sábado, 4 de setembro de 2010

Apesar do ateísmo
ainda jogo tarô
caiu a carta do afogado
e nada mais claro
para traduzir esse momento
de sufoco
e o meu cotidiano oco
sem amor e sem dinheiro.

terça-feira, 27 de julho de 2010

NOVOS PROLETÁRIOS, TOYOTISMO E REBELIÃO


NOVOS PROLETÁRIOS, TOYOTISMO E REBELIÃO
Charles Odevan Xavier

Este ensaio parte, sobretudo, de duas obras: uma de Ricardo Antunes “Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho” – 3ª edição – São Paulo: Boitempo, 2000 e uma de Anselm Jappe “As aventuras da mercadoria; para uma nova crítica do valor” – Tradução: José Miranda Justo – Lisboa: Antígona, 2006; também lemos uma entrevista de István Mészáros; assim como, alguns artigos de Robert Kurz da versão online em português da Revista EXIT!

O propósito deste ensaio é refletir sobre a configuração do chamado novo proletariado, em face do avento do toyotismo e suas implicações para uma transformação ou ruptura com a sociedade mercantil.

Em Ricardo Antunes constata-se que o velho proletariado – que se consolidou com o modelo de otimização taylorista/fordista e na política com o keynesianismo (Jappe;2006) – já não existe mais.

Mas o que é proletário? Deve ser a pergunta inicial para nortear nosso ensaio.Proletário é quem despossuído do meio de produção ( a lavoura, a fábrica, a prestadora de serviços) é obrigado a vender sua força de trabalho em troca de um salário.

Então já não há quem venda sua força de trabalho? Lendo Antunes não é bem isso que se conclui. Há proletários ainda mas estes ganharam novos predicados.

Para não ficarmos no campo da abstração, vamos dar um exemplo tirado da política brasileira. O próprio Luís Inácio Lula da Silva constata, que na época de sua juventude, bastava ao migrante nordestino como ele, fazer um curso de torneiro mecânico no SENAI, que o mercado de trabalho lhe acenava com o pleno emprego, enquanto que hoje um engenheiro mecânico formado pode ficar desempregado.

Para esmiuçar o que aconteceu nesse processo aqui, cabe buscar-se em Marx.Para o autor de “O capital”, Antunes diz que ele tratou o proletariado e a classe trabalhadora como sinônimos.

No século XIX, os trabalhadores assalariados eram centralmente proletários industriais.

Hoje a classe trabalhadora é o conjunto do que Marx chamou de ‘trabalhadores produtivos’.Desse modo, a classe trabalhadora hoje não se restringe somente aos trabalhadores manuais diretos, incorpora a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo que vende sua força de trabalho em troca de salário. Contudo, ela é hoje centralmente composta pelo conjunto de trabalhadores produtivos que são aqueles que produzem diretamente mais-valia e que participam também diretamente do processo de valorização do capital.

Antunes afirma que a classe trabalhadora hoje, engloba também o conjunto dos ‘trabalhadores improdutivos’. Aqueles cujas formas de trabalho são utilizadas como serviços, seja para uso público, como os serviços públicos tradicionais, seja para uso capitalista. O trabalho improdutivo seria aquele que não se constitui como elemento vivo no processo direto da valorização do capital e da mais-valia.
O capital também depende fortemente de atividades improdutivas para que as suas atividades produtivas se efetivem. Mas aquelas atividades improdutivas que o capital pode eliminar, ele assim tem feito, transferindo muitas delas para o universo dos trabalhadores produtivos.

Antunes constata um paradoxo do capitalismo atual: dado que a todo trabalho produtivo é assalariado mas nem todo trabalhador assalariado é produtivo, uma noção de classe trabalhadora deve incorporar a totalidade dos trabalhadores assalariados. Assim, a classe trabalhadora hoje é mais ampla do que o proletariado industrial do século passado, embora o proletariado industrial moderno se constitua no núcleo fundamental dos assalariados.Quer esses assalariados executem atividades materiais ou imateriais, quer atuando numa atividade manual direta, quer nos pólos mais avançados das fábricas modernas, exercendo atividades mais “intelectualizadas”( que num número reduzido), trabalhadores esses caracterizados por Marx como “supervisor e vigia do processo de produção” (Grudrisse).

Antunes incorpora na classe trabalhadora o que denomina de proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital, os chamados bóias-frias das regiões agro-industriais.

Mas o ponto de maior relevo, no ensaio de Antunes, é quando ele incorpora o proletariado precarizado, o qual ele denomina de subproletariado moderno, fabril e de serviços, que é ‘part time’, que é caracterizado pelo trabalho temporário, pelo trabalho precarizado, como são os trabalhadores dos Mc Donald’s, dos setores de serviços, dos ‘fast foods’, que o sociólogo do trabalho inglês Huw Beyon denominou de operários hifenizados, são operários em trabalho-parcial, trabalho-precário, trabalho-por-tempo, por-hora.

Nesta altura do ensaio de Antunes é que estão criados os desafios para as esquerdas, desde aquelas que querem administrar o capital, quanto aquelas que pretendem superá-lo.

O mundo que criou Lula não existe mais.

A primeira tendência que vem ocorrendo no mundo do trabalho hoje é uma redução do operariado manual, fabril, estável, típico da fase taylorista e fordista do pleno emprego. O proletariado industrial brasileiro teve um crescimento enorme nos anos 60 e fins de 70. O ABC paulista tinha cerca de 240 mil operários em 80, hoje tem pouco mais de 110, 120 mil[aqui utilizo dados estatísticos de Antunes, como o livro já tem 10 anos de publicação, pode ser que tenha havido uma redução ainda maior.]Se a Volkswagen tinha 40 mil operários, hoje tem menos de 20 mil, produzindo, entretanto, muito mais.

André Gorz percebeu que há uma tendência marcada pelo enorme aumento do assalariamento e do proletariado precarizado em escala mundial.Assim, paralelamente à redução de empregos estáveis, aumentou em escala insustentável o número de trabalhadores em regimes de tempo parcial, em trabalhos assalariados temporários.

Antunes diz que o capital reconfigurou uma nova divisão sexual do trabalho. Nas áreas onde é maior a presença do capital intensivo, de maquinário mais avançado, predominam os homens.E nas áreas de maior trabalho intensivo, onde é maior a exploração do trabalho manual, trabalham mulheres.

E o toyotismo onde fica nisso tudo? O toyotismo ou modelo japonês de gestão da cadeia produtiva é o principal responsável pelo surgimento desse novo proletariado. Não esquecendo é claro que a toyotização da produção não é causa, mas efeito da grande crise do capital com a revolução micro-eletrônica e com a falência do modelo keynesiano da década de 70 (Jappe;2006).

O Toyotismo, criado pela indústria automobilística japonesa, caracteriza-se pelo que seus executivos empolgados chamam de “redução do desperdício” e curiosamente os capitalistas japoneses se inspiraram no modelo norte-americano de gestão de supermercados, da indústria têxtil.Assim, com a intensificação do tempo e do ritmo de trabalho cria-se níveis insuportáveis de exploração do trabalho. A jornada de trabalho pode até reduzir-se, com a pressão de operários mais radicalizados, enquanto o ritmo se intensifica.

Desse modo, o processo toyotista de gestão da cadeia produtiva traduz-se pelo fato de que é um operário ou uma operária trabalhando em média com quatro, com cinco, ou mais máquinas. Enquano no modelo fordista e taylorista havia uma especialização de tarefas. Além disso, esses trabalhadores, sob o modelo japonês, são desprovidos de direitos ( a chamada flexibilização do trabalho) – como se vê no pólo industrial do município de Horizonte, tão enaltecido pelo Governo das Mudanças de Tasso Jereissati e continuado pelo Governo Cid Gomes – seu trabalho é desprovido de sentido, em conformidade com o caráter destrutivo do capital, pelo qual relações metabólicas sob controle do capital não só degradam a natureza levando o mundo à beira da catástrofe ambiental ( como o Estaleiro que Cid Gomes queria no Serviluz indiferente a um forte impacto sócio-ambiental), também precarizando a força humana que trabalha, desempregando ou subempregando-a, além de intensificar os níveis de exploração.

Desta forma, Antunes conclui que a classe trabalhadora atual é mais explorada, mais fragmentada, mais heterogênea, mais complexa.

Ainda que não houvesse uma homogeinização total no taylorismo/fordismo do século XX (trabalhadores homens, mulheres, qualificados e não qualificados, nacionais e imigrantes, jovens etc.) deu-se uma enorme intensificação desse processo, que alterou sua qualidade, aumentando e intensificando em muito as clivagens anteriores.

E como fica a consciência de classe em face da tayotização da cadeia produtiva? A antiga solidariedade operária ( de que se falava Bakunim) fica completamente prejudicada, pois o trabalhador passa a introjetar os valores do proprietário da empresa.Deste modo, qualquer resistência, rebeldia, recusa, sabotagem são completamente rejeitadas como atitudes contrárias “ao bom desempenho da empresa”, tornando o trabalhador um déspota de si mesmo. Deste modo, o trabalhador é instigado a se auto-recriminar e se punir, se a sua produção não atingir a chamada “qualidade total”. Assim, o trabalhador é levado a só pensar na produtividade, na competitividade, em como melhorar a produção da empresa, considerada sua “outra família”.

LIMITES DE RICARDO ANTUNES

Ainda que no ensaio de Antunes sejam levantados elementos extremamente inteligentes e pertinentes, é na parte final do livro que o pensamento do autor de “Adeus ao trabalho?” encontra seus maiores problemas.

Embora forneça um diagnóstico interessante sobre o novo proletariado e suas implicações para a transformação social, Antunes erra no remédio: ao propor o socialismo como solução para alienação desse novo proletariado no contexto da sociedade produtora de mercadorias.

Mas iremos esmiuçar bem essa parte para não cometer injustiças.

Antunes não quer o modelo de ‘socialismo num só país’ implantado pela stalinização do movimento operário. Ele quer um “projeto que tenha como horizonte uma organização societal socialista de novo tipo, renovada e radical”.

Em países emergentes dotados de significativo parque industrial como Brasil, México e Argentina Antunes vê um início possível de seu projeto.

Antunes acerta, parcialmente, ao ver na rebelião Zapatista do México como algo próximo de seu projeto – ainda que seja bom frisarmos que os Zapatistas não reivindiquem para si o termo socialismo; acerta ao identificar um potencial revolucionário nos movimentos dos trabalhadores desempregados e erra feio ao identificar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) como nova forma de organização que se rebela contra o sentido destrutivo do capital.

E para ilustrar nosso argumento, vamos citar o caso, conhecido entre anti-capitalistas autênticos, ocorrido no interior do Estado do Ceará.

No município de Acarape há um assentamento de trabalhadores rurais ligados ao MST.

O Assentamento era dividido em dois grupos antagônicos: um majoritário, composto por trabalhadores rurais evangélicos, ligado a cúpula do MST e um grupo minoritário, auto-denominado de trabalhadores autônomos, que discordavam do modelo produtivista hegemônico do MST.

O grupo majoritário predominantemente evangélico, dentro dos moldes produtivistas, chegou a desmatar criminosamente uma mata ciliar de madeira sabiá para vender lenha e desenvolveu uma monocultura de cana-de-açúcar para empresa Ypióca em regime de trabalho precarizado, enquanto o grupo minoritário passou a ser perseguido por ter denunciado o majoritário ao IBAMA e por ter recusado o crédito do BANCO DO NORDESTE para não endividar-se.O grupo minoritário era discriminado pelos trabalhadores evangélicos por não fazer queimadas e por adotarem princípios não invasivos da agro-ecologia e da permacultura.

Toda essa longa ilustração foi para demonstrarmos que o MST não representa nenhuma ameaça ao modelo poluidor e concentrador de renda do ‘agro-business’ e que seus trabalhadores longe de quererem se emancipar da lógica perversa do capital, querem desesperadamente se integrar a ela.

O ensaio de Antunes é tremendamente feliz em mostrar um contexto proporcionado pela toyotização da produção e da reestruturação do capital e o impacto da subcontratação.Pois hoje empresas como a BENETTON e a NIKE em vez de concentrarem sua produção no interior da fábrica, parcelizam o trabalho pelo mundo todo, criando aberrações como as facções onde pessoas trabalham em residências sem direitos trabalhistas em jornadas estafantes.

Antunes aposta demais num suposto caráter anticapitalista do sindicalismo brasileiro.Fornece elementos para entender a gênese e o desenvolvimento da CUT e suas acomodações social-democratas, contratualistas; a partir da Articulação Sindical, entendidas nas políticas de parcerias, nas negociações com o patronato, nas câmeras setoriais, com vistas “ao crescimento do país” e sua cada vez maior atrelação à burocracia do Estado.

Antunes espera que no interior do sindicalismo brasileiro se controle fortemente os monopólios.

Ao nosso ver, Antunes espera demais por partidos e sindicatos mergulhados até a raiz dos cabelos na reprodução do capital e não em sua superação.

Antunes espera até que os sindicatos passem a promover uma auto-organização classista dos desempregados. Quando vemos os sindicatos cada vez mais presos a política de migalhas para os filiados empregados e até incentivando práticas xenófobas, ultranacionalistas contra os trabalhadores e subproletários imigrantes ou com hesitações anti-semitas.

A NOSSA PROPOSTA

É muito difícil uma emancipação social radical enquanto se insistir em categorias imanentes à lógica do capital: estado, mercadoria, trabalho, dinheiro, valor, política, partidos, sindicatos, ong’s.

Anselm Jappe nos ajuda em muito a desenvolver uma proposta consistente e transcendente à sociedade mercantil.Enquanto Antunes propõe uma emancipação no trabalho e pelo trabalho, propomos a emancipação do trabalho, a abolição do trabalho.Nas situações em que o trabalho já desapareceu ou nunca chegou a estar presente condenando um terço da humanidade à lata de lixo social, só a emancipação do trabalho pode sacudir a sociedade mercantil.

Parafraseando Jappe se o capitalismo foi uma ‘expropriação de recursos’ agora é necessário organizar a ‘reapropriação dos recursos’.Desse modo, para finalizar, propomos o controle social da produção em escala transnacional.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A REVOLTA LUDDITA




A REVOLTA LUDDITA
Charles Odevan Xavier

Este artigo pretende analisar o Movimento Luddita que ocorreu na Inglaterra nas primeiras décadas do século XIX.O movimento foi organizado pelos operários ingleses, revoltados por terem sido expulsos do campo, onde tinham pequenas propriedades rurais e passaram a adotar técnicas radicais de sabotagem de máquinas ou até de destruição do maquinário fabril e têxtil, no que resultou numa dura reação por parte do governo inglês: vários operários foram enforcados por quebrarem máquinas.Ou seja, o capitalismo urbano-industrial nascente mostrava a todos os cidadãos precarizados das urbes quem era mais importante para ele: a máquina, o lucro, o bem-estar do patrão.

O operário não era importante.Sua subjetividade, seus sonhos, desejos não contava.O que contava era que ele acordasse cedo com escuro e chegasse tarde em casa.Dormisse no máximo cinco horas por noite apenas para recuperar as forças físicas, para no dia seguinte voltar a um trabalho estafante, num ambiente sujo, empoeirado, úmido, escuro, sufocante.No início da industrialização da produção urbana e fabril, os fabricantes obrigavam os pais até a trazerem os filhos para as fábricas.E além das constantes mutilações nas máquinas por parte dos adultos cansados e mal alimentados, as crianças também foram vítimas de mutilações além de castigos corporais dados pelos capatazes das fábricas.

Ou seja, todo esse contexto foi gerando um espírito de revolta na classe operária inglesa da época.E os operários passaram a fazer a coisa mais lógica: destruir o maquinário que os oprimia.

A historiografia burguesa ou marxista mostra os revoltosos ludditas como um movimento desorganizado e espontaneísta.Mas a historiografia de orientação anarquista, como a obra "Os destruidores de Máquinas:In Memorian" de Cristian Ferrer, editada pelo selo anarquista Imprensa Marginal ( Caixa Postal 665 Cep 01059-970 Sp -Sp - imprensa_marginal@yahoo.com.br) revela dados impressionantes sobre o tipo de estratégias utilizadas pelos operários daquela época.A organização não era rígida nem burocrática, mas era extremamente eficiente e solidária.

Várias vezes a polícia inglesa tentou cooptar a classe operária oferecendo recompensas para quem delatasse os líderes revoltosos.As pessoas iam a delegacia, faziam delações falsas, recolhiam o dinheiro e iam para outra delegacia pagar a fiança de líderes presos.Ou seja, demonstrando o grau de consciência de classe e consciência política do operariado inglês.Ainda que essa consciência não fosse fruto de uma elaboração intelectual muito sólida ou respaldada num saber livresco.Muito pelo contrário, a classe operária inglesa não era muito escolarizada até pelo fato de terem vindo da zona rural onde o acesso à escola era muito difícil.O que prova que o chamado "povão" só é otário quando quer.Ou seja, as pessoas de baixo poder aquistivo, de pouca escolaridade, quando sentem na pele que estão sendo oprimidas e humilhadas pelos poderosos tem a total capacidade de se organizar e botar o opressor para correr.

Mas um dado surpreendente para mim do livro de Christian Ferrer: a maioria desses revoltosos ingleses eram camponezes da igreja metodista.Ou seja, mostrando que a religião evangélica inglesa daquela época em nada se parece com a igreja evangélica brasileira de hoje, totalmente bajuladora dos poderosos.

Os operários ingleses estava acostumados com uma vida tranquila no campo, onde não havia luxo mas todos tinham o de comer e não precisavam pagar aluguel. Pagavam apenas uma parte do que produziam para o dono do feudo. Ser expulso para a cidade grande, para servir de mão-de-obra quase escrava, morando em bairros péssimos e tendo que trabalhar o tempo todo, foi uma experiência traumática para esses ingleses pobres.Porque no feudalismo os camponezes trabalhavam poucas horas por dia, dependendo da sazonalidade das safras, indo dormir quando o dia escurecia enquanto na cidade grande as pessoas acordavam cedo e não paravam de trabalhar, pois com a eletrificação urbana o patrão raciocinava que não havia motivo para ir para casa.

É lógico que isso agredia a saúde física e psíquica desses trabalhadores e a solução não foi ficar rezando por dias melhores ou esperando o repouso no céu.Os trabalhadores ingleses partiram para ação e resolveram radicalizar.Identificaram no maquinário uma forma de manutenção de uma sociabilidade nociva, insana.Identificaram no maquinário a simbologia de uma cultura de instrumentalização do ser humano.Ou seja, o ser humano reduzido a sua dimensão mais utilitária.E toda vez que um operário perdia um braço ou um dedo no maquinário e era sumariamente demitido sem nenhum direito ou indenização, ficava claro para a classe operária inglesa como os patrões os encaravam: como coisas e não como gente.Ou seja, como força de trabalho, como algo que dá lucro ou prejuízo e nada mais.

Ou seja, num sistema social brutal e odioso como esse, só havia uma forma de impedi-lo de perpetuar-se: destruindo o maquinário têxtil que o reproduzia.Destruir a máquina era um gesto de recusa a uma vida absurda e alienada.Ou seja, o que os operários queriam eram se reapropriar de suas vidas.Ter o total controle sobre ela.É lógico que a reação dos patrões, do governo e da polícia foi brutal: quem eram esses "caipiras", esses analfabetos que ousam se rebelar contra nossa tirania? Vamos enforcar todos os líderes desse movimento.

O movimento luddita foi esmagado pela classe dominante e suas técnicas assassinas mas por outro lado foi vitorioso, porque obrigou o governo inglês a conceder alguns direitos à classe operária.Como aliás sempre o Estado capitalista faz: para não perder tudo e produzir uma situação incontrolável de convulsão social, os gestores públicos acabam fazendo pequenas concessões ao povo.E é nisso que a classe dominada pode acabar sendo enfraquecida por acomodação, passividade e por uma falsa ilusão de que participa da sociedade de consumo quando o seu poder de compra aumenta, ainda que de forma insignificante.Contudo, os ludditas mostraram para os patrões que os trabalhadores não são os "carneirinhos" dóceis e mansos que eles incentivam com toda uma indústria da passividade.Mostraram que a qualquer momento o germe da revolta pode se espalhar novamente.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

CRÍTICA AO ZÉ MARIA DO PSTU


Este texto é uma crítica ao candidato Zé Maria do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado e surgiu quando assisti sua entrevista ontem a noite, no Programa Sabatina do Canal Record News da TV aberta.

O Programa começou com uma pergunta dos internautas que assistiam a entrevista.A pergunta era se fazia sentido defender o socialismo no século XXI? E o candidato Zé Maria deu a resposta pautada pelo programa do seu partido.

Segundo ele, o que chama de socialismo pós-estalinista, faz todo o sentido numa época de perdas irreparáveis para a classe trabalhadora.E ao meu ver o defeito do candidato Zé Maria e do seu PSTU é acreditar que esse 'socialismo pós-estalinista' seja muito diferente do capitalismo, quando a rigor não o é.

Senão vejamos. o Zé Maria fala em mais empregos através de políticas públicas como re-estatizações, nacionalizações de empresas de capital estrangeiro no país, plano nacional de obras públicas e tudo isso, seria sob controle dos trabalhadores, embora seu programa de governo não entre em maiores detalhes sobre como dar-se-ia esse controle operário.

Ora o que está em jogo aqui? A sociedade mercantil não foi posta em questão aqui.Como não foi posta em questão no socialismo soviético ou do leste que os inspira..Lá continou havendo mercadoria, trabalho, produção do valor, dinheiro só que sem a concorrência.

Zé Maria, tanto como Dilma, Marina e José Serra, defendem a sociedade do trabalho e não a emancipação do trabalho.O trabalho não serve para atender necessidades vitais, serve, na verdade, para criar mercadorias, independente de essas mercadorias serem nocivas ou não para as pessoas, como o caso dos transgênicos ou de automóveis que poluem a cidade e financiam as guerras.Basta recordar na entrevista o entusiasmo de Zé Maria pela indústria automobilísitca.

Zé Maria fala em redução da jornada de trabalho, quando o melhor seria uma sociedade livre do trabalho.

Zé Maria fala em controle dos trabalhadores, mas será esse controle dos trabalhadores
um real controle sobre a produção? porque como se entende no conceito marxiano do fetichismo da mercadoria, ocorre no capitalismo o contrário: é a produção autonomizada do valor, que controla as pessoas.E se a inspiração for o socialismo soviético e do Leste, lá a produção serviu para se fazer tanques e sputniks, quando o povo soviético mal tinha sabonetes para tomar banho.

Zé Maria faz uma apologia do Estado, ainda que operário ou sob controle dos trabalhadores, quando esquece que o Estado no capitalismo trasnacional é um apêndice do mercado e do poder econômico.Caso fosse eleito e tentasse nacionalizar multinacionais, a economia de mercado lhe mostraria imediatamente quem é que manda, com fugas de capitais.

E, num planeta mundializado pelo capital, é temerário um candidato, como Zé Maria, achar que o Brasil sozinho poderia ser um paraíso operário, quando o ideal seria haver não um país, uma nação sozinha, mas um mundo todo, onde a produção fosse controlada, coisa que escapa ao programa do PSTU.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

terça-feira, 1 de junho de 2010

MENINO COM MAR POR TRÁS


Menino de Verger
com mar por trás
o quente mar de Salvador
ou seria de Lagos?

A leveza desse menino me faz
pensar na leveza do meu momento
de espera e otimismo.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

PALAVROSOS


PALAVROSOS.

Minha prosa-poética precisa cantar alguma cidade específica.Precisa louvar algum herói que irá dar sentido a vida na cidade grande.Precisa tecer injúrias contra a civilização capitalista.Precisa, escrita imprecisa.

Guimarães Rosa escrevia aparentemente sem assunto no seu Grande sertão e somos confrontados com seu estilo caudaloso onde os substantivos e lexemas deliciosos do sertão mineiro e goiano nos pegam e nos seduzem, numa prosa livre e escorreita.

Pronto! Guimarães Rosa será meu primeiro herói na travessia deste texto interminável e palavroso.

Mas aqui o leitor talvez questionar-se-á se isso tudo aqui será literatura ou discurso sobre literatura.

Nem o autor sabe, querido. Proust também tem seus momentos metaliterários assim como Pedro Nava. E com essa filiação pretende penetrar surdamente no reino drummondiano das palavras.

Palavroso porque esse texto canta a própria impossibilidade de calar-se, nesse texto tagarela barthesiano.

A tagarelice pode soar ora prolixa ora o seu oposto lacônico.

A impaciência de ter de dizer algo útil, tipo ensaio acadêmico sem sê-lo, torna esse texto desesperadamente visceral e ascético.Ascese acesa.

O melhor seria eviscerar esse texto, tirar suas unhas de bicho de pena, seus canhões de galinha depenada e todas as suas impurezas e tripas.

Ficaria um texto heideggeriano, clareira do ser.Mas não seria como o seu autor, disfarçado nesse narrador trôpego que tenta não se mostrar, tenta se omitir do que narra e por isso tanto aparece e se mostra.

A metafísica talvez não caia bem nesse texto que não soube ler o dicionário de ontologia.Mas quem se importa? O editor teve a ousadia de publicar o livro e então o leiamos.

Agora ao escrever isso, lembrei-me de Foucault e o seu estilo lírico no Arqueologia do Saber.Mas ali não há literatura, embora pareça.

Estou me sentindo incomodado desse texto até agora não apresentar um enredo mínimo, uma trama qualquer, alguns personagens. Falta de criatividade do autor, talvez.

Esse é o mal dessa literatura pós-moderna que não quer vender um peixe qualquer para o leitor, que quer apenas comentar a literatura.Esse é o mal desse texto que começou bem frouxo e que talvez não consiga seduzir o leitor até o fim.

Vamos então fenomenologicamente cantar as cores da cozinha da casa do autor.Que tal?

Todo o impressionismo cinza dessa toalha no varal sacudida levemente pelo vento.Essa escada poeticamente ao lado de um botijão de gás de cozinha.Essa cercadura velha de bebê jogada no canto com seus róseos roídos pelo tempo.Apoteose freeganista.

Aquele prato indígena trazido do Pará lá na parede.Foi um encontro de estudantes interessante que houve em 98.Os rios sujos de Belém me impressionaram, assim como seus cemitérios sem muros.

O boi bumbá no palco da faculdade me soava como música andina, foi estranho.
Comi muito cupuaçu.Bolo, creme, sorvete, trufa...tudo de cupuaçu.Fiquei pesando uns 98 quilos no fim da viagem.

Mas gostaria de ter me misturado mais com o povo de Belém, ficamos todos muito isolados no campus da UFPA.

Tenho uma foto tirada em frente a uma casarão de Belém dessa época.Um casarão verde com madeirados brancos e velhos.

Andamos pela cidade de Belém a procura de artesanato indígena até que encontramos num bairro que não lembro o nome.

Pronto! De repente o texto adquiriu uma dicção memorialista ora bolas! ora rolas!

Mas, para quem havia citado Pedro Nava, até que uma pitada de memorialismo cai bem

Os pregadores repousam lívidos e líricos sobre o varal de roupa.Por que não descrever as bugigangas jogadas numa das mesas da cozinnha?

Descrever coisas sem valor tem sido um traço do modernismo literário.Que o diga Manoel de Barros.

Lá fora toca um forró eletrônico desses bem derrubados.Tenho um amigo, o Calanguete, que sempre ironiza esses ritmos populares – tipo swinguera, forró, pagode e outras merdas - de forma muito engraçada, que só falta me acabar de rir.

Não que os meus amigos sejam palhaços mas eu gosto muito de rir com eles.

A enunciação do texto saiu de uma impessoalidade para a primeira pessoa e pode voltar a impessoalidade novamente sem aviso prévio ao leitor.

Estou ouvindo agora a OI FM pois estou enjoado das músicas do meu MP5.Um programa de black music americana.Depois de 25 minutos ouvindo soul music a gente fica um pouco achando tudo muito sacal.Espero que mudem de programação porque tá chato.

Num dos textos de Leila Perrone-Moisés sobre o noveau roman ela comenta que um dos autores franceses, na falta de assunto, começou a descrever que furiosamente remexia os próprios bolsos...

...Eu preciso escrever sobre qualquer coisa numa prosa poética, como sou ensaísta tudo escrevo parece que sai meio como que comentário ou crítica.

Agora em 2010 preciso encontrar meios de sobrevivência.Penso em dar capacitações em africanidades e religiosidade para professores da rede pública.Tudo vai depender das negociações com uma empresa que conheci.

Talvez coloque um negócio próprio de pesquisas escolares, pois agora que tenho um notebook falta só instalar internet (ainda que seja internet discada). Digo talvez porque eu tenho o imóvel mas não tenho o capital mínimo para investir.

Hoje postei uma crítica ao Berkelley em Bellagio do romancista gaúcho João Gilberto Noll em meu blog.Consegui uma foto dele no Google. Na foto o autor de Fúria do corpo está sentado numa poltrona ao lado de uma pilha de livros.

Fico pensando no dia que serei eu a ter uma foto ao lado de uma pilha dos meus próprios livros até agora não publicados. My god! Aquele orçamento de 23 mil reais por uma tiragem de apenas 3 mil exemplares do meu livro de crítica de 350 páginas dado por uma editora local, me deixou bem desanimado para publicar.

A editora 7Letras, por sua vez, não se manifestou até agora sobre meu livro enviado a mais de 6 meses.

Agora nessa hora da madrugada fico pensando no bem que faria se voltasse a estudar inglês de conversação.Teria mais chances de dar aulas de cultura brasileira em alguma universidade americana.

Se vir o dinheiro do Ministério da Cultura logo, penso em comprar um teclado para eu mesmo poder compor as trilhas dos meus vídeopoemas

Preciso concluir o mestrado em literatura para ver se as portas profissionais se abrem para mim, pois só com a graduação serei obrigado a dar aulas para adolescentes chatos e barulhentos.

Mas o que tem a ver esses últimos parágrafos com o tom inicial da prosa-poética? Ficou excessivamente confessional? Talvez.De repente o texto virou um trecho de diário íntimo muito bom para um blog mas fútil demais para ser arrolado entre grandes autores.

Voltemos a ser confessionais...

...O que devo pesquisar no mestrado? A obra Bere’shit do poeta e crítico Haroldo de Campos? As cartas de Caio Fernando Abreu? Ou Berkelley em Bellagio do Noll? As razões instrumentais de se pesquisar o livro em que o poeta paulistano “sampleia” passagens do Gênesis e as refaz do seu modo são simples: aproveitaria o que ando lendo sobre religião, me desenvolveria como tradutor e mexeria com um autor que é mais badalado pelo concretismo - que ele próprio abandonou após 1963 – do que mexer com o seu lado ensaísta e tradutor. Já as cartas de Caio Fernando Abreu são um ótimo corpus
para se conhecer as nóias do autor de Morangos Mofados, assim como conhecer a época turbulenta do mesmo.Por sua vez o livro de João Gilberto Noll é extremamente instigante.A única vantagem dos três temas é que eu posso ser orientado pelo mesmo professor.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

ALTA VOLTAGEM LÍRICA DE JOÃO GILBERTO NOLL



ALTA VOLTAGEM LÍRICA DE JOÃO GILBERTO NOLL

A obra do romancista gaúcho João Gilberto Noll vale pela poligrafia.Produziu desde contos (Ex.: Máquina do Ser), passou por um livro de fragmentos (Mínimos, múltiplos, comuns) até romances caudalosos e barrocos( como Fúria do Corpo); assim como escreveu um romance curto veladamente autobiográfico (Berkelley em Bellagio)

No livro “Berkelley em Bellagio” as instâncias de enunciação se revezam entre a primeira pessoa e terceira pessoa.A impressão que se tem é de que Noll queria ficar invisível na narrativa através do recurso da terceira pessoa, mas em outros momentos o romancista utiliza marcas verbais da primeira, principalmente quando ele (o narrador)
se entrega aos prazeres da carne com outros homens

Através das marcas verbais pode-se inferir que em alguns momentos luxuriosos da narrativa, Noll tenta se esconder através dos pronomes , de terceira pessoa, mas em outros ele assume a sexualidade agônica através dos pronomes oblíquos .

Noll ficcionaliza a sua autobiografia, de escritor pobre e sem recursos no Brasil, ele resolve descrever as suas estadias no estrangeiro - dando aulas em universidade americana ou recebendo prêmios num congresso de escritores na Itália.

As mudanças espaciais na narrativa são feitas sem maiores sinalizações para o leitor,
deixando a obra confusa e delirante. Noll em alguns momentos não deixa claro se está nos Estados Unidos ou na Itália ou em Porto Alegre, tal é o simultaneísmo narrativo.Algo que chamou a atenção de Ítalo Morriconi visto como “literatura de superposição entre narrador ficcional e alter ego de autor”

Berkelley em Bellagio é uma prosa poética de alta voltagem lírica. Em que seus personagens errantes passeiam por paisagens urbanas cheias de tédio, angústia, tudo embalado numa carga erótica que chega ao brutal.

sexta-feira, 26 de março de 2010

O DESESPERO


Estranha forma de se acompanhar nesta sexta-feira

a noite: lendo Haroldo de Campos na internet.


Estranha forma de se dispersar

ouvindo os berros de adolescente na lan-house


Na rádio tocando algo que não tem nada a ver com o texto lido

espremido grito o tido o vido o espre-me-ssido çido
extremamente estremecido.


Que poema besta!