilhões de corpos em todos os confins do universo poderiam somar a sua influência àquela proporcionada pelo Sol, pela Lua e pelos planetas. Será que uma pessoa cujo horóscopo omite os efeitos do pulsar do Caranguejo e de Andrômeda realmente recebe uma interpretação completa? A distância até esses objetos é importante? Para a astrologia, parece que não. Por exemplo, mesmo que Saturno seja importante para caracterizar um mapa astral (e esteja fisicamente o mais próximo possível da Terra, em termos de suas órbitas), Marte e Vênus sempre estarão mais perto de nós do que Saturno, independentemente de nossa posição relativa a eles. No entanto, a importância de ambos nas previsões é variável. Essa discussão conduz a que tipo de força define as interações astrológicas. A força gravitacional está descartada, pois aquela exercida sobre a criança pelo médico que faz um parto é seis vezes maior do que a de Marte. Já a força de maré do médico é aproximadamente dois trilhões de vezes maior que a de Marte. Deveríamos incluir a personalidade do médico no horóscopo, assim como incluímos as características de Marte? Como as influências astrológicas parecem não depender completamente da distância entre os corpos, isso traz a questão de que tipo de força é essa, não detectada, até agora, por nenhum experimento, em nenhum laboratório, terrestre ou espacial. Colocando termos astrológicos no contexto astronômico, expressões como “Urano entrou em Aquário...” ou “Plutão ficará 13 anos em Sagitário...” não fazem o menor sentido. Do ponto de vista das constelações, elas não são reais, como um planeta, mas apenas um arranjo de estrelas que nem estão fisicamente próximas, como sua projeção do céu faz parecer. Se o leitor experimentar olhar para o céu em uma noite clara, notará que existem infinitas possibilidades de ‘ligar os pontos’ e imaginar figuras. E foi isso que os antigos fizeram e popularizaram, ao criar as constelações. Elas não estão na mesma posição na eclíptica (plano da órbita da Terra ao redor do Sol) em que foram concebidas há mais de 3 mil anos. E, certamente, não estarão nessa mesma posição relativa, formando o padrão que vemos hoje, daqui a 2 mil anos. Do ponto de vista simbólico, a mesma associação de estrelas que representa a cauda do ‘Escorpião’, em nosso zodíaco, representa a constelação do Anzol, na mitologia polinésia. Atribuir um determinado significado a um ou outro símbolo implica atribuir interpretações e, em consequência, influências diferentes a um mesmo ‘objeto’. Assim, como explicar que o mesmo ‘objeto’, à mesma distância da Terra, tenha efeitos diferentes, dependendo do símbolo a ele associado? A definição de pseudociência é ampla e pode incluir, além da astrologia, qualquer conjunto de procedimentos e ‘teorias’ que tentem se disfarçar como ciência sem realmente sê-la. A discussão dos limites entre ciência e pseudociência inclui a questão do que é ciência e como defini-la. Entretanto, vale a pena discutir porque devemos nos preocupar com as pseudociências. Diversas formas de pseudociência nasceram de superstições antigas, assim como vários ramos da ciência ortodoxa. Medicina, química e a própria astronomia são bons exemplos, de modo que suas origens não são o problema. A questão, no caso da astrologia, é saber se suas previsões são verificáveis, dentro dos parâmetros científicos, já que muitas vezes astrólogos vestem suas explicações com termos e jargão científicos, de modo a lhes emprestar maior credibilidade. A inexistência de um mecanismo cientificamente aceito para explicar previsões astrológicas seria irrelevante se, pelo menos estatisticamente, a astrologia fizesse o que ela diz que pode fazer, e esses feitos pudessem ser validados entre seus próprios pares e aceitos, além de uma dúvida razoável, por cientistas. Pode-se apontar, muitas vezes, que existem explicações mais simples e menos fantasiosas – por vezes, até corriqueiras ou prosaicas – para uma previsão astrológica que tenha se mostrado correta. Além disso, o acerto não garante que a ‘teoria astrológica’ funcione sempre (mesmo porque já foi amplamente mostrado que, estatisticamente, ela não funciona). Também não prova que o método de previsão será reprodutível por outros astrólogos na mesma situação ou em situações semelhantes. Astrônomos devem se pronunciar sempre que a ocasião for adequada para mostrar as falhas da astrologia sob o ponto de vista científico e encorajar um interesse no cosmo real. Um cosmo de astros remotos que são impiedosamente indiferentes às vidas e aos desejos das criaturas da Terra, muito antes dos tempos em que os seres humanos se aconchegavam junto às fogueiras, com medo da noite. Bem até aqui eu reproduzi de uma certa forma os argumentos do astrônomo Carlos Alexandre Wuensche e tenho que concordar que são argumentos pertinentes e inteligentes. Mas e o que os astrólogos têm a dizer sobre tudo isso? A psicoterapeuta junguiana e astróloga Liz Greene afirma sobre o Destino: “ O destino significa: isso estava escrito. É terrível pensar em algo escrito com tamanha determinação por uma mão totalmente invisível. Esse fato implica não só impotência, como ainda o obscuro mecanismo de alguma enorme e impessoal Roda ou de um Deus bastante ambíguo que tem menos consideração do que gostaríamos para com nossas esperanças, sonhos, desejos, afeições, méritos ou até mesmo pecados. De que valem os esforços da pessoa, seus conflitos morais, seus simples atos de amor e de coragem, seu empenho para o aperfeiçoamento de si próprio, de sua família e de seu mundo, se tudo, no final das contas, é tornado vão pelo que já foi escrito? Temos sido nutridos, nos últimos dois séculos, num pábulo bastante suspeito de autodeterminação racional, e essa visão do destino nos ameaça com uma experiência de desespero real ou de caótica catarse na qual a coluna dorsal do homem ético e moral desmorona. Existe igualmente uma dificuldade com relação à abordagem mais mística do destino, pois ao romper a unidade do corpo e do espírito com a finalidade de buscar refúgio contra os estreitamentos da sorte, a pessoa cria uma dissociação artificial de sua própria lei natural e poderá conjurar no mundo exterior o que está evitando no íntimo. Entretanto, para a mente grega, como para a mente da Renascença, a visão do destino não destruiu a dignidade da moralidade ou do espírito humanos. Se algo aconteceu, foi o oposto. O primeiro poeta religioso da Grécia, Hesíodo, diz simplesmente que o curso da Natureza não é senão indiferente ao certo e ao errado. Ele conclui que há uma definida e simpática relação entre a conduta humana e a lei ordenada da Natureza. Quando um pecado é cometido — tal como o incesto inconsciente de Édipo — toda a Natureza é envenenada pelo delito do homem, e Moira revida fazendo recair imediatamente uma grande desgraça sobre a cabeça do transgressor. O destino, para Hesíodo, é o guardião da justiça e da lei, e não a fortuita e predeterminante força que dita cada ação de um homem. Esse guardião fixou os limites da original ordem da Natureza, dentro dos quais o homem deve viver porque é parte desta; e ele aguarda para cobrar a penalidade por cada transgressão. E a morte, visto ser a declaração definitiva de Moira, o "quinhão" ou o limite circunscrito além do qual os seres mortais não podem transpor, não é uma indignidade, porém uma necessidade que deriva de uma fonte divina”. O que Liz Greene diz sobre o ceticismo do homem moderno? “ Eu, no entanto, não acho que tenhamos perdido o medo do destino, apesar de zombarmos dele; pois, se o homem moderno fosse realmente tão esclarecido a ponto de superar esse conceito "pagão", não teria o hábito de ler furtivamente a seção de astrologia no jornal, nem de mostrar compulsão a ridicularizar, sempre que possível, os porta-vozes do destino. Tampouco ficaria tão fascinado pelas profecias, que são as criadas da sorte. As Centúrias de Nostradamus, essas fantásticas visões do futuro do mundo, jamais deixaram de ser impressas, e cada nova edição vende uma quantidade astronômica de exemplares. Quanto ao ridículo, sou de opinião de que o medo, quando não admitido, disfarça-se muitas vezes de desprezo agressivo, e de tentativas um tanto forçadas para desaprovar ou denegrir a coisa que causa ameaça. Todo quiromante, astrólogo, cartomante ou vidente já se deparou com esta peculiar, mas inequívoca ofensiva dos 'céticos'.” O que a autora pensa do fenômeno da vidência? “A astrologia, ao lado do tarô, da quiromancia, da cristalomancia e talvez também do I Ching que agora se estabeleceu firmemente no Ocidente, são os modernos mensageiros da antiga e digna função de vidência. Essa tem sido, desde tempos imemoriais, a arte de interpretar as intenções obscuras e ambíguas dos deuses, embora possamos chamar isso agora de intenções obscuras e ambíguas do inconsciente, e está voltada para a apreensão de kairos, o "momento certo". Jung usou o termo sincronicidade com relação a essas coisas, como um meio de tentar lançar luz sobre o mistério da coincidência significativa — quer se trate da coincidência de um acontecimento externo aparentemente não relacionado com um sonho ou estado subjetivo, ou de um acontecimento com o esquema de cartas, de planetas, de moedas. Mas seja qual for a linguagem que usemos, a psicológica ou mítica, a religiosa ou "científica", no cerne da adivinhação está o esforço para interpretar o que está sendo ou foi escrito, quer expliquemos esse mistério pelo conceito psicológico de sincronicidade ou pela muito mais antiga crença no destino. ” Agora mais uma vez nos vem a pergunta: “Somos predestinados ou livres?”Já que nessa altura do estudo, mencionou-se o suposto papel dos deuses na nossa vida. Liz Greene diz que somos os dois ao mesmo tempo. Mas ela é um pouco suspeita, afinal a obra “Astrologia do Destino” demonstra que ela crê piamente que somos influenciados pelos deuses do zodíaco. Há nas suas páginas todo um determinismo que chega a incomodar. E por isso penso que se formos seguir a trilha de Liz Greene, chegaremos a um universo de pessoas rigidamente controladas por forças desconhecidas. E sendo assim haveria pouca ou nenhuma liberdade nos nossos atos e decisões. Nessa altura do texto considero pertinente expor a minha compreensão do problema, ainda que seja obrigado a reconhecer que os leitores podem não compartilhar dos mesmos interesses e inclinações que eu. Vou me colocar esclarecendo como é que um imanentista, ou seja, alguém que nega a criação do universo por um ser, inteligência, policial, ditador, prefeito ou seja, lá o que for, consegue ler livros de astrologia e consegue frequentar ilês de candomblé. Penso que sou livre para fazer escolhas. Escolhi o sacralismo imanentista como sistema de explicação da realidade. Assim, nego o sistema de explicação da realidade bíblico que afirma ter sido o universo criado em 6 dias apenas. Quando na verdade o universo não foi criado por nada e nem ninguém. Surgiu espontaneamente de um ponto geométrico que explodiu sabe-se lá por que e quando. Ou seja, nego a intencionalidade do universo.Nego a teleologia do universo. O universo é um conglomerado de regularidades(leis) cegas e indiferentes ao homem, suas rezas e pedidos. O mundo natural é indiferente ao homem como se viu na obra do psicanalista Sigmund Freud O Futuro de uma ilusão. E o homem tem a tendência de querer subornar o mundo natural, tentar domesticá-lo e humanizá-lo com rezas, súplicas e, no caso da religião tradicional africana e seus derivados (candomblé), com oferendas cruentas. Somos livres? É claro que somos, principalmente se não formos bíblicos. Mas não somos sozinhos. Não somos ilhas. Vivemos em comunidade. Às vezes compartilhando valores e crenças comuns com essa comunidade. Outras vezes negando esses valores e crenças, mas sempre num processo de relação e interação. Quando eu comecei a aprender a ler e passei a devorar os livros que minha mãe professora trazia da escola onde ela ensinava, eu comecei a questionar tudo. E passei a questionar a Igreja católica que minha mãe nos obrigava a freqüentar. Nunca gostei de missa, até hoje. E chegou um momento que eu comuniquei a ela que não faria primeira comunhão e que não mais frequentaria a igreja. E assim foi. Como eu era muito adolescente nessa época e morava no subúrbio, não posso dizer que entrei no ateísmo por convicção intelectual, até porque os livros que minha mãe trazia eram muito tolos e fracos. No restante do meu adolescimento eu fui tendo contato com livros mais espessos e consistentes. Além disso, o meu ingresso no movimento estudantil secundarista abriu para mim um universo de inquietação intelectual, que só morar no subúrbio não me daria nunca. No movimento estudantil secundarista eu convivi com religiosos de diversas tendências e principalmente com ateus e materialistas ortodoxos. Tudo iria bem se eu não tivesse passado por uma estranha fenomenologia a partir de 1993. Eu, criado no ceticismo, comecei a ver um homem dentro do meu quarto tarde da noite e a sair correndo com medo, gritando. Inicialmente busquei a Psiquiatria e a Psicoterapia, pois estava convencido de que estava realmente ficando louco. Como a medicação e a psicoterapia não funcionaram (e não funcionam muito até hoje) eu busquei estudar as chamadas religiões mediúnicas. Minha porta de entrada nesse mundo foi pelo catimbó, embora eu nem soubesse que o lugar onde fui parar no meu próprio bairro professava esse tipo de doutrina. Eu pensava que tinha entrado numa casa de umbanda. E tal confusão demonstra o quanto o sacerdote dessa casa era despreparado para lidar com intelectuais. Depois de um tempo eu me afastei dessa casa, porque eu não via por parte de seus membros e frequentadores interesses intelectualistas. Aí busquei a Raja-Yoga através da organização Brahma Kumaris. Mas como era num bairro bem elitizado, acabei demorando pouco também. Aproveitei e passei também no mesmo bairro elitizado pela Bahkti-Yoga dos Hare Krsnas. E a fenomenologia continuava quase toda noite, com ou sem medicação supressiva. E como era e sou pobre, acabei conhecendo e experimentando um Centro Espírita Kardecista do meu bairro. Lá eu permaneci por 9 anos conflituosos, já que eu tinha uma herança marxista indisfarçável. E os fenômenos estranhos continuavam me incomodando a noite do mesmo jeito. Depois, em 2002 finalmente conheci uma casa umbandista decente, a Cabana Luz do Congo (mais conhecida como Pai Didi). Nessa época, O pai Didi ainda era vivo mas já estava bem debilitado e pouco contato tive com ele. Tive longas conversas com o filho dele e administrador do Centro de Umbanda, o seu Júlio. Mas os fenômenos continuavam... Foi um processo muito rico ter conhecido essa casa de umbanda. Afinal, ela é praticamente o único centro umbandista a possuir uma biblioteca rica e variada. Passei de 2002 a 2008, lendo boa parte do acervo dessa biblioteca cedido pelo seu Júlio. Aprendi muita coisa sobre umbanda, quimbanda, esoterismo, mas pouca coisa sobre candomblé. Em 2008, um amigo anarco-punk me leva numa festa de um ilê de candomblé keto na Regional VI. E lá vejo a diferença entre a liturgia da umbanda, do catimbó e do candomblé keto que esse ilê pratica. Hoje em dia continuo vendo os vultos e sentindo presenças estranhas no meu quarto mais com menos intensidade. Ah! Quase ia me esquecendo de que nessa peregrinação religiosa eu também frequentei escolas dominicais pentecostalistas e tradicionalistas. E os fenômenos continuaram do mesmo jeito. Só que nessas igrejas evangélicas eu fui mais com intenções etnográficas e antropológicas e não com intenções devotas ou religiosas. E pelo menos deixei isso claro para eles. CONSIDERAÇÕES FINAIS O ser humano é livre ou deveria ser para fazer escolhas. Os orixás, nkices e voduns não condicionam o ser humano rigidamente. Eles, como são arquétipos, apenas servem de modelos de conduta a ser imitados ou evitados. Ser filho de Omulu não é uma predestinação rígida e inflexível no meu entender. É apenas um modo como uma cultura ancestral e arcaica resolveu criar um elemento de inspiração. Assim sendo, o orixá não condiciona nem determina rigidamente ninguém, apenas inspira. E inspira só aqueles que estiverem dispostos a ouvir suas prédicas e para tanto se faz necessário consultar o babalaô para sabê-las