quarta-feira, 21 de outubro de 2009

DOSSIÊ GUY DEBORD


Nesse estudo pretendo dialogar com duas importantes fontes bibliograficas.Uma é a obra Guy Debord de Anselm Jappe, em tradução portuguesa por Iraci P. Poleti e Carla da Silva Pereira, editada em Portugal pela Editora Antígona em Abril de 2008.E a outra é a obra A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo de Guy Debord em tradução brasileira por Estela dos Santos Abreu, editada no Brasil pela Editora Contraponto.

Falar da obra do francês Guy Debord não é uma tarefa muito fácil, como também não é nada fácil falar do que chamo de marxismo sofisticado.Dentro dessa estirpe estariam arrolados autores como Georg Lucács, Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamim, Karl Korsch, Jürgen Habermas, Herbert Marcuse.

Se se fala num suposto marxismo sofisticado ou até mesmo num marxismo sombrio, como se depreende da obra da filósofa brasileira Olgária Matos, a maior estudiosa dos frankfurtianianos e seus tributários em terras brasileiras, poderíamos também falar num oposto: um marxismo vulgar.

Nesse marxismo vulgar arrolariamos autores como Vladimir Lênim, Leon Trotsky, Joseph Stálin que em suas obras reduziam todo a carga dialética e multiforme do filósofo alemão Karl Marx a um be-a-bás simplista, como estivessem a fornecer kits de revolução pré-fabricados para qualquer país ou contexto geográfico.No fundo a obra de Lênin, Trotsky e Stálin apenas esmiuçam mexericos, intrigas e fracassos da revolução de modelo bolchevique implantada na União Soviética, sem contudo aprofundá-los de forma mais crítica ou extendem o que havia sido dito por Marx e Engels em O manifesto comunista. E decididamente o Manifesto é uma obra menor, é apenas um panfleto encomendado pelos operários da A.I.T. (Associação Internacional dos Trabalhadores) dentro da bibliografia marxiana.Bem diferente do Marx vigoroso, rigoroso e exaustivo de O capital, Manuscritos econômicos filosóficos, Crítica ao programa de Gotha e o controvertido Grundrisses.

O chamado marxismo sofisticado diferente de propor soluções fáceis ou receitas prontas de revolução, faz aquilo que Daniel Bensaid apropriadamente chamou de aposta melancólica. Ou seja, a aposta na revolução mas sem a garantia da vitória.

E é compreensível da parte desses teóricos uma postura se não pessimista, pelo menos cética no potencial revolucionário da classe trabalhadora.

E todo esse suposto pesssimismo ou ceticismo tem a ver com as denúncias do fracasso das revoluções de modelo bolchevique que foram criadas no território soviético e exportadas para lugares como a China, a Albânia, a Coréia, o Vietnam, a Tchecoslováquia, Angola, Moçambique, Cuba e até a vacilante experiência socialista na Nicarágua.

E não é só a postura desconfiada com esses governos supostamente operários-camponezes, autores como Lucács e principalmente os frankfurtinianos passaram a desconfiar até do potencial humano para qualquer emancipação desreificante, principalmente depois da 2ª guerra mundial.

Enquanto no século XIX parte da classe média letrada e identificada com as reinvindicações operárias via na ciência e na técnica a emancipação possível da espécie humana, já no século XX a decepção da intelectualidade mais à esquerda com os rumos utilitaristas e desumanos da ciência e da tecnologia, provocaram uma ressaca e um certo mal estar dentro do campo da esquerda.

Quando se soube que as conquistas mais modernas da Medicina e da Engenharia estavam sendo usadas nos campos de concentração nazista para exterminar pessoas, isso provocou uma espécie de trauma insuperável em autores como Adorno e Benjamim.

Dessa forma, estaria criado o que venho chamando de impasse civilizacional.

E dentro desse cenário sombrio e de perplexidade crítica como se situa o pensamento de Guy Debord?

Guy Debord, se for um marxista, é um marxista bem herético. Para começo de tudo negava a organização em estruturas partidárias verticalizadas, sua Internacional Situacionista mais se parece uma rede espontânea de grupos de afinidade à maneira anarquista. Aliás, a relação com o anarquismo em Debord não para por aí. Debord esforçou-se por reunir e traduzir a obra completa do anarquista russo Mikhail Bakunim. Mas se certos interesses e certos métodos utilizados por Debord e os militantes da IS se pareciam com anarquismo, não se pode afirmar que Debord e a IS fossem anarquistas. Pelo simples fato de que os anarquistas, ou parte considerável deles, não se preocupam em esmiuçar a crítica da economia política, a forma-valor e o fetichismo da mercadoria como faziam os membros da I. S.

Alias, segundo Anselm Jappe e Robert Kurz até os anarquistas (mesmo em versões radicalizadas como as experiências zappatistas no território mexicano de Chiapas) cometeriam o erro de querer libertar-se pela economia, do que querer libertar-se da economia.Ou seja, segundo esses autores articulitas da revista EXIT, os anarquistas, assim como os verdes, os neo-liberais, os democratas cristãos, os comunistas dos PC's, os socialistas mandelistas do Le Monde Diplomatique, os trostskistas, os republicanos, todos eles reinvindicam dinheiro ou distribuição de dinheiro, quando o conveniente seria a eliminação do dinheiro.

A Internacional Situacionista foi um coletivo também editorial, que editou uma revista chamada Internacionale Situacioniste. O grupo surgiu a partir de 1957 e reuniu elementos que provinham da Internacionale Letriste, do grupo COBRA e do Movimento Internacional para uma Bauhaus imaginista.

Segundo Jappe, quando esses diversos grupos pré-existentes se reuniram num novo é porque demonstravam estarem fartos da arte, enquanto esfera separada da vida. Eles queriam a partir dali uma espécie de fusão entre arte e vita. Arte e cotidiano. Ou radicalizar a arte, a tal ponto de superá-la.

Debord critica as vanguadas artísticas como o futurismo, o dadaísmo e especialmente o surrealismo e seu elogio à irracionalidade, quando passou a perceber que o elogio surrealista do irracional foi recuperado pela burguesia para embelezar ou justificar a completa irracionalidade do seu mundo. Debord vê que após 1945 o que antes era um protesto contra o vazio da sociedade burguesa, encontra-se agora fragmentado e dissolvido "no comércio estético corrente, como uma afirmação positiva desse vazio. Assim, não poupará críticas ao existencialismo e sua "dissimulação do nada' ou pela alegre afirmação de uma perfeita "nulidade mental" na obra do dramaturgo irlandez Samuel Beckett ou do romancista francês Robbe-Grillet.

E quais seriam então as metas situacionistas? À Arte já não deve expressar as paixões do velho mundo, mas contribuir para inventar novas paixões: em vez de traduzir a vida, deve ampliá-la.

Os situacionistas vão conviver com uma dualidade quase sempre tensionada entre propor uma revolução puramente política ou propor uma revolução cultural. E nessa dissonância interna eles projetavam a criação de uma nova civilização e de uma real mutação antropológica.

No iníco a IS apostou muito no signo da experimentação, que vai desde a prática do détournement - reproduzir trechos de histórias em quadrinhos da cultura de massa nas páginas da Internacionale Situacioniste, porém com as falas alteradas nos balões ditos por personagens como Capitão América ou Tio Patinhas, que acabavam citando trechos irônicos ou paródicos com certas ocorrências do cotidiano sindical francês. Outras coistam também foram experimentadas como a pintura industrial de Pinot Gallizio produzida em grande escala sobre longos rolos vendidos a metro, para ironizar a produção em série da tecnologia de modelo fordista. O arquiteto Constant elaborou a planta de uma cidade utópica "A New Babylon", que simplesmente propõe a destruição da grande metrópole.

Debord passa a fazer experiências na área cinematográfica. Em algumas ele resolve testar as expectativas tradicionais do espectador acostumado com a sintaxe mastigada do cinema americano, fazendo justamente o oposto. Num de seus filmes, o espectador fica mais de meia hora na sala de projeção em total breu, em que Debord que provocar ou eliminar a passividade do espectador dentro daquilo que ele passou a chamar de "Sociedade do espetáculo". E consegue, o público pagante sai indignado com o cineasta. Em outros, a única coisa que o espectador vê na tela é um fundo branco, enquanto Debord recita fragmentos da "Sociedade do Espetáculo", trechos da revista Internacionale Situacioniste, num tom enfadonho e com uma voz esganiçada.

As realizações cinematográficas mais bem realizadas do ponto de vista fílmico são aquelas em que Debord abandona a necessidade juvenil de chocar o espectador e passa a mostrar filmes baseados em trechos de publicidade da TV Francesa, em que Debord comenta em off certos hábitos vazios da sociedade de consumo.E isso só vai acontecer já na maturidade do Debord cineasta, quando o autor de "Sociedade do Espetáculo" já parece dominar melhor os ritmos entre som e iamgem e a demonstrar mais experiência com a ilha de edição.

No iníco da década de 60 enquanto membros da IS como Debord, o belga R. Vaneigem e o húngaro A. Kotanyi vão radicalizar suas posições estéticas, no sentido de entender que a esfera da expressãoe está realmente superada, tendo a libertação da arte sido "a destruição da própria expressão, parte desse grupo até entenderá que 'a nossa época já não precisa de escrever instruções poéticas, mas de as realizar". Já outros membros não querem abandonar a concepção tradicional do artista nem estão dispostos a a aceitar a disciplina exigida.

Nesse contexto quase todos os artistas da IS declaram-se céticos quanto à vocação revolucionária do proletariado e prefeririam confiar aos intelectuais e aos artistas a tarefa de contestar a cultura atual.

E do ponto de vista da sobrevivência desse membros enquanto artistas, as coisas vão se complicando cada vez mais com a crescente rejeição aso apelos e seduções para que se insiram nas teias da indústria cultural. Um dos membros Pinot Gallizio, é expulso do grupo quando não consegue resistir a uma carreira pessoal nas galerias de arte.

Com o tempo os poucos mebros restantes da IS dada a radicalidade de ser um grupo de artistas que não produz "obras", numa autêntica crítica à sociedade de consumo e à industria cultural, sua maior produtora; a IS acabarai progressivamente abandonando o campo artístico e passando a fazer uam crítica social furiosa e aglutinante que acabariam deflagrando a greve dos 100 mil e as barricadas do Maio francês.

O mercado editorial francês era ou é bem diferente do brasileiro. Enquanto aqui, a classe média consome revistas como Contigo, Caras e Guia Astral João Bidu. O público francês no século XX levava a sério revistaws de debates e discussão.

Assim, podia-se encontrar o orgão dos existencialistas "A les temps moderne'.
Uma certa kierkegaardização e heideggeriarização de Marx na revista "Arguments".
A revista "Critique" em que Michel Foucault publicava seus artigos sobre psiquiatria, penalização e biopolítica.
A revista "Tel Quel" que divulgava teses estruturalistas ou estudos sobre erotismo de Bataille.
A revista "Socialisme ou Barbarie" liderada por Cornelio Castoriades que apesar da crítica à União Soviética, não se aprofundava na forma-valor, no fetichismo da mercadoria e assimilava de forma acrítica antropologia e psicologia.
No mercado editorial francês havia até espaço para a revista "Oulipo", esquisito veículo liderado pelo poeta Raymond Queneau mais interessado em pirotecnias estilísticas (palindromos, reescrituras, pastichos e misturas de poesia com análise combinatória) do que na crítica social ou comportamental.

Debord deve ter arranjado muitos inimigos no meio da intelectualidade francesa, com sua conhecida ironia ferina e ranzinza. Criticava a apologia do nada em existencialistas como Merleau-Ponty, ridicularizava a tese da "morte do homem", 'da história sem sujeito" do estruturalismo vista por ele como a principal ideologia apologética do espetáculo ao negar a história e ao querer fixar as condições atuais da sociedade como estruturas imutáveis.

Com um grupo de afinidade jogou tomates numa conferência do ciberneticista Abraham Molles.

Gozava da mistura indigesta de marxiso e estruturalismo feito por Louis Althusser, zombava do Noveau roman e do cinema de Godard.

Fica muito dificil resumir um pensamento complexo como é o de Guy Debord. O livro de Jappe, apesar do nome, não é uma biografia e pouco podemos deduzir de como Guy Debord conseguiu sobreviver, pagar suas contas e pelo final que teve (o suicídio) podemos inferir que a radicalidade do autor de "Panegírico" deve ter criado muitos problemas de ordem prática, a despeito de no fim da vida, o pensador francês ter arranjado uma amizade com um controvertido empresário que financiou seus últimos filmes e bancou seus livros.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

DO ALTO OLHANDO PARA O MAR


Hoje de tarde

fiquei no 8º andar de um determinado

prédio no Centro de Fortaleza

admirando o mar, a praia do centro

perto do passeio público.


Fiquei pensando: como é difícil sobreviver em Fortaleza

Viver de cultura, literatura e cinema em Fortaleza

E os telhados desalinhados e velhos

um resto de lata de refrigerante

jogado neles me fez pensar

sobre o sentido da vida.


Tem Deus? Não tem Deus?

Estamos sós ou acompanhados por anjos?

Não sei mais apenas torço.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

CONFISSÕES DE UM INVEJOSO



Neste poema vou dar acesso
a minha sombra
a minha sombra atualmente trôpega

Tenho inveja dos meus ex-colegas de mestrado
todos empregados, todos professores universitários
enquanto eu ensinando diabinhos de 6ª série
que mal gostam ou sabem ler.

Tenho inveja dos meus amigos
que publicaram livros

E nesse um dos sete pecados capitais
engulo todo os meus ais

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

SOBRE COMPRIMIDOS E FELICIDADE


O meu médico ajeitou uma nova medicação para mim.
O gabinete da presidência da república respondeu meu e-mail.
Tomei o ansiolítico e me sinto melhor.
Estou esperançoso de permanecer no emprego.
Escrevi para prefeita explicando minha situação profissional.
E isto não é um poema, já que não há beleza nele.

Só há nele o cotidiano com sua pressa, sua vertigem, sua urgência.

sábado, 5 de setembro de 2009

DENTRO DO CIRCULAR


Dentro do Circular

tentando ler Maria Rita Khel

e a atualidade das depressões

ontem de tarde


Fortaleza e seus locus de afetividade

de final de tarde

Eu sem saber se somos assistidos

por um Deus providência, o "pai" explicado por Freud

ou se estamos sozinhos

num universo indiferente aos nossos propósitos

e vidas, um universo desisnteressado portanto.




quinta-feira, 11 de junho de 2009

CRASS E A REVOLTA


Agora escuto a banda cascuda do anarco-punk rock inglês

C-R-A-S-S


Os caras moravam no sítio


Detonavam com as bandas vendidas


e produziam e vendiam seus trabalhos em pequenas circulações


Tinham como principal alvo: a burocracia inglesa e a igreja católica.


Pense nuns bicho doido

quinta-feira, 4 de junho de 2009

SÓ ROBERTO CARLOS SALVA


Hoje a tarde

com aquelas tardes quentes de Fortaleza

céu azul com nuvens esparsas, cúmulos, cirros, estratos.


Roberto Carlos tocava no ônibus

e eu lembrava de anos que eu não vivi

com ansiedade, fúria, desespero e síncope.


Era Roberto Carlos de uma coletânea da década de 70

a estranha e pesada década de 70

da qual me fixo a infância.

Sim.A infância sem pai.A infância dentro de ônibus

vendo pessoas tristes e assalariadas.


No meu poema não cabe a tristeza desse menino lá fora

no Sol quente contando os trocados de um parabrisa que limpou.

No meu poema não cabe o sofrimento do mendigo

com a perna bichada que estende a mão lá fora.


No meu poema, egoísta que sou só cabe minhas miudezas

meus desmaios, minhas lágrimas contidas e minhas saudades.


segunda-feira, 1 de junho de 2009

TRABALHO SOCIAL, PODER E SATANIZAÇÃO ENTRE EVANGÉLICOS


Este estudo pretende problematizar várias questões referentes ao trabalho social feito por evangélicos e as implicações do Poder sobre o entendimento da natureza desse trabalho.O artigo também pretende abordar a estratégia de satanização como forma de exercício de poder.


A filantropia na década de 80 era vista por setores da esquerda como assistencialismo que promovia, junto aos setores de baixo poder aquisitivo, mais dependência do que emancipação social.Hoje em face de termos na América Latina vários governos protagonizados por setores de esquerda e - mais especificamente no caso brasileiro, um segundo mandato de um governo de esquerda com vários programas de renda mínima(Fome Zero, Bolsa Escola etc.) - a crítica ao assistencialismo parece coisa do passado, já que até os governos de esquerda o fazem.


As igrejas evangélicas são estruturas de poder, é lógico que não tem o respaldo de uma máquina pública como a rede social governamental, mas possui muito poder econômico e simbólico.


O poder simbólico das igrejas compreende-se como a esfera de controle social sobre o imaginário populacional.A igreja pretende controlar a subjetividade das pessoas de seu raio de ação e de fora delas através de diversas estratégias.Os pastores de seus púlpitos televisionados ou não controlam o comportamento de seus fiéis apelando para os preconceitos e predisposições de cada um, ora satanizando religiões afrobrasileiras, ora satanizando minorias sexuais.


O poder econonômico compreende-se como a esfera de poder alicerçada no dizimismo que poderá sustentar o trabalho pastoral das igrejas evangélicas mais sérias como os luxos dos pastores das igrejas calcadas na teologia da prosperidade.


Todo esse preambulo foi para falar não do trabalho institucional dessa ou daquela igreja evangélica de grande porte (como por exemplo, a ação de solidariedade aos desabrigados das enchentes do sertão cearense) mas do chamado "trabalho de formiguinha" feito anônimamente por esse ou aquele evangélico longe dos holofotes da mídia.


Nesse parte para entender a fenomenologia desse trabalho não podemos deixar de pensar no conceito da micropolítica. Quando um eletricista evangélico de um bairro pobre escolhe um adolescente do seu quarteirão para ensinar-lhe os rudimentos do ofício de eletricista, esse senhor sem saber está fazendo trabalho social e está tendo uma atuação micropolítica.Quando um casal de evangélicos resolve se dedicar nas horas vagas a atender moradores de rua, fazendo-lhes a barba, cortando-lhes as unhas, dando-lhes banho, mesmo sem este casal ter posses ou o respaldo da cúpula da igreja, eles estão fazendo trabalho de assitência social.


Como sou anarquista, essa fenomenologia muito me interessa, pois o anarquismo busca cada vez mais a descentralização da sociedade em escala global e internacional, entendida como o "despoderamento" gradual das instituições, visando o "empoderamento" contínuo das pessoas.


Quando o eletricista do exemplo anterior, mesmo sendo de uma classe social de baixo poder aquisitivo resolve escolher um adolescente para ensinar-lhe o seu ofício ele está demonstrando o quanto é "poderoso".O quanto ele é sujeito, numa sociedade educada pelas instituições do poder que o quer reduzir a objeto.


A noção de igreja como "ecclesia"( comunidade) revela o princípio comunal de que se reveste.O pertencimento evangélico revela como os irmãos se solidarizam entre si e fora de seu círculo de relações - falo aqui não só do eletricista ou do casal que atende os moradores de rua, mais de iniciativas isoladas deste ou daquele pequeno grupo de resolve fazer uma benfeituria para uma família pobre, por exemplo. Ás vezes este trabalho poderá ser feito com intenções de proselitismo religioso e, às vezes, não, será apenas visando a solidariedade desinteressada.


Todo essa fenomenologia mostra a peculiaridade do pertencimento religioso dos setores populacionais evangélicos.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

NOITE DE SÁBADO



NOITE DE SÁBADO
Noite de sábado.

Uma semana se passou.
Um ano se passou.
E tudo permanece igual: noite de sábado, sozinho.

Olho a programação de tv;
Vejo algum programa humorístico;
Escuto alguma estação de rádio;
Leio algum livro empoeirado ou mofado
nesse longo inverno chuvoso em que estamos.
Pois é Sábado e estou sozinho.

Os bares estão cheios.
As igrejas estão cheias.

E eu estou cheio dos bares e das igrejas
e por isso estou sozinho nesta noite de Sábado.

Tento me acompanhar das cartas de tarô

Tento me acompanhar das efemérides astrológicas
Tento maquinar sozinho alguma grande e sagrenta revolução pacífica
Tento maquinar um calendário de ações contra a poluidora sociedade do automóvel
Tento me acompanhar das pedras e dos monturos

É mais uma noite insone de Sábado.

sábado, 18 de abril de 2009

ETNOGRAFIA DE UM DISQUE AMIZADE GLS


Com este estudo pretendo analisar um Disque Amizade GLS da cidade de Fortaleza.No caso falo do serviço telefônico 3468 3000, criado para atender ao público de gays, lésbicas e simpatizantes da capital do Ceará.

A Etnografia foi criada originalmente para descrever povos e etnias indígenas e só mais tarde também foi utilizada para descrever os hábitos e códigos culturais de outras comunidades.

Descrever os hábitos, gestos, símbolos, ritos e mitos de uma comunidade exige que o pesquisador se disponha até ir ao seu locus de pesquisa.Mas e quando se trata de observar os hábitos e representações de uma comunidade de falantes como de uma sala de bate-papo gls telefônico? Aqui a tarefa pode se tornar temerária e difícil, pois uma coisa é o pesquisador ir até um ilê de candomblé ou uma igreja evangélica ou a sede de um coletivo de anarco-punks observar e registrar o que percebe nesse lugar.Mas quando se trata de uma comunidade fluida como é uma sala de bate-papo? Como observar regularidades e recorrências quando há cada cinco minutos a sala se preenche de novas pessoas e sem falar que essas pessoas podem assumir personalidades que não são as suas?

Qual a relevância de observar gays, lésbicas e bissexuais conversando num serviço telefônico? Esse estudo pode fornecer dados para pesquisadores em etnografia e psicologia social, pois ao dar ouvidos ao que esses indivíduos conversam somos confrontados com suas crenças e cosmovisões particulares.

No serviço não há só pessoas que ligam da cidade de Fortaleza, mas também usuários que ligam da região Metropolitana, de cidades mais afastadas como Juazeiro e eu já conversei com um rapaz que falava de Pernambuco.

A questão da identidade numa sala como essa é bem curiosa.Muitas pessoas usam nomes falsos e até criam personalidades postiças.Homens, originalmente másculos no seu cotidiano, na sala atendem pelo nome de "Pamela Skylab" e usam gíria do universo das drag-queens e das travestis.

Os objetivos de quem liga variam muito.Vai desde homens casados que ligam para marcar um encontro sexual e furtivo com outro usuário enquanto a esposa enfermeira foi dar um plantão até rapazes que ligam apenas para ouvir os amigos que participaram do show da Alanis Morisseti.

As representações que esses usuários tem da comunidade homossexual, assim como a cosmovisão gls é bem peculiar.Revela uma comunidade, um pertencimento populacional de hábitos culturais bem específicos.

Ao ouvir essas pessoas o pesquisador pode identificar o preconceito e a desigualdade social que também existe no universo ideológico da comunidade de homoafetivos.Várias vezes presenciei homens gays da Aldeota perguntando se havia gays do mesmo bairro na sala, pois segundo eles não queriam conversar com os gays das regiões mais pobres de Fortaleza.Isso se evidencia ou em afirmações explícitas ou em comentários jocosos sobre o que esses gays endinheirados denominam de 'bichas pão-com-ovo".

O preconceito e a elitização econômica também fica evidenciado quando se ouve os gays que foram para o show da Alanis Morisseti fazem questão de frisar o quanto gastaram no preço do ingresso, no consumo de bebidas e iguarias caras durante o show e no retorno para casa tarde da madrugada em carros caros e importados.

As representações desses indivíduos revelam porque a industria do entretenimento investe tanto nesses gays endinheirados e revela também a lucratividade de apostar nesse "nicho de mercado".

Certa vez foi interessante ouvir de uma drag-queen como ela compreende o relacionamento homossexual.Basta ver o filme americano "O segredo de brokeback mountain" pois lá há a explicação de como termina todo relacionamento entre gays: um morto e outro olhando para uma jaqueta.

O que se pode perceber nos usuários desse serviço é de que há um queixa comum:a da solidão.
E dá para se concluir o motivo, pois na pós-modernidade a tônica dos relacionamentos e dos vínculos é o esgarçamento, a superficialidade dos contatos.As pessoas vivem um paradoxo de não quererem fidelizar relações e ao mesmo tempo quererem estabilidade.Como posso ter estabilidade se não me fidelizo ou não me ligo profundamente a ninguém?

Uma coisa que merece menção é a participação lésbica na sala:pequena e contida.E outra menção é a grande quantidade de bissexuais que ligam para o serviço com intenções apenas de satisfazer genitalmente seus instintos sem maiores vínculos.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

PORTAS FECHADAS E ENTRE-ABERTAS


Este será mais um poema vacilando entre a poesia e a prosa

Será mais um poema

que glosará

sobre as portas fechadas

que tenho encontrado pela vida.


E sobre algumas portas apenas entre-abertas.

Ás vezes até vejo casarões que poderiam me acolher

e que não me acolhem.

Fico do lado de fora,

batendo no seu portão,

vendo seu cadeado

e tomando sol ou chuva

porque já está cientificamente

comprovado

que sou mais um futuro desempregado

e sem poder de compra

mais um

e nada mais


Fortaleza e seus joguinhos de cartas marcadas.

Seus concursos públicos cheios de bastidores privados.

Não faço parte de nenhuma máfia

e por isso fico endividado.


sábado, 31 de janeiro de 2009

PÓS-MODERNIDADE E ENSIMESMAMENTO


Este texto surge de uma constatação: o ensimesmamento é a tônica dos habitantes de Fortaleza.


Cada vez menos há lugar em Fortaleza para uma boa conversa.Há cada vez menos lugares com pessoas interessantes para se conhecer.


Nas praças públicas do Centro da cidade, o movimento de pessoas diminuiu bastante, principalmente depois das 20 horas. Para onde vão os transeuntes das praças? Para os bares onde não se pode conversar, devido à música barulhenta ou será que os transeuntes nem saíram de casa com medo de assaltos e estão na solidão de seus condomínios fechados?


As pessoas estão trancadas ou se trancando, ensimesmadas nos seus mundinhos fechados, sem lugar para partilhar uma conversa que dure mais de 10 minutos.

domingo, 18 de janeiro de 2009

FINAL DE TARDE NUM BAR DECADENTE EM FORTALEZA


Impressões ligeiras e fragmentadas sobre o bairro da Jacarecanga, ontem no final da tarde, na padre mororó, após reunião do Crítica Radical.

Fiquei na esquina da Padre Mororó com alguns conhecidos do Crítica Radical numa mesa de bar.Fiquei meio contemplativo, meio blasé, enquanto os outros comentavam coisas do seus cotidianos e sem estarem muito interessados de que eu me inserisse em suas vidas mais íntimas.

Então fiquei bebericando uma brahma- apesar da negação do meu médico - ouvindo o Julio Iglesias que tocava e vendo a decadência dos bares da esquina em questão.

O bairro ja foi bem glamurizado e hoje tem aqueles casarões da década de 30 e 40 todos ou quase todos detonados, alguns viraram mocós de sem-teto, de moradores de rua, de pessoas não muito recomendáveis.

E fiquei ouvindo o Julio Iglesias que tocava e tentando me conectar a alguma temporalidade qualquer...No fluxo da conversa citaram o final da mini-série da Maysa da Globo, porque aludiram e evocaram o nome de uma amiga deles que, segundo eles, quando bêbada tem os mesmos "bonecos" e inconveniências da Maysa...Nesse momento eu voltei para o planeta Terra das pessoas comuns que em vez de ficarem olhando para arquitetura detonada de ruas de bairros que um dia tiveram glamour, resolve conversar sobre coisas cotidianas como brigas de marido e mulher, sobrinho que engravidou fulana, contas de luz, gás e telefone...

...e lá estava eu dando as minhas impressões sobre a música da Maysa que acho muito pra baixo e cafona.E sem ver nem para quê comecei a lembrar do teatro, dos romances e das crônicas de Nelson Rodrigues.Sim! Nelson Rodrigues.Suas mulheres nervosas, seus homens tarados e todo o seu carioquismo tem muito a ver com a década de 60 que pinto na memória que imagino dessa época, sem nunca na verdade ter vivido nela, posto que nasci em 1972 quando a tropicália já dava sinais de morte.

No final da rua tem o cemitério São João Batista onde estão enterrados escritores muito conheciodos da cidade, como o, dizem, racista, Quintino Cunha.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

DE TREM PRA MARACANAÚ


Hoje estava assistindo o Jornal do Meio Dia
e vi uma notícia que o Projovem do Governo Federal
estava precisando de professores para o municípios do Interior.

E aí, como talvez vá ficar desempregado logo logo, lá fui eu numa aventura
por trem até o município da região metropolitana de Maracanaú.

Essa crônica pretende narrar como foi meu percurso dentro do trem sucateado.
Peguei o trem na estação do Couto Fernandes em frente ao Incra em Fortaleza
e na estação ninguém sabia com certeza
onde ficava a sede da prefeitura
ou da secretaria de educação de Maracanaú,
o que revela o quanto o povo está distante dos gestores públicos.

Dentro do trem sucateado, caindo aos pedaços, fedorento
fui ao lado de um senhor queixoso quanto ao Metrofor
e num mecanismo de memória involuntária proustiana
eu fiquei me lembrando de quando ainda no ano de 1986
eu pegava o trem para ir para o quartel da Polícia Militar
onde eu tentava treinar para tornar-me um infanto
desses que ficava o dia todo em pé
sem ganhar um centavo
em lojas olhando os menores que queriam roubar algo.

Cada traseunte exibia o seu semblante de sofrimeto
e salário baixo
As árvores que passavam agitadas
na janela me acenava essa Fortaleza mais selvagem,
mais rural da zona sul e suburbana pros lados da Messejana

uma região verde e que ainda não foi muito surripiada
pela especulação imobiliária

À medida que se aproximava do município de Maracanaú
percebia que a arborização de mata ciliar
ia rareando na janela do trem
anunciando que o município polúido e industrial estava próximo


Uma pichação no trem ao lado exibia a palavra "kaos" em letras róseas
achei estranho e bonito
um kaos roseo.
E sei lá comecei a Pauloleminskalizar a paisagem.

Fiquei lembrando que o primeiro cartaz do Movimento Punk de Fortaleza
eu vi nesse trem para o Maracanaú
na volta do Conjunto Esperança
e do tal quartel da Polícia
em que eu adolescente
aprendia a ser macho e homem de respeito.

Hoje os punnks mais velhos, os que estão vivos e não morreram de droga
ou de morte violenta,
são pais de família poucos escolarizados que escutam discos arrannhados
do Clash, Sex Pistols ou Ramones ou donas de casa ocupadas em ler a Bíblia pra filha que se converteu.

Os mais jovens não querem muito papo comigo
porque me acham muito acadêmico.



Na volta - não consegui o emprego coisa nenhuma
outras memórias vieram involuntariamente, dessa vez
lembrava-me das cenas de trem
do filme em que Leonardo de Caprio
faz Rimbaud e namora com Verlaine.
Os europeus sentem uma presença muito maior do trem
no cotidiano do que nós cearenses.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

FRACASSO


Ouvindo o cd "Cores, Nomes" de Caetano Veloso


Minha escritura do fracasso tem me incomodado
meu pessimismo agônico
não sei se conseguirei emprego
fazer bicos
e os fazendo não sei se terei habilidade para pagar minhas contas
com pouco dinheiro
Fico pensando em Pessoa que só não passou fome
porque sabia inglês e traduiza coisas para escritórios de contabilidade
na pedregosa Lisboa.
Penso em Mallarmé que jamais seria best-seller com sua poeisa hermética
e cifrada
e só não passou fome
porque sabia inglês
e dava aula particulares
para os filhos de comerciantes endinheirados
na enevoada e suja Paris do século XIX

Só me interesso pelo que não de dá dinheiro:
cinema, literatura
Só um fracasso como professor de meninos em situação de risco
Só um tradutor ruim e não juramentado
Sou um fracassado social
e ando pé
porque meu Passecard não terá crédito após a demissão
Sou um futuro desempregado
e olho o céu como tampa
e essa imagem atesta o meu fracasso
e minha falta de critividade
porque já vi em outro fracassado do passado: um Baudelaire.