quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

UM HOMEM LIVRE


UM HOMEM LIVRE
Charles Odevan Xavier


"A minha liberdade começa quando a sua se expande"
Mikhail Bakunin, anarquista russo

Sou um homem livre
sentindo esse vento suave
bater na minha fronte
à beira do mar azul.

Sou um homem livre
contemplando o Monte Sinai
onde Moisés se conectou
com o Criador
ou andando alegremente
pelas ruas festivas de Salvador.

Sou um homem livre
porque tenho um amigo policial
e outro sindicalista em greve.
Pois sei o idioma de ambos.

Sou um homem livre
porque almoço na casa de um pentecostal
- velho conhecido de longas eras
e tomo um cafezinho na
bodega do pai de santo.

Sou um homem livre
porque li a Torah com o rabino,
o Alcoorão com o sheik
e as Sutras com o monge budista.

Sou um homem livre
porque li a carta-magna do país
e li a teoria anarquista.

Sou um homem livre
porque quero todos livres
para andarem e visitarem
quem quiserem.

Amo a liberdade
pedindo apenas ao governo oculto
que me ilumine os caminhos que percorro.

LIVRO DE LÁZARO


LIVRO DE LÁZARO

É muito díficil conviver nivelado por baixo, sem renda, mendigo em andrajos.

E mendigo medito sobre o sestro maldito de um omulu ressentido.

Fiapos de conversa, súplica, pedido. O mendigo herdará prédios escolares falidos.

Conversas, acordos que não se cumprem, fecham, atualizam. Termos rasurados num cotidiano insípido.

O mendigo camoniano vai para a faculdade com um pão dormido e uma xícara de café até a fome da ralé.

O mendigo é inoxidável, de ferro curtido, seguro, obstinado e orgulho ferido.

SOLOS PARA CORPOS SÓLIDOS


SOLO PARA CORPOS SÓLIDOS

Este texto pretende analisar os dois solos apresentados no Mês de Fevereiro, no Projeto Quinta com Dança do Teatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.

O solo "Cabeças.com" foi coreografado e executador por João Carlos Rodrigues e o solo "17 pontos", coreografado e executado por Andrea Sales.

Eu, particularmente, não gosto em artes cências de solos ou monólogos. Aliás, se formos insistir no cânone dramatúrgico: 'drama' é ação, conflito. Logo pede dois personagens, no mínimo. Fica difícl imaginar um conflito sendo perpetrado por um único ator (ou no caso, bailarino). Ou seja, o conflito, a querela pede duas vozes (ou dois corpos) em disputa. O monólogo (ou o solo) é um discurso único, ou uma única voz, a ruminar ou regurgitar-se auto-referencialmente.

Dessa forma, em dança, tenho preferência por grandes elencos, tipo os espetáculos da Síliva Moura ou do balé Edisca.

Entretanto, sou obrigado a reconhecer que em tempos de vacas magras e retração econômica, fica difícil uma companhia de dança pagar as pautas dos teatros sem parceiros peso-pesados ou gordos patrocínios. Deste modo, pôr vinte pessoas num palco como Sílvia Moura gosta de fazer, é inviável economicamente.Ainda que seja belo cenograficamente.

Também sou obrigado a reconhecer a força expressiva dos solos apresentados por João Carlos Rodrigues e Andrea Sales.

Em "Cabeças.com", os movimentos de João Carlos Rodrigues evocam aqueles tiques nervosos que nós extravasamos no silêncio solitário de nossos quartos à noite. O solo oscila entre um repertório de gestos cotidianos comuns, banais a rompantes bruscos e convulsivos de quem passa por sofrimentos psicológicos intensos.

As camadas sonoras da sonoplastia e as camadas de luzes criam uma atmosfera angustiante, cujo ápice dramático é o momento em que o personagem de João Carlos Rodrigues, assoberbado por conflitos psíquicos, esconde-se debaixo da cama.

João Carlos Rodrigues, embora estreante, exibe um controle rigoroso e preciso do corpo. Um corpo talhado em muitas horas de dança, necessário às oscilações do personagem entre a leveza e as convulsões. Um retrato desse homem pós-moderno, assoberbado por um terrível estresse emocional e físico e pelas angústias de uma crise civilizacional - que é distante enquanto se trata de o World Trade Center desabando repetidas vezes nos canais de televisão e que passa a ser próxima no primeiro assalto ao sair de casa para trabalhar de madrugada ou na primeira pedrada que levou no ônibus de volta do trabalho pela torcida organizada inimiga, em dia de clássico no Castelão.

Em "17 pontos" de Andrea Sales vemos a tradução deste homem contemporãneo estressado no corpo feminino. A bailarina busca no estudo sobre os apoios e alavancas do corpo figurar a mulher contemporãnea oscilante entre as solicitações feminis e a brutalização pedida pela sociedade pós-industrial, que requer corpos sólidos, eficientes, robóticos da cadeia produtiva toyotista.

Como o homem ou a mulher não são os andróides exigidos pelos "ISO9000", Re-engenharias e Qualidades Totais do cotidiano instrumental da sociedade capitalista atual, sobra angústia, perplexidade e desespero. Tudo coberto por camadas de luz e som melancólicos. Contudo, há momentos de otimismo como na pasagem em que delicadas texturas da música "Pagan Poetry" da cantora islandesa Björk sugerem uma humanização dos andróides criados pela mundialização do capital. Ou seja, talvez se o homem resgatar o que foi no período paleolítico, antes da descoberta da agricultura, propriedade privada e escravidão, evocado pela letra de Björk, ainda haja alguma esperança para a espécie humana.

Charles Odevan Xavier
Mestrando em Letras pela UFC.

QUESTÕES SADIANAS


QUESTÕES SADIANAS
Charles Odevan Xavier

"O mundo existe para me proporcionar 24 horas de prazer e gozo"
Marquês de Sade

A epígrafe deste texto resume toda a filosofia de Marquês de Sade. O escritor francês produziu uma obra controvertida, polêmica e polissêmica, que motivou as interpretações mais diversas. Uns vêem na obra um libelo anticlerical e anárquico, outros pensam o contrário: uma obra em que o liberalismo burguês não consegue esconder uma certa contrição ultra-católica.

Sade precede Stirner no seu individualismo libertino. O mundo que Sade pretende erguer seria uma sociedade de indivíduos livres e libidinosos completamente embriagados pela luxúria sexual e pela gula mais desregrada.De uma certa forma, Sade precede o "além-homem" de Nietzsche.

Quem suportaria uma nação, um continente repleto de homens que querem gozar initerruptamente? Como ficaria o abastecimento? Quem trabalharia, enquanto esses libidinosos experimentam as saliências e reentrâncias pulsantes e latejantes de seus corpos? E quem seriam esses eleitos? Os pobres e miseráveis também poderiam se entregar a lassidão dessa república de prazeres? Ou seria uma cruel e insana tirania a mais a violentar corpos de crianças, alimentando irrefreávies pesadelos pedófilos?

Durkheim e sua teoria das sanções ajuda-nos a entender o porquê dos indivíduos,sob o pesado braço do estado, não poderem dar vazão aos apetites e instintos mais animalescos.

Vivemos em uma sociedade de controle deleuziano alicerçada num pirãmide foucaultiana de olhares. Assim, retomando a utopia totalitária de Orwell, todos vigiam a todos. O pai libidinoso é vigiado pela filha da Legião de Maria. O professor anarquista é denunciado à coordenação da escola católica pelo aluno escoteiro.

O estado de direito é a Lei em que todos os crimes possíveis e imaginários estão prescritos. Como uma imensa rede, a Lei existe para prender e enganchar a todos os desejantes e libertinos. Contra o prazer conjuram juntos o Tribunal, a Prisão e a Religião.

Sade é um território perigoso e fascinante.Tanto que Raoul Vaneigem disse que Sade foi, ao mesmo tempo, o último senhor e um dos primeiros a bradar contra a dominação total do homem.

RETRATO DE MÁRIO BARATTA


RETRATO DE MÁRIO BARATTA

Este estudo pretende analisar a obra "Arte Ceará: Mário Baratta: o líder da renovação ", organizada por Nilo de Brito Firmeza, também conhecido por Estrigas e publicado pelo Museu do Ceará e Secretaria de Cultura do Estado do Ceará em 2004, dentro da Coleção Outras Histórias, coordenada pelo Professor Dr. Francisco Régis Lopes Ramos.

Mário Baratta, nascido em Vila Isabel no Rio de Janeiro em 1914, vem para Fortaleza em 1932. Foi funcionário do IBGE e desenhista técnico do DNOCS. Trabalhou em ampliação fotográfica e já como estudante da Faculdade de Direito, projetou painel e obelisco da mesma faculdade.

No meio do caminho esbarra com os quase anônimos pintores do Ceará. Passa a ser o aglutinador dos artistas plásticos locais e em 1941 surgem os primeiros salões de pintura, em torno das atividades do CCBA (Centro Cultural de Belas Artes).

No CCBA se revelam talentos de projeção futura como Antonio Bnadeira (1922 - 1967), Aldemir Martins (1922) e retiram do ostracismo o consagrado Raimundo Cela (1890 - 1954). Mário Baratta é um dos responsa´veis por estas revelações ou resgates, quando convence os pais de Antonio Bandeira e Aldemir Martins a financiar o talento deles ou quando entusiasma o velho mestre dos retratos de jangadeiros a participar do Salão Nacional de São Paulo, onde acabaria ganhando uma medalha de ouro.

Em 1943 surge o Salão de Abril criado pela UEE ( União Estadual dos Estudantes), que serviria de alicerce para a fundação da SCAP (Sociedade Cearense de Artes Plásticas) em 1944; a qual teria muita afinidade com o grupo CLÃ, aproximando artistas-plásticos e escritores cearenses.

Mario Baratta conciliará o escritório de advocacia com os ateliês de pintura alugados no mesmo edifício. Terá ainda tempo para pesquisas arqueológicas no interior do Ceará, do Rio Grande do Norte e o magistério como professor da Faculdade de Direito.

A obra "Arte Ceará: Mário Baratta: o líder da renovação" esmiuça a participação política e artística do advogado carioca nos bastidores das artes-plásticas cearenses; assim como, exibe uma coletânia de textos do ex-desenhista do DNOCS, publicados nos Jornais locais ( O Estado, Correio do Ceará, Unitário, O Povo) e nas revistas CLÃ e Revista da Sociedade Cearense de Geografia e História de 1945 a 1979.

Nos textos curtos e concisos exigidos pela magreza típica dos cadernos culturais dos jornais locais, Mário Baratta revelar-se-á um arguto comentarista da plasticidade produzida em Fortaleza e nas feiras do Cariri; como também um culto leitor de revistas americanas e inglesas de pintura encomendadas ao livreiro Edésio.

O leitor perceberá que a crítica de Mário Baratta dialoga com o Mário de Andrade de "O Baile das Quatro Artes", procurando sempre vislumbrar nas obras contempladas a , o artesanato, de onde talvez se revele o apuro acadêmico de quem foi desenhista técnico do DNOCS, ao lado de uma preocupação com a gestualidade pictórica, traduzida pelo seu respeito pela arte abstrata.

Mário Baratta, atento espectador de sua época e espaço, professará uma arte engajada sem ser panfletária e regional sem apelar para o folclórico. Em suma, um modernista atento às solicitações figurativas da "Guernica" do pintor Pablo Picasso ou das solicitações estéticas dos canaviais de José Lins do Rêgo.

O livro de Estrigas é uma obra muito interessante e bem coligida, em que o pintor e museólogo deu-se ao trabalho de vasculhar jornais embolorados pelas péssimas condições de conservação dos arquivos públicos locais. No entanto, há um único defeito no livro editado pelo Museu do Ceará: o de não ter ilustrações, o que obriga o leitor a trabalhar no campo da pura especulação, algo não muito prático em se tratando de livros que, a rigor, comentam quadros e esculturas.

Charles Odevan Xavier
Mestrando em Letras pela UFC.
charlesodevan@yahoo.com.br

NORDESTINOS TALHADOS EM MADEIRA E BARRO


NORDESTINOS TALHADOS EM MADEIRA E BARRO

Charles Odevan Xavier

Este estudo pretende analisar a exposição "Mestres do Artesanato Nordestino" que está em cartaz no Centro Cultural Banco do Nordeste no período de 01 de Fevereiro a 30 de Abril de 2005.

A exposição tem curadoria e textos de Jacqueline Medeiros.

Este estudo parte de um esforço de minha parte, no sentido da elaboração do que venho nomeando de "Teoria da Plasticidade Nordestina", a qual se instaura no diálogo com a obra do sociólogo francês Pierre Francastel ("A Realidade Figurativa" - 2ª edição. São Paulo:Editora Perspectiva, 1993) e a obra do Jornalista e Professor cearense Gilmar de Carvalho - particularmente com os livros "Mestres Santeiros: Retábulos do Ceará" - Fortaleza : Museu do Ceará: Secretaria da Cultura do Estado Ceará, 2004 e "Xilogravura: doze escritos na madeira" - Fortaleza : Museu do Ceará : Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará, 2001. Ambas as obras mencionadas fazem parte da Coleção Outras Histórias, coordenada pelo Professor do Curso de História da Universidade Federal do Ceará Francisco Régis Lopes.

Toda crítica de arte pressupõe o estabelecimento de critérios de aferição da obra examinada e sua relação com as demais da exposição em que está inserida; o diálogo e/ou confronto com o cânone e a tradição acadêmica ou popular tomada em questão.

A exposição é de artesanato e não do que a academia chamou de belas artes. Portanto, é dentro desse território epistemológico, que o mercado editorial de artes convencionou chamar de artes aplicadas ( arquitetura, "design", mobiliário, vestuário, decoração, gastronomia etc.) que devemos considerar as realizações da Família Candido, residente na casa da rua Boa Vista, n° 49, em Juazeiro do Norte - Ceará (a fértil e abençoada região do Cariri) e o seu repertório modelado em barro cozido e inspirado na cultura nordestina: bandas de música, reisados, lapinhas, presépios, romarias, quadrilhas e fases da vida de Pe. Cícero, para citar alguns.

Que tipo de modelos estéticos são postos pelos filhos do mestre Seu Américo em Fazenda Nova - Ceará, quando empregam instrumentos de trabalho como faca, estilete usado para os detalhes de acabamento, tábua de madeira e as mãos firmes e agéis?

Que elementos afetivos e simbólicos estão em jogo, quando a matriarca Dona Maria de Lourdes junto com as filhas sentam no terreiro da casa, como se brincassem feito criança e em jorros de criatividade inventam outros materiais ou reutilizam o que se encontra no seu cotidiano, como os índios cariris feitos de cerâmica que possuem adornos de palha e pena de capote encontrados no munturo do quintal.

A exposição apresenta duas categorias de artistas populares: os consagrados e os anônimos.

Deste modo, vemos uma intencionalidade racionada no rigor geométrico construtivista das esculturas do cearense Zenon Barreto, feitas com materiais ordinários do cotidiano sertanejo: os estribos pretos oxidados e imprestáveis para a cavalaria, precisamente montados, formando composições equilibradas; os chocalhos pretos enferrujados em lances alternados; os pares de lamparinas de flandre estanhado.

Também o "Dom Quixote", feito de sucata de ferro automobilístico pintado de preto pelo cearense Zé Pinto com nítidos traços cubistas e estilizados ou o "Gari" esculpido em ferro comum do potiguar Dimauri, revelam uma seriedade serialista que em nada lembram as vibrantes miniaturas de papelão do cearense Willi de Carvalho, representando carrosséis de parques de diversões com fitas e bandeirinhas coloridas de São João ou as quermesses nas praças dos vilarejos interioranos com seus carros de boi.

O elemento religioso se faz presente na escultura de barro "Artesão encenando (sic) ao menino Jesus o ofício de carpinteiro" do pernambucano Antonio José da Silva; na qual aparece um carpinteiro de cabelos lisos com serrote fazendo tamborete e um menino Jesus com um martelo na mão e traços europeus. O panejamento das roupas medievais, a precisão dos traços e a cor marrom fazem a obra parecer de madeira.

Também no "São Francisco" em barro cozido do pernambucano Geminário André da Silva, em que o panejamento do manto e a graciosiade dos pombos sobre seu corpo dão a ilusão da obra também ter sido feita em madeira.

Assim como o "Santuário" em madeira serrada feito pelos artesãos cearenses da Associação Padre Cícero que dosa uma urdidura mourisca, a imponência gótica de suas torres apontadas para o céu e o excesso barrôco do seu verniz. Ou ainda a surpreendente "Nossa Senhora Coração de Maria" esculpida em madeira pelo cearense Expedito B. S., que pintou a santa de uma forma patinada que lembra o bronze.

Entretanto, os artistas populares dentro da diversidade étnica da cultura nordestina, podem mostrar olhares menos devotos sobre os temas e figuras caros ao cristianismo medieval dos santinhos expeditos distribuídos nas novenas feitos em gráficas rápidas ou "lan houses", em sua feição ibérica; como uma "santa ceia" esculpida em relêvo na madeira, cujo os rostos dos apóstolos evocam máscaras africanas ( a obra não tinha legenda, por isso não posso informar ao leitor dados como o título, o autor nem a procedência). Ou os simpáticos "Anjos Cangaceiros" feitos em barro cozido pelo pernambucano José do Carmo. Nos quais vemos um anjo com atabaque, um Corisco alado com viola e um Virgulino alado com acordeão de oito baixos.

Outro percurso temático da exposição, no dizer da semiótica greimasiana, é o dos ofícios populares. Desde o caçador sertanejo esculpido em madeira pelo alagoano Mestre Camilo. O qual apresenta um vestuário típico com chapéu e chinelos de couro, pitando um cigarro de palha, com uma espingarda do lado e um "veado" morto empendurrado no ombro; tem traços caboclos (mestiço de ameríndio e caucasiano); aquele cansaço e desolamento característico do sol do semi-árido que envelhece os trabalhadores rurais antes do tempo.

A "Florista" feita em estôpa pela paraibana Espedita da Costa Medeiros; o "Tocador de flauta" feito em cerâmica por um artesão cearense desconhecido ou a "Rendeira" velha fumando cachimbo e sentada com uma almofada de bilro feita em barro cozido por um artesão desconhecido do Rio Grande do Norte e a diversidade de materiais e técnicas empregados sugere às autoridades competentes das inúmeras possibilidades de geração de emprego e renda, num contexto geográfico marcado pela sazonalidade das chuvas, por técnicas agropecuárias predatórias e pelo advento da lucrativa indústria do lazer e do entretenimento - vide Hollywood - na era da Informação.

Se os orgãos governamentais - de economia mista - e a iniciativa privada se juntassem e discutissem com seriedade e responsabilidade pública; cenas esculpidas em barro cru pelo sergipano José Freitas ("Retirantes") onde meninos negros, buchudos, raquíticos e de pés-descalços carregam balaios, cestos de palha, lenha e potes desfigurados (pés e mãos enormes e grotescas)pelo cansaço e fome, seriam apenas uma deformação estética de fundo estilístico e não o que são na dura realidade nordestina: um caso de polícia.

A quantidade de vezes em que intrumentos musicais são apresentados na exposição das mais diversas formas - matracas de madeira do maranhense Pedro Piauí; a banda cabaçal talhada em madeira colorida pelo cearense Diomar da Associação Padre Cícero sugerem que essa poderia ser a saída para a geração de emprego na região, através do incentivo às bandas e fanfarras municipais, no aperfeiçoamento de maestros e regentes mais experientes e a formação continuada de músicos aprendizes. Seria muito bom que as políticas públicas de cultura contassem com a parceria da milionária indústria fonográfica.

Se vivêssemos num país sério, artistas como a alagoana Rita Aparecida Rosendo poderia continuar talhando em madeira seus gatos do mato - que de tão bem feitos - só faltam avançar na jugular de quem se abaixa para vê-los na vitrine. Ela receberia uma bolsa de algum CDL para aperfeiçoar e ensinar o que sabe para os adolescentes do seu quarteirão no ateliê comprado pelas milionárias e predatórias madeireiras do Pará.

O terceiro milênio apresenta um desafio para as universidades públicas ou particulares: como aproveitar o tempo livre compulsório do desemprego estrutural e os humores incostantes da economia informal e do sub-emprego?

Mestrando em Letras pela UFC.

SOBRE DEUS


SOBRE DEUS

"A crença em Deus e no Diabo, por mais bizarra que seja, faz desses dois fantasmas uma realidade viva logo que uma coletividade os julga presentes o suficiente para inspirar os textos de suas leis"
Raoul Vaneigem

Este texto pretende ser uma livre reflexão sobre a divindade. Tão livre e racional que poderá chocar um ou outro cristão, mais acostumado em sentir deus, do que propriamente pensá-lo.

Deus é um desses fenômenos curiosos de que se ocupam os humanos. É interessante perceber que algo que não ocupa lugar no espaço - portanto, não tem largura, altura ou comprimento e o que não tem medidas não existe; é o que diria qualquer terceiranista de Física - ocupa a mente e o coração das pessoas.

Alguns dizem que Deus é um só, entretanto cada povo deu uma versão diferente de Deus. A versão bíblica é a mais mesquinha de todas: um Deus rancoroso, vingativo, machista, racista, misógino e homofóbico. A versão do povo iorubano da África talvez seja a mais generosa de todas:Um Deus representado pela chuva que molha o campo e traz caça e pesca para todos.

Não diria que Deus existe ou não, porque a partir do momento em que problematizo Deus e sua existência, ele automaticamente passa a existir, ainda que não exista de fato.

Deus é uma abstração.Talvez por isso, Platão o tenha colocado ao lado dos logaritmos e das formas geométricas puras de um suposto mundo das idéias. O mundo das idéias platônico também não ocupa lugar no espaço e, no entanto, está na cabeça de qualquer matemático, engenheiro ou arquiteto.Assim à alegoria desse mundo desterritorializado corresponde a idéia de Deus.

No romance "O perfume" de Patrick Süskind, o protagonista (um assasino serial) por uma deficiência cerebral tem uma dificuldade enorme de entender abstrações; ele só entende o que tem cheiro. Assim, Deus, bem, mal, certo, errado são sem significado pra ele e isso justifica os seus crimes.

Isto traz uma boa divagação pra nós. Se Deus é inodoro, invisível e intangível, contudo isso não é o suficiente para que digamos ser Deus uma imensa alucinação coletiva. Estado, Nazismo e Amor também são inodoros e quem ousaria dizer serem as três coisas citadas alucinações?

No meio anarquista de que faço parte, não é muito inteligente acreditar em Deus. Deus seria, ao lado de conceitos como Pátria, propriedade, uma grande mistificação ou superstição, que tem sido usada para escravizar as pessoas.

Realmente o Deus pessoal da Bíblia foi usado para massacrar indígenas, escravizar africanos, espoliar judeus e árabes, perseguir homossexuais, queimar cientistas e bruxas na Idade Média. Assim, a história da igreja é uma história de crimes e atrocidades.

Mas se Deus existir e estiver acima das conveniências e interesses de humanos poderosos? Carl Sagan, astrofísico, respondeu a um repórter sobre sua opinião em relação a existência ou não de Deus: "Bem...Se você chama Deus uma força que garante o equilíbrio cósmico.Sim, eu acredito em Deus. Mas emocionalmente isso é nulo, pois ninguém rezaria para a lei da gravidade".O interessante é que os hindus intuiram isso há cinco mil anos, quando conceberam o ser supremo no frio e impassível Brahman.

Assim, Deus existiria, mais estaria mais próximo do "relojoeiro" que concebeu um universo que funciona sozinho e sem a sua constante intervenção, do que ser um suposto poder executivo de uma "sociedade bem policiada" que partiria de um centro que a Astrofísica já demonstrou não existir.

E pra finalizar. Seria Deus uma consciência internalizada do certo e do errado que surge em momentos de dúvida, como uma espécie de repositório onde a cultura depositou tudo o que deve ser feito e tudo o que deve ser evitado? Mas não seria isso que Freud batizou de "Superego"?

BÍBLIA E HOMOAFETIVIDADE


BÍBLIA E HOMOAFETIVIDADE

Charles Odevan Xavier

Este estudo tem como propósito: investigar a forma pela qual a homossexualidade (ou como preferem agora os movimentos de emancipação homossexual: homoafetividade) é construída na Bíblia Sagrada. Ciente da delicadeza do assunto, partimos do que o historiador Mircea Eliade ( "O Sagrado e o Profano: a essência das religiões" - São Paulo: Martins Fontes, s/d.) definiu como ciência das religiões comparadas´; que como o nome indica, consiste em analisar "os elementos comuns às diversas religiões a fim de decifrar-lhes as leis de evolução". Também nos baseamos nas reflexões de Karen Armstrong ("Uma história de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo " - São Paulo: Cia. das Letras, 1994).

Para garantir o máximo de isenção, resolvemos utilizar como fonte de consulta uma Bíblia católica ( Bíblia Sagrada. 98 edição. São Paulo: Editora Ave Maria) e uma Bíblia evangélica ( Dios Habla Hoy: La versión popular - 2 edición. México: Sociedades Bíblicas Unidas, 1991).

DO MÉTODO UTILIZADO

A primeira constatação que fizemos ao examinar o índice remissivo das duas Bíblias, é a da inexistência da palavra homossexualidade. O que nos leva a entender como: indício de que o assunto é tabu nos dois credos religiosos.

Entretanto, na Bíblia evangélica encontramos a expressão "Sodoma y Gomorra", o que nos leva a supor que os evangélicos dão uma atenção ao que ocorria nessas duas cidades de práticas tão controvertidas.

Assim, baseados nas referências da Bíblia evangélica, adotamos o caminho metodológico de comparar e confrontar os capítulos e versículos arrolados com a Bíblia católica, que sobre o assunto nada indica claramente.

AUTORIA NA BÍBLIA

Como iremos examinar textos, é de suma importância saber quem os redigiu. Dessa forma, devemos buscar saber quem foi o autor do livro examinado, pois isso ajudará a entender não só o tom emocional em que o texto foi enunciado, mas também a intenção enunciativa do autor.

Entretanto, aqui surge um problema ou vários. O primeiro deles é que, diferentemente de um texto contemporâneo, é muito difícil saber com exatidão a autoria de textos da antigüidade. Ou seja, enquanto hoje podemos claramente saber quem escreveu uma determinada obra - até pelo fato jurídico de que há um contrato estabelecido entre autor e editora; o mesmo não acontece com obras antigas em que os dados objetivos do autor (nome completo, endereço, profissão, nacionalidade etc.) se perderam no tempo.

Aliás, vejamos o que diz a Bíblia católica sobre essa problemática em sua introdução - não por acaso, sem autoria atribuída:

"A Bíblia completa contém 73 escritos (71, 72 - segundo outras maneiras de contar), obras de numerosos autores, tendo cada um deles características próprias.
Os títulos desses livros lembram por vezes o nome de seus autores [ Ex. Provérbios de Salomão, Salmos de Davi ], outras vezes o nome dos seus destinatários, ou ainda os assuntos que neles são tratados" p.15

E a constatação mais importante:

"É - nos desconhecido o nome de muito desses autores; alguns escritos são produto de uma colaboração ou constituem uma coleção de textos antigos compilados posteriormente. Os autores bíblicos viveram em lugares e ambientes muito diversos: cada um deles a imprimir na sua obra traços muito característicos de sua personalidade.
Mas como todos eles escreveram sob inspiração do Espírito Santo, é Deus mesmo quem deve ter sido como o autor primário de toda a Bíblia” p.15

Ou seja, a própria equipe que elaborou esta introdução que acabamos de mostrar – no caso os Monges de Maredsous da Bélgica e traduzido pelo Centro Católico, cuja coordenação é do Frei João José Pereira de Castro, º F. M. – reconhece a dificuldade de precisar a questão da autora na Bíblia Sagrada, como se conclui pela utilização da locução verbal “deve ter sido” no modo subjuntivo, que indica referência a fatos incertos ( Evanildo Bechara. Moderna Gramática Portuguesa – 37 ed. Rio de Janeiro : Lucerna, 2001).

Outro problema, que se intui da explicação fornecida pela equipe citada, é a da natureza da autoria na Bíblia Sagrada; pois diferentemente do autor de um romance, o autor bíblico, supõe-se, não é como um romancista que escreve ficções que brotam de seu intelecto. Mas é uma espécie de testemunha ocular, de anotador ou coletor de relatos. Assim, o texto produzido por um autor bíblico não foi inventado por ele, foi revelado; ou seja, é uma hierofania. Deste modo, somos obrigados a considerar a possibilidade da existência do elemento sobrenatural ou fantástico na gênese da escritura bíblica. O texto bíblico, em suma, pressupõe que o que está sendo narrado realmente aconteceu, ainda que viole as leis naturais mais básicas (por exemplo, o Mar Vermelho se abrindo em dois, desafiando a lei da gravidade). Muitos leitores, especialmente os neo- pentecostais, têm uma enorme dificuldade em conceberem os relatos bíblicos como alegorias, geralmente eles vêem tudo como literal.

O DEUS BÍBLICO

Outra fonte de problemas é a natureza do Deus descrito pelos autores bíblicos. Diferentemente, das concepções hindu e africana-iorubana que supõem um ser supremo generoso mas distante do homem, a concepção judaico-cristã revela a existência de um ser supremo que aparece como personagem ativo do texto que inspira. Assim, o Jeová não só dita a Moisés suas leis, como participa efetivamente da trama.

MOISÉS: AUTOR DO PENTATEUCO?

A tradição considera Moisés como autor do Pentateuco, sem afirmar entretanto, que ele o tenha composto inteiramente. A Ciência Bíblica admite que o fundo antigo de origem mosaica recebeu no decurso dos séculos da história dos hebreus diversos acréscimos e modificações, particularmente nos textos legislativos do Levítico e do Deuteronômio.

SODOMA E GOMORRA

Depois deste longo preâmbulo, decidimos começar a análise propriamente dita da questão da homossexualidade na Bíblia, através da imagem formada sobre as cidades de Sodoma e Gomorra:

“Ora, os habitantes de Sodoma eram perversos, e grandes pecadores diante do senhor” GEN, 13,13

Sabe-se que Moisés ( o provável autor de maior parte do Gênese) não presenciou a destruição de Sodoma e Gomorra relatada no capítulo 19. Até porque, segundo a equipe católica, o Gênese não se trata de um verdadeiro livro de história nem tampouco de um manual de história natural com a finalidade de expor as origens do mundo e da humanidade. Moisés teve em vista apresentar um ensinamento religioso. Pois sabe-se que um poeta não escreve como um cientista e que toma muitas liberdades de linguagem (imagens, comparações, amplificações) as quais um historiador atual não se permitiria. Ninguém ignora, igualmente, que as tradições populares, em geral imprecisas, sempre embelezaram os heróis e ensombrearam os inimigos.

Ou seja, Moisés relata o que colheu de depoimentos orais dos mais velhos ou o que Jeová lhe ditou.

Muitos leitores da Bíblia ( especialmente os adeptos neo-pentecostais) imaginam que, na hora em que o ser supremo disse o “Fiat Lux”, já havia um escritor anotando. O que seria logicamente impossível, já que neste momento o ser humano ainda não tinha sido criado.

Muitos teóricos têm gasto papel e tinta com especulações filológicas acerca do sentido do verbo ´conhecer´ no contexto bíblico. Para não entrarmos na armadilha dessa argumentação, resolvemos sair do capítulo 19 do Gênese – em que os habitantes de Sodoma vão até a casa de Lot para conversar com os anjos e este oferece suas filhas virgens no lugar deles – e pularmos para as prescrições do Levítico.

A HOMOSSEXUALIDADE NO LEVÍTICO

O Levítico é um esboço de código civil do povo hebreu. Nele podemos encontrar regras que vão desde a proibição do uso do fermento em bolos à proibição do consumo de carne de coelho; da ilicitude de se comer peixe de couro ao consumo de cerveja na reunião dos anciãos da tribo.

Em relação ao sexo, há diversos exemplos do que consideravam abominação naquele momento. É infame o homem deitar com outro homem; ter intercurso sexual com animais; assim como é interdito o filho e a filha verem os pais nus ou o sogro vê a nudez da nora ou o marido tocar na esposa menstruada etc.

O que podemos interpretar destes vetos relatados?

Poucos são os estudiosos que se utilizam da História e da Geografia para se efetuar a exegese da Bíblia. Muitos se prendem a analisar estes preceitos como um fim em si mesmo, sem compará-los com os costumes de outros povos.

A NATUREZA DO POVO JUDEU

Neste ínterim, poucos foram os que questionaram a própria natureza do povo que enunciou aqueles preceitos do Levítico: o povo hebreu.

Cabe perguntar, nesta altura dos acontecimentos, o que é povo? O que significa a expressão ´povo hebreu´? O que implica o conceito de nação, qualquer que seja ela (nação hebréia, japonesa, brasileira etc.)?

O Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa ( Rio de Janeiro: Objetiva, 2001) resolve todos estes enigmas. 1. Nação é comunidade com laços históricos, lingüísticos etc. sob governo único dentro de um território. 2. Grupo reunido por crenças, origens, costumes.

Assim, aplicando à definição do dicionário ao povo hebreu, judeu ou judeano (´aquele que é natural de Judá); concluíremos que o que faz a unidade desse povo é uma história comum narrada em um conjunto de livros (no caso, a Bíblia Sagrada); uma língua comum (o hebraico) e um território comum (a Palestina).

Vejamos o que diz Jeová sobre isso:

“Se obedecerdes à minha voz e guardardes a minha aliança, sereis entre todos os povos, o meu povo particular...sereis uma nação consagrada” ÊX19, 5-6

Todo esse novo preâmbulo nos faz pensar que, coube a Moisés, o papel de juntar esse povo (inicialmente pequeno) que foi independente apenas por cinqüenta anos e que passou a maior parte do tempo sendo submetido a todos os senhores do oriente médio. Um povo que foi na origem nômade e politeísta; que teve contato com filisteus, egípcios, babilônicos, hititas, persas, macedônios e romanos, contaminando –se com seus costumes, línguas e valores. Desta forma, Moisés vendo a predisposição à dispersão do seu povo (que chegou a se dividir em doze tribos) teve de ter pulso forte e usar um vocabulário mais firme e intransigente.

Moisés viu-se, segundo o que narra a escritura, peregrinando durante quarenta anos por um deserto inóspito; tendo que garantir, ainda que pela espada, uma unidade política, econômica , territorial e servindo de conciliador entre um Deus ciumento e um povo indolente. Ou seja, uma tarefa muito exigente para um homem de 80 anos.

A homossexualidade, associada às práticas dos sacerdotes egípcios e dos governantes romanos, parecia a Moisés um intolerável desperdício de tempo, em se tratando de um povo pequeno e de baixa auto-estima. Portanto, é natural que esse octogenário simples e rústico pastor de ovelhas, muitas vezes hesitante com a própria missão que não escolheu, como se deduz das passagens em que Jeová se irrita com a timidez de Moisés.

Assim, concluímos que o veto bíblico à homossexualidade nada teve de pessoal ou subjetivo. Foi apenas uma estratégia política, militar e demográfica para garantir a coesão e, principalmente, a expansão daquele povo recém-integrado.

Entendemos que o rosário de perseguições, humilhações, espólio de seus bens, propriedades e mortes que sofreram os irmãos homossexuais ao longo da história do cristianismo, se deve a uma ignorância e intransigência atávica de líderes religiosos sectários, movidos muitas vezes por interesses escusos e nada fraternos.

Condenar os homossexuais a morte simbólica – como recentemente fez o Papa em sua encíclica ou a uma miséria afetiva e sexual como fazem os pretensos programas de “cura homossexual” das igrejas neo-pentecostais, é sinal de crueldade e de desconhecimento da onipotência, onisciência, onipresença e absoluta misericórdia do Criador que fez a estrela, a pedra, a planta, o verme, o cordeiro e o homem.

Mestrando em Letras pela UFC

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

CANTARES DE ORIXÁ


CANTARES DE ORIXÁ

CANTO A OLORUM

Evocar o criador
que vive no céu e acima dele
em todas as partes e em parte alguma.

Sua grandeza não cabe em templos, altares
ou ocas
e é tão pequeno que está no orvalho.

Sua voz é o trovão
Seu afago é o vento

Dispôs os campos
Ergueu montanhas
Criou os rios
Plantou o capim

A chuva cai
e amacia o dia
doce frescor

Ele é o Escultor
O que sopra
Traz as estações
O mais antigo
O que se encontra em todo o lado
O grande oceano cujo penteado é o horizonte.

CANTO A IEMANJÁ

Dos seios de Iemanjá
brotou rios para pescar
Do ventre de Iemanjá
nasceram todos os orixás

Estribilho:
Vou mergulhar nas águas
profundas do mar
Suas tranças
são de algas
as algas verdes do mar
Vou lavar minh'alma

Iemanjá casou com Odudua
que na hora da lua
partiu para guerrear
Iemanjá pariu Orugã
O senhor do ar
No dia que a vê nua
Orugã quer namorar

Repete o estribilho

Vou lhe reverenciar
com a pedra de Itá
bracelete de metal
e contas de cristal
É minha mãe Iemanjá
senhora das águas
na calunga grande
estão seixos e conchas
corais e rochas
vou pular sete ondas

Repete o estribilho

A oferenda anual
É de flor natural
colares, braceletes
tecidos, lenços de seda
perfumes, sabonetes
para minha mãe Iemanjá
Odoyá! Odoyá!

CANTO A OMULU

Sou filho de Omulu
e como Moisés
invocarei o senhor das moscas
para destruir o faraó

Mandarei gafanhotos,
pulgas, sapos, água em sangue
magreza e fome

Não mexam comigo
pois sou protegido pelo Inimigo
Não mexam comigo
que perfuro teu umbigo

Curo doenças, pestes, bexiga
varíola, lepra e aids
é só entrar numa simples maloca
de barro
e numa cuia me oferecer pipoca
e sarro.

CANTO A OXÓSSI

O caçador de tanga verde
traz o arco e a flecha
na sua elegãncia de atleta
domina os espíritos da floresta

Ele sorve o mel
doce nectar
sua oferenda predileta

As folhas de mangueira
farfalham
cantando sua leveza

Os jatis zumbem sobre brancas flores
O guerreiro descança à sombra da Oiticica
O irapuã recolhe seu ferrão
O aracati traz a brisa salina de Janaína
A buriti recende seus olores
Ogum é seu irmão.

CANTO A XANGÔ

Lá vem o rei
do império nagô
Ele vem forte, bonito
Seu nome é Xangô

Estribilho:
É o raio
É o fogo
É a balança na mão
É a fagulha,
a centelha do meu coração


Von invocar com todo vigor
O amante dileto da senhora Iansã
Um pai severo, todo rigor
Não tolera, não aceita
a mentira malsã

Ele afasta, ele enjeita todo langor
Atroz e certeiro como carapanã
Seu nome é Xangô

Repete o estribilho

Nas pedreiras vou buscar
a justiça, o empenho para me libertar
De marrom coloquei um lírio no chão
Lá no alto da serra soou o trovão
Vou cantar, vou dançar
Pra ele me abençoar

Repete o estribilho

Implacável, meu senhor
É o libertador
É guerreiro, destemido
Seu nome é Xangô

O SENHOR DOS FERROS

a Ogum


Os marciais estão chegando
vêm reunidos em exércitos
vestidos de vermelho, verde e azul.
São intrasigentes, brutais e agressivos.
Cultuam a faca, a foice, a espada, o sabre, a enxada, os ferros.

Com os ferros se cultiva a terra.
A imagem doa arado fazendo sulcos,
remexendo pedregulhos
e abrindo o ventre do solo.

Cantar a técnica, o uso, a perícia
A habilidade do estrategista.

CANTO A OXUM

Os raios de sol
perfuram a cerração
em meio ás árvores altaneiras

Próximo de uma palmeira
o rio corre cristalino
e cai na cachoeira

Negras se banham
nas águas claras
querendo ser parideiras
O instinto primitivo
as faz feiticeiras

Uma bela negra
farta de seios
e carnes
traz safiras, rubis
pulseiras, colares
É filha de Oxum
se olha no espelho
e borrifa perfumes
nos ares.

ORIXÁS SEGUNDO EDIR MACEDO


ORIXÁS SEGUNDO EDIR MACEDO
Charles Odevan Xavier


“Não se achará entre ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos”.
DEUTERONÔMIO 18.10,11.

O propósito deste estudo é analisar criticamente o livro “Orixás, Caboclos & Guias: Deuses ou demônios?” do Bispo Edir Macedo – 15ª edição. Rio de Janeiro: Universal, 2000.

Tentamos, através desta pesquisa, estabelecer um confronto entre fontes bibliográficas diversas, no intuito de sondar como o conceito de orixá é construído pelo proprietário da Igreja Universal do Reino de Deus. Por isso, somos obrigados a revelar que utilizamos as seguintes obras para podermos escrever este estudo. Sendo elas: “Bíblia Shedd: Antigo e Novo testamento – São Paulo: Vida Nova; Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997; “Livro de Exu: o mistério revelado” – Rubens Saraceni – São Paulo Madras, 2006; “As sete linhas de umbanda: a religião dos mistérios” – Rubens Saraceni – São Paulo: Madras, 2003; “Na terra dos orixás” – Ganymedes José – São Paulo: Editora do Brasil, s/d.; “Iniciação à umbanda” – Dandara e Zeca Ligiéro – Rio de Janeiro: Nova Era, 2000; “Orixás!”– Mônica Buonfiglio – São Paulo: Oficina Cultural Esotérica, 1995; “Lúcifer: O Diabo na Idade Média” – Jeffrey Burton Russel – São Paulo: Madras, 2003; “Introdução à Filosofia Védica” – Satsvarupa dasa Gosvami – São Paulo : Bhaktivedanta Book Trust, 1986.

AS VIRTUDES DA IGREJA UNIVERSAL

A IURD - Igreja Universal do Reino de Deus surgiu em 1977 no Brasil e hoje está presente em mais de 80 países.

Por apresentar um perfil de uma verdadeira multinacional da fé, deve ter chamado a atenção do Imposto de Renda e talvez, por isso, tenha adotado um seriíssimo trabalho social, em que ela oferece cursos gratuitos de qualificação profissional para trabalhadores desempregados. Isso em se tratando da realidade da capital do Ceará, onde moro, não saberia informar como esse trabalho é feito no resto do país.

A IURD do Bispo Macedo publica o jornal semanal “Folha Universal”, um interessante meio de comunicação distribuído gratuitamente, permitindo que o povão de baixa escolaridade e sem acesso às bibliotecas tenha à mão informações atualizadas sobre economia, política, comportamento e cultura.

AS VIRTUDES DE EDIR MACEDO

O Bispo Edir Macedo é orador, conferencista e tem doutorado em Divindades, Teologia e Filosofia Cristã.

A obra “Orixás, Caboclos & Guias: deuses ou demônios?” do bispo Edir Macedo é muito bem escrita e prende o leitor até o fim. Eu comprei o livro às 10 h da manhã e só parei às 23 h.

O índice instiga o leitor a ler o livro. A capa, extremamente apelativa (em tons vermelhos e pretos nas cores das elebaras da quimbanda), desperta a curiosidade de alguns e o medo supersticioso de outros.

A obra apesar de curta (156 pgs.) vale à pena ser lida por qualquer estudioso sério das chamadas religiões populares.

QUAL O OBJETIVO DO LIVRO DE MACEDO?

O Bispo Edir Macedo deixa claro na folha de rosto do livro (dedicada a todos os pais-de-santo e mães-de-santo do Brasil) e na introdução, que seu propósito não foi o de achincalhar os praticantes da umbanda, quimbanda ou candomblé, mas o de lutar contra o que chama de demônios “pelos quais tem repugnância e raiva” p. 7 ou “Não vamos falar sobre cada um desses assuntos, pois este livro tem a finalidade principal de esclarecer o leitor em relação à verdade que está escondida por trás de tudo isso, e não tem a preocupação de transmitir ensinamentos sobre essas coisas” p. 13. Assim, o livro não pretende difundir o que denomina de demonismo, mas combatê-lo.

Macedo revela ter lido registros de suposta atividade demoníaca desde as religiões mais remotas como o vedismo, o bramanismo e o hinduísmo (2000 a.C.), onde os chamados demônios seriam ora repudiados, ora adorados como deuses. Assim, segundo ele, tanto nas religiões hindus, egípcias ou babilônicas, quanto nos nativos da África e outras regiões, os “demônios” têm sido evitados ou adorados.

Em Sociologia é curioso o conceito de “ressemantização” ou “renomeação”. Ao longo do livro “Orixás, caboclos & Guias”, o autor se vale dessa eficiente estratégia discursiva. Assim, ao longo da obra Oxum, Iemanjá, Ogum, de orixás são rebatizados como demônios. (p.14) Macedo com isso pretende desmoralizar e desautorizar os orixás e toda a tradição ancestral afrodescendente. Dessa forma, ele intenta fazer com que o leitor que pegou seu livro fique receioso de voltar a freqüentar terreiros de macumba.

Mas cabe perguntar: será Macedo realmente eficiente no seu propósito? Depende do perfil do leitor em jogo. Pois, Macedo, como autor, fez sua parte. Embora o Bispo não revele em nenhum momento a bibliografia utilizada (um grave defeito em metodologia científica), percebe-se pela riqueza de elementos, que Macedo pesquisou muito para escrever o livro.

Assim, Macedo terá sido competente – e provavelmente o foi na maioria dos casos – em se tratando do leitor mediano (a imensa maioria do público consumidor de livros no Brasil) que acredita em qualquer coisa que se diga, principalmente, quando o dito aparece embalado numa erudição mínima. Mas o leitor acostumado com os volumosos livros de Helena Blavatsky ou Allan Kardec (uma minoria no país) poderá achar o livro de Macedo superficial e apressado.

O QUE SÃO OS ORIXÁS?

Orixá s.m. (bras.) Divindade secundária do culto jejê-nagô ou iorubano; ídolo africano; representação antropomórfica de um orixá. (Do ior. Orisa).
DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO – 20ª edição. São Paulo: Globo, 1991.

Orixá s.m. cada uma das divindades de origem africana cultuadas no candomblé, na umbanda, etc.
MINIDIOCIONÁRIO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA – Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

Vejamos como o Bispo Macedo responde a pergunta deste tópico:
“Na realidade, orixás, caboclos e guias, seja lá quem forem, tenha lá o nome mais bonito, não são deuses” p.16.

Nisso Macedo acertou. Os orixás realmente não são deuses. Mas no parágrafo seguinte Macedo tampouco revela a real natureza dos orixás:

“Os exus, os preto-velhos, os espíritos de crianças, os caboclos ou os santos são espíritos malignos sem corpo ansiando por achar um meio para se expressarem neste mundo, não podendo fazê-lo antes de possuírem um corpo” p. 16.

E o leitor impaciente deve estar perguntando: se os orixás não são deuses e nem espíritos malignos, afinal, o que eles são realmente?

Vejamos como a taróloga Mônica Buonfiglio responde a questão:

“Existem várias definições a respeito dos orixás. A maioria coincide em alguns pontos básicos, o que nos permite afirmar, de maneira resumida, que orixás são divindades (ori, cabeça, e xá, força) intermediárias entre o Deus Supremo (Olorum) e o mundo terrestre, que são encarregados de administrar a criação e se comunicam com os homens através de rituais complexos” p.22.

Também é interessante vermos a definição do médium e pai-de-santo Rubens Saraceni:

“A resposta é simples, irmãos amados: orixás são mistérios da criação que se manifestam por meio da natureza, ou da criação” p. 13.

Nas respostas de Buonfiglio e Saraceni obtemos pistas interessantes para decifrar o enigma orixá.

Os orixás africanos são na realidade padrões simbólicos de uma cultura específica.

Cada civilização humana produziu padrões simbólicos – ou arquétipos, na fraseologia do psicanalista Carl Gustav Jung – peculiares. Entretanto, como a própria teoria jungiana do inconsciente coletivo revela, há elementos comuns a todas as culturas do planeta Terra.

E Macedo parece intuir isto quando diz:

“Os rituais judaicos do Antigo Testamento são copiados pela umbanda, quimbanda e, principalmente candomblé. A maioria dos símbolos do espiritismo é copiada, infernalmente, do Antigo Testamento” p. 71.

Mas aqui o Bispo se equivocou. Pois na verdade aconteceu o contrário. É o judaísmo (religião do Neolítico) que copiou os rituais e elementos simbólicos dos cultos primitivos fetichistas e animistas do período paleolítico anterior ao Antigo Testamento, influência da qual a religião de Moisés até hoje não conseguiu se libertar. Tanto que a natureza sangrenta desses rituais pode ser vistas espalhadas ao longo do Antigo Testamento, onde o povo hebreu tenta aplacar a sede de sangue do seu irado Deus Jeová com freqüentes subornos e adulações nos holocaustos de carneiros degolados, oferecidos em altares dentro de sinagogas ou tabernáculos. Basta ver que Abraão se angustia ao ser obrigado a oferecer seu filho Isaac como holocausto ao Deus de Moisés, que o rejeita apenas porque estava de bom humor.

Os orixás são mitos africanos do mesmo modo que os personagens da Bíblia Sagrada são mitos hebraicos. Assim, como Jung estabeleceu paralelos entre todas as culturas, podemos estabelecer aproximações entre os padrões simbólicos iorubanos e os padrões simbólicos semitas.

OS ORIXÁS BÍBLICOS

Se orixá for entendido como um padrão simbólico, arquétipo ou modelo de conduta e comportamento podemos falar na existência de orixás bíblicos.

O leitor cristão estarrecido pergunta: mas o que tem a ver Moisés com Ogum? Ou Salomão e Oxalá? Ossãe e o profeta Daniel?

Dependendo do ponto de vista pode ter uma relação analógica. Assim, o líder militarista Moisés em muito se parece com os arroubos do colérico orixá da guerra iorubano. Ou o sábio Rei Salomão se assemelha ao pacato orixá sincretizado com Jesus Cristo pelas práticas do folclore dos escravos baianos ou o silencioso e prudente orixá das ervas pode ser assemelhado ao fiel e desprendido profeta Daniel. Tudo vai depender de quem realmente busca pesquisar sem concepções preestabelecidas.

Inicialmente comparar a cultura africana iorubana (matriz do candomblé baiano, da macumba pernambucana, da pajelança amazonense, da umbanda carioca, da santeria cubana, do voodu hatiano etc.) com a cultura semita da Palestina de Moisés e Davi pode soar forçado. E é compreensível. Afinal há muitas diferenças geográficas e temporais entre ambas. Pois enquanto os iorubanos-nagôs, habitantes de florestas abundantes em caça e pesca, conceberam um ser supremo, um criador do universo generoso e tolerante (Olorum ou Zambi), os hebreus, habitantes de desertos famélicos, conceberam um Deus rancoroso e sanguinário que os vingasse dos inúmeros cativeiros aos quais o povo hebreu esteve sempre submetido (o cativeiro egípcio, persa, babilônico, romano). Deste modo, cabe ao antropólogo e ao historiador reconhecer semelhanças entre culturas diferentes.

O que há de semelhante entre os cultos matrifocais da África subsaariana e os cultos patriarcais do oriente médio (judaísmo, cristianismo e islamismo)? Esta é uma questão muito complexa, que exigirá do leitor muita reflexão e paciência.

O Judaísmo surgido há quatro mil anos atrás é uma expressão típica do período neolítico, quando o homem deixou de ser nômade e coletor, descobriu a agricultura, inventou a propriedade privada e o seu efeito colateral mais violento e devastador: a escravidão. O Judaísmo é, sobretudo, uma expressão da transição do período paleolítico, em que a terra era de todos (caracterizado por Karl Marx como o comunismo tribal) e cabia à mulher idosa a transmissão dos saberes necessários à sobrevivência da tribo ao período neolítico, quando as tribos hebréias passaram a se aglutinar em torno de homens carismáticos e sábios (os patriarcas) com propósitos imperialistas e belicistas.

Por coincidência, algo semelhante ocorre com os cultos animistas e fetichistas da África na passagem da economia centrada na figura da mãe (matriarcado) para a economia centrada na figura do pai (patriarcado). Ou seja, os maridos que no paleolítico tinham uma função coadjuvante em face de uma natureza generosa em alimentos e recursos naturais, passam a ter, no Neolítico, uma função protagonista em face de uma súbita escassez material com o aumento populacional. Deste modo, os homens de companheiros solidários dos filhos e da esposa que domina os segredos das plantas, passam a ser os patriarcas opressores da mulher, de outros homens de outras tribos vencidas em guerras territoriais (escravos) e dos homossexuais, encarados como uma ameaça aos seus propósitos de expansão populacional. Assim, vemos o culto às divindades femininas (Yemanjá, Nanã, Oxum) serem substituídos pelo culto às divindades masculinas (Ogum, Xangô, Exu).

DEVEM-SE CULTUAR ORIXÁS?

Para o Bispo Edir Macedo o culto aos orixás, que ele chama de espiritismo “é uma verdadeira fábrica de loucos” p. 97.

E aí perguntamos: por que será que os hospitais psiquiátricos têm pacientes espíritas, umbandistas, católicos, ateus e também estão cheios de crentes pentecostais?

A doença mental não é privilégio dessa ou daquela religião. Pode acometer qualquer pessoa de qualquer idade, cor, classe social, grau de instrução, preferência política, religiosa e sexual.

A doença mental geradora de fenômenos espíritas (visão de vultos, vozes, dores de cabeça, nervosismo, depressão, idéias suicidas) existe e precisa ser diagnosticada e tratada.

Com o avanço das tecnologias computacionais, ramos recentes como a Neurociência poderão cada vez mais desvendar o que há por trás dos ditos fenômenos mediúnicos.

O próprio Bispo Macedo reconhece a força do cérebro humano:

“O homem, como já afirmamos, é o alvo principal dos demônios, pois criado à imagem e semelhança do Altíssimo, tem a faculdade de se expressar através dos cinco (ou seis) sentidos que o fazem distinto de todos os animais” p.21.

Deste modo, Macedo reconhece a existência do sexto sentido, também chamado em Parapsicologia de PES – Percepção Extra Sensorial.

É com ela que as pessoas pensam ver vultos, fantasmas de antepassados, parentes, os “encantados” da umbanda e as “elebaras” da quimbanda.

Em Psiquiatria alucinação é a percepção sem objeto. Ou seja, a pessoa acorda de madrugada e vê um homem todo vestido de preto saindo do banheiro e vê um escorpião negro de 50 cm na cabeceira da cama. Como é possível alguém ver um homem vestido de preto na escuridão do quarto? Simples. É a imaginação da pessoa que projetou o homem de preto ou o escorpião negro que lhe aterrorizou. A pessoa levanta, acende a luz e tanto o homem quanto o escorpião gigante desapareceu por encanto. Ou seja, homem e escorpião não existem. Mas por que aparecem? Simples. O escorpião e o homem de preto fazem parte do imaginário de quem os viu.

O imaginário humano é muito poderoso e criativo. Assim como ele criou os querubins e serafins também criou os exus e elebaras. Basta ir numa livraria católica para veres simpáticos serafins e querubins de resina ou ir a uma loja de umbanda ver medonhos e vermelhos exus e pombas-gira de gesso. Mas a pergunta é: anjo ou exu existem?

A pergunta é difícil. Porque o que é existir? Será que só existe aquilo que ocupa lugar no espaço (comprimento, largura e altura)? E como poderíamos medir, mensurar coisas inquantificáveis como, por exemplo, o amor, o ódio, a inveja, o ciúme, a compaixão?

Tudo aquilo que não pode ser de alguma forma mensurado é abstrato. A energia elétrica - existente desde o começo do cosmos e só descoberta por Benjamim Franklin no século XVIII - que não vemos, nem cheiramos; no entanto, pode ser medida e manipulada por instrumentos de precisão num laboratório de Física. Portanto, a energia elétrica por mais invisível que seja é real e concreta. O mesmo não ocorre com os chamados fenômenos espirituais.

A espiritualidade não é concreta, é abstrata. Ou dito de outro modo, é extra-sensorial, transcendental.

Voltando ao exemplo da livraria católica e da loja de umbanda. Os anjinhos de resina e os exus de gesso foram feitos por artesãos a partir de algum dado da realidade que nos cerca. Ou seja, passou de uma imaterialidade espiritual a materialidade da resina, do gesso e da tinta que são corroídas pela ação do tempo.

De onde os ditos médiuns videntes tiram os seus fotogramas cerebrais? Ou de onde saem as visões que afligem crianças impressionadas com histórias de terror contadas pelo avô?

Tudo é produto do cérebro humano, essa máquina maravilhosa e delicada criada por Deus. Uma máquina que produz o remédio e o veneno, a bola de encher e a bala dos 38.

Cultuar orixá ou cultuar Jesus Cristo ou cultuar os dois juntos depende da escolha e do grau consciencial de cada um.

Eu, particularmente, estudo os Orixás (como também estudo a Bíblia Sagrada), mas não sinto necessidade de oferecer farofa e charutos para eles.

O Bispo Edir Macedo optou por não cultuá-los – e isso é um direito dele, visto que vivemos num Estado Democrático de Direito – embora a liturgia de sua igreja se aproprie aqui e ali, da linguagem e das superstições da Umbanda (ex. sabonete do descarrego, tocar no manto do Pai das luzes, o amuleto mezuzah...) enfim, tudo muito estranho para quem critica ferozmente o fetichismo.

Mestrando em Letras pela U. F. C.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

ESTRATÉGIAS DE LEGITIMAÇÃO EM LIVROS DE UMBANDA


ESTRATÉGIAS DE LEGITIMAÇÃO EM LIVROS DE UMBANDA
Charles Odevan Xavier

Este estudo pretende analisar as estratégias discursivas de legitimação utilizadas por autores umbandistas.

Utilizamos um "corpus" composto por cinco livros publicadas nas décadas de 40, 50, 60 e 70. Para não congestionar o fluxo informacional do leitor, diremos o nome da obra no momento em formos analisar ou flagrar uma dada estratégia.

Este estudo justifica-se pela necessidade que temos de perceber: como certos critérios de edição, paginação, diagramação e, principalmente, de "prefaciação" foram utilizadas pelos autores umbandistas. E saber em que medida essa ou aquela estratégia discursiva flagra, sinaliza ou comunica a alta ou baixa auto-estima do escritor umbandista - o qual escreve sobre um culto popular visto pejorativamente por autores "sérios" ou de cultos "mais nobres".

Para começar nossa investigação iniciamos pela obra de Candido Emanuel Felix "A Cartilha da umbanda" - Rio de Janeiro: Editora Eco, 1965. O nome da obra 'cartilha' - um termo do universo escolar - revela a estratégia que o autor utilizou para legitimar sua obra. Ou seja, Candido Emanuel Felix deseja que seu pequeno, mas substancioso livro (144 páginas) seja tomado pelo leitor culto como um micro-manual para o adepto de Umbanda. O autor escolheu a metodologia da pergunta e resposta, não por acaso técnica já consagrada pelo "Livro dos Espíritos" de Allan Kardec ou pelo estilo do espírito Ramatis. No final de sua "cartilha" o autor apresenta uma série de orações aos orixás, mas utilizando de nomes de santos católicos. Nisto o escritor revela a dependência intelectual com o culto católico, que muito se percebe até nos altares (congás) da umbanda popular ainda hoje pejada por imagens de santos católicos.

No livro de Antonio Alves Teixeira (Neto) "Umbanda e suas engiras: umbandismo" - Rio de Janeiro: Editora Espiritualista, 1969; vemos a foto do escritor (um mulato de cabelo penteado e usando paletó); além disso o editor achou importante informar que o escritor em questão, não só publicou opúsculos e livros de umbanda, mas também livros sobre tabuada, noções elementares de aritmética e de que o autor é professor diplomado e membro da Academia de Letras do Vale do Paraíba. Ou seja, inferimos, pelo que foi enunciado, que se Antonio Alves Teixeira fosse um pedreiro ou um engraxate o editor não teria publicado a obra.

O livro mostra também fotos dos médiuns em impecáveis trajes formais, paletós, vestidos e cabelo cortado. Ou seja, quanto mais "esbranquiçado", urbanizado melhor. Nada de mostrar pessoas "incorporadas" por pretos-velhos analfabetos e pés descalços.

No livro de AB'D' Ruanda "Umbanda (catecismo)" - 3ª edição. Rio de Janeiro: Aurora, 1954; o próprio subtítulo já evoca o universo discursivo do qual o autor não conseguiu se libertar: a igreja católica. O autor muito preso aos lexemas católicos cria a partir deles extravagâncias do tipo: pontos rezados, credo. mandamentos de umbanda e sacramentos de umbanda).

A obra de Alfredo Alcântara "Umbanda em Julgamento" (o original não informa os créditos) é a que revela mais claramente essa insegurança, essse problema de identidade e de subserviência do escritor umbandista. O livro é apresentado por um escritor espírita kardecista e dois médicos kardecistas. É interessante perceber nome de médicos julgando uma obra umbandista, pois se sabe que por muitos antos a medicina oficial menosprezou o saber da "medicina" umbandista, considerada como responsável por danos e enlouquecimento de pacientes.

Para concluir, pensamos que os autores umbandistas - sejam utilizando de metodologias escolares-livrescas, vocabulário católico ou usando o aval kardecista - foram e são vítimas de uma ignorância em relação ao próprio credo que professa. A umbanda é rica e complexa (basta ler um WW da Mata e Silva ou um Rivas Neto) e não precisa está pedindo esmolas ou apadrinhamento de ninguém.

Mestrando em Letras pela UFC

BIBLIOTECA E CÂNONE DE UMBANDA


BIBLIOTECA E CÂNONE DA UMBANDA
Charles Odevan Xavier

Este estudo pretende analisar o acervo da Biblioteca da Cabana Luz do Congo – situada na Rua Gonçalves Lêdo, 1779 no bairro Piedade em Fortaleza – no sentido de buscar saber quais são os livros canônicos e quais seriam os livros proscritos da Umbanda, se é que eles existem.

SOBRE O ACERVO

O acervo da Cabana Luz do Congo foi organizado pelo pai de Santo da casa, Francisco Antonio dos Santos (pai Didi), hoje falecido, no ano de 1968. Parte do acervo foi comprado e outra parte foi doada ao longo dos anos, segundo informou o filho, Julio Francisco dos Santos, responsável pelo espólio do pai e pela adiministração executiva e financeira do Centro.

Seu Júlio informou que não há uma estatística de quantos pessoas utilizaram ou utilizam o acervo ao longo dos anos, que este tipo de informação se perdeu com a morte do pai. O que ele sabe informar com absoluta certeza, é de que o acervo atrai mais a atenção de pesquisadores das Universidades, do que propriamente aos frequentadores e dirigentes da casa. Este dado é grave, quando pensamos no perfil sócio-econômico dos frequentadores e dirigentes da casa: pessoas escolarizadas da classe média, funcionários públicos, profissionais liberais, comerciantes e empresários. Ou seja, os umbandistas cearenses não gostam de ler, pelo menos, na maioria dos casos.

Diante desse dado perguntei qual era a função de uma biblioteca que não desperta interesse. Seu Júlio respondeu que a intenção do seu pai ao compar do próprio bolso, reunir e organizar o acervo, era a de difundir uma umbanda esotérica iniciática em Fortaleza – corrente da qual a Cabana Luz do Congo é o único lugar na capital cearense, que professa este tipo de umbanda.

O acervo se divide por assuntos, sendo eles: Umbanda, Quimbanda, Kardecismo, Esoterismo, Racionalismo Cristão, Pietro Ubaldi, Budismo, História, Rosa Cruz, Filosofia, Chama Sagrada, Yoga, Diversos e duas prateleiras cheias de livros protestantes e católicos.

É interessante perceber a presença de livros do cânone protestante e católico numa casa de Umbanda. Pude conferir nas duas prateleiras obras evangélicas da Bible Students Association, dos Girões e da Casa Publicadora Brasileira, em títulos como as traduções de João Ferreira de Almeida do Novo Testamento e exegetas como E. G. White; como também, pude conferir títulos de duas importantes editoras católicas: Vozes e Paulinas.

Tal informação nos leva a supor que Pai Didi queria promover um diálogo inter-religioso, antes mesmo da moda ecumenista da década de 70 e um debate científico, que houve enquanto o mesmo dirigiu grupos de estudos, antes de ser vitimado pela velhice e doença.

PARA QUE SERVE UM LIVRO DE UMBANDA?

Muitos poderão perguntar qual é a utilidade de um livro umbandista, como por exemplo, um amigo da faculdade ao me ver com um livro, cuja capa tinha impresso a palavra “umbanda”, perguntou se era um manual de feitiços.

É curioso de que alguém ao ver um indivíduo com a Bíblia Sagrada, não faz a mesma pergunta, mesmo que o Antigo Testamento tenha uma coleção de feitiços feitos por Moisés para destruir os povos inimigos.

Assim, somos levados a perceber o caráter eminentemente prático do culto umbandista no imaginário da população brasileira, pois como mais de uma vez afirmaram certas autoridades do espiritismo kardecista, a Umbanda seria um mediunismo sem doutrina.

Analisando o acervo da Cabana Luz do Congo, podemos responder parte das perguntas feitas por leitores que nunca leram livros de Umbanda.

Na obra “A Cartilha de Umbanda” de Candido Emanuel Felix,publicada no Rio de Janeiro em 1965 pela editora Eco, temos perguntas do tipo: o que é umbanda? Pode-se aceitar Umbanda como religião? Como defenir o medium de incorporação? Como pode o medium trabalhar numa tenda? Entre outras. Deste modo, um livro de umbanda serve para divulgar aspectos doutrinários e não apenas limitar-se a conjuntos de descrições de feitiços ou de oferendas e receitas culinárias para este ou aquele orixá. Ou seja, a Umbanda, contrariando o diagnóstico de espíritas kardecistas apressados e desinformados, tem doutrina sim.

QUAL O CARÁTER DA DOUTRINA UMBANDISTA?

A doutrina umbandista existe e foi reunida por WW da Matta e Silva, em dez livros publicados pela Editora Freitas Bastos entre os anos das décadas de 60, 70 e 80. E pode ser conferida também nas obras do pai de santo e médico F. Rivas Neto e do poeta Roger Feraudy.

O leitor mais atento perceberá o caráter mestiço da doutrina umbandista, ao reunir influências afrodescendentes, indígenas, católicas, judaicas, islâmicas, kardecistas, rosa-cruzes, maçônicas e da Teosofia de Madame Blavatsky. Pois como o culto, a doutrina umbandista é uma espécie de síntese religiosa de todos os povos que existem na terra. E por ser síntese, ela é complexa e profunda. Tal fato talvez afastem os leitores umbandistas, que receiosos de nada entenderem ou acabarem confusos com esse cipoal de referências, acabam não lendo as obras que com tanto esforço Matta e Silva e seus discípulos sistematizaram.

EXISTE UM CÂNONE UMBANDISTA?

Geralmetnte quando se pensa em livros da tradição critã a noção de cânone pode vir à baila. Pois se sabe que os livros canônicos seriam aqueles aceitos e reconhecidos pelas altas hierarquias da Igreja Cristã. Já os apócrifos ou proscritos seriam aqueles livros que circularam na época de Cristo e foram – parte deles – descobertos nas cavernas salgadas de Qumram no Mar Morto em 1948. Estes livros foram e são mal vistos pela Igreja Cristã por revelarem dados e narrativas inconvenientes, como a suposta personalidade travessa e malvada da infância de Jesus Cristo ou o seu suposto casamento cheio de filhos com Maria Madalena.

Entretanto, hoje parte da Igreja já sabe conviver com os conteúdos estranhos e extravagantes desses livros. Tanto que já é possível encontrá-los nas livrarias católicas.

Em se tratando da Umbanda, a noção de cânone teria mais um fundo literário do que propriamente teológico, pois ao contrário da Igreja Cristã, a Umbanda não dispõe de um clero organizado e hierarquizado a policiar seus escritores. Assim, os livros do medium WW da Matta e Silva seriam canônicos no sentido de bem escritos e sistematizados.

Por isso, fica difícil de estabelecer um critério semelhante ao da Igreja Cristã, para tratar de supostos livros proscritos dentro do universo editorial umbandista.

Entretanto, como venho lendo o acervo da Cabana Luz do Congo desde o ano de 2002, posso falar não propriamente em livros proscritos, mas em livros toscos e mal escritos em profusão.

São livros com baixa fundamentação teórica, hesitantes e confusos.

Seriam aquelas obras que a partir do índice ou da ausência dele, dedicam-se mais aos aspectos litúrgicos ou ritualísticos da umbanda, do que propriamente em devassar suas origens e estabelecer parâmetros doutrinários.

Porém, tudo aqui é novo como sabiamente comentou o ogã da Cabana Luz do Congo. Ele mesmo nunca tinha parado para pensar na possibilidade de livros proscritos, até pelo fato inegável de que os praticantes de Umbanda não se interessam nem mesmo pelos livros bem feitos.

Assim, para concluir percebemos que nossa investigação apenas começou e partindo da constatação de que o público leitor umbandista prefere mais, quando se dispõe, a ler pontos cantados no intuito de decorá-los ou receitas de banhos de descarga, estaremos mexendo não apenas com problemas de uma comunidade religiosa específica, mas com o terrível hábito brasileiro de não gostar de ler.

Mestrando em Letras pela UFC.