sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

CRÍTICA AOS VÍDEOS RECENTES DA PRODUTORA ALUMBRAMENTO





CRÍTICA AOS VÍDEOS RECENTES DA PRODUTORA ALUMBRAMENTO
Charles Odevan Xavier

Este ensaio pretende analisar a produção recente da Produtora Alumbramento exposta sob forma de três documentários presentes na Exposição “Viva Fortaleza!1950-2010”; a qual teve curadoria de Patrícia Veloso e que está em cartaz no Memorial da Cultura Cearense do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura em Fortaleza – Ceará.

Irei examinar as obras: “Supermemórias” dirigida por Danilo Carvalho; “Casa da Vovó” dirigida por Victor Melo e o “Cidade Desterro” dirigida por Gláucia Soares.

A POÉTICA DA MEMÓRIA

O documentário “Supermemórias” - 35mm, 20 min, CE/BRASIL, 2010 – dirigido por Danilo Carvalho – Dona Bela Amores e Filmes/Alumbramento.

O filme pretende ser um olhar poético sobre a memória afetiva dos fortalezeses anônimos e comuns.

O filme é uma colagem de registros filmográficos caseiros capturados em super8mm de cenas cotidianas da década de 60, 70 e 80 no litoral de Fortaleza.

É interessante ver o filme começando mostrando a pouca ocupação predial da beira-mar fortalezense no ano de 1972.

Na sequência seguinte mostra as ruas do Centro de Fortaleza e sua típica selva de pedra cinzenta.

Em seguida mulheres grávidas aparecem em camas de hospital...corte abrupto: crianças brincando...corte abrupto:um parto no hospital...corte abrupto: onda do mar e imagens capturadas dentro de um barco...corte abrupto: pessoas tomando sol na praia, banhistas pulando da ponte metálica antes da restauração do arquiteto e urbanista Fausto Nilo.

Na trilha-sonora só consegui identificar a voz de Fernando Catatau.

E continuamos vendo jovens de cabelos grandes num provável close setentista; banhistas, famílias ouvindo chorinho e samba; saraus familiares com recitação de poesia.

Tudo muito fragmentado... e tome festas de aniversário de criança.

Até uma interrupção brusca no filme em que aparecem apenas texturas gráficas, enquanto em off voz de pai procura filho e depois voz de mãe pergunta por filho na secretária eletrônica.

Depois o filme volta a mostrar cenas caseiras de “bang bang” de meninos no quintal.

Desfiles de 7 de Setembro desfocadas com imagens sobrepostas de assembléia do movimento estudantil.

Como se vê a arte pós-moderna (Fredric Jameson) ou contemporânea (Michael Archer) canta a banalidade do cotidiano, o ordinário, o comum; e o único momento que o filme poderia ter um viés mais engajado não chega a durar nem 40 segundos, revelando que nós não temos mais tempo para o empoderamento polítcio, para a militância; pois a Assembléia de estudantes (um deles tem uma blusa b ranca com o rosto do Che Guevara) soa como um protesto datado, silencioso e impotente contra o desfile militar que conta com mais segundos, cores, barulhos, sons e glamour.

Assim, diríamos que num filme de 20 minutos - que assisti em pé dentro de um museu – sobre o passado de Fortaleza vivido nos anos de chumbo da ditadura militar há apenas 40 segundos de política explícita, o resto é preenchido pelo mais aborrecido, desfocado, corriqueiro e chato cotidiano.Talvez a intenção política do documentário seja a de mostrar que naqueles anos as pessoas comuns também iam a praia se divertir para talvez esquecer que estavam sob o jugo do momento mais duro do governo Médici.

O resultado icônico é que o vídeo é bem realizado e editado e a trilha-sonora ajuda a criar um clima saudoso nos que eram jovens naqueles anos e curioso nos decendentes dos personagens daqueles anos.

A POÉTICA DA DOMESTICIDADE

No documentário “Casa da Vovó” - miniDV, 24 mim, CE/BRASIL, 2008 – a direção é de Victor de Melo e Alumbramento.

O filme em preto e branco começa com uma criança cantando uma canção folclórica:”como pode o peixe vivo?...”

Dissolvência numa parede branca revelam cenas familiares.

Depois a mesma menina aparece sentada choramingando em cima de uma cama com um livro da escola do lado. Com o tempo ela ri, sugerindo a doçura da infãncia.

A câmera foca o fogão na cozinha fazendo almoço. Uma voz de mulher idosa canta uma música do cancioneiro popular que não consigo identificar.

Depois close na Santa ceia que aparece empendurada numa parede.Sons metálicos de panela e louça.Programa policial de tv ao fundo sonoro.

Foco na cozinha da casa.Fotogramas em dissolvência revelam as festas de aniversário que provavelmente aconteceram ali.

Em seguida uma moça varre a casa.Ao fundo programa esportivo radiofônico.Nesse momento a alvenaria danificada da casa (rebôco caindo) sugere o estrato social de baixo poder aquisitivo daquela edificação.

Jogo de claros e escuros nos “combobòs” e frestas para o quintal onde são estendidas roupas no varal criam agradáveis geometrizações plásticas.

Em seguida uma câmera num tripé mostra num giro de 360º graus a sala de estar dessa casa simples. Chama a atenção a quantidade de gaiolas de pássaros nos sofás.

A arte pós-moderna faz pastiche e assim aparecem meninos mulatos brincando no “terreiro” da frente da casa que evocam o fotógrafo francês Pierre Verger.

Depois close de calendários ou sobre santos católicos compondo uma cenografia “Kitsch” ou cafona.

Uma vela acesa em frente a um santo católico brilha criando forte impacto visual e começa o programa de rádios do Pe. Manzotti, enquanto a moça limpa o banheiro.

Dois planos de imagens justapostas revelam numa metade algo que parece ser uma tela de computador ou tela de televisão e na outra metade: um varal no quintal com bermudas masculinas.

“Casa da Vovò” celebra o cotidiano, o familar, o afetivo, o lugar da delicadeza e da ternura.Além de ser muito belo para os olhos.

A POÉTICA EM TRÂNSITO

O documentário “Cidade Desterro” - DV, 15 mim, CE/BRA, 2009. - dirigo por Gláucia Soares e Alumbramento começa com uma voz feminina em off que descreve o que Glaucia faz com objetos cênicos.Só que mostra apenas os gestos e objetos, o resto do corpo de Glaucia não aparece.

Uma segunda voz feminina diz uma prosa-poética.E numa poética em trânsito a personagem percorre diversos bairros de Fortaleza.Assim temos belas imagens do pôr do sol na Barra do Ceará próximo a ponte do Rio Ceará.E a prosa poética pontua o lugar de forma bonita.

Depois imagens no interior de um ônibus indo ou vindo da Praia do Futuro onde uma mão cola fotos na vidraça da janela do ônibus. Em seguida imagens no interior de um carro revela os morros do Rio de Janeiro ou o aeoroporto Galeão.

Depois a câmera mostra um playground na cidade 2000.

Fotos em preto e branco de homens construindo uma casa.Papel boiando na água do mar.Três negativos de foto são levadas na correnteza.

Uma foto de Glaucia some na correnteza e espuma.

Uma caixa coberta por um papel de bolinhas aparece.Glaucia tira objetos dela: cartas, cd do Chico Buarque, Fotos, pequenos bilhetes feitos à mão, slides, um cd de Elza Soares e o livro “As veias abertas da América Latina” do esquerdista mexicano Edaurdo Galeano.

No inicio do filme eu pensei que a primeira voz feminina sempre descrevendo o que em seguida se ver, fosse um procedimento estético proposital de estranhamento brechtiniano.Mas só no final da projeção e com os letreiros finais é que descubro que se trata de uma áudio descrição para deficientes visuais.

Dos três vídeos examinados é este o mais singelo, leve, com sua bela prosa-poética refrescante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os três vídeos revelam sua filiação a um “zeitgeist” pós-moderno: em que o político é difuso e estetizado; o sagrado, quando aparece, é “kitsch” e cafona; e o familiar e o banal são glamourizados.

Vale a pena ser visto, ainda que ficar em pé nos 59 minutos totais dos três juntos possa causar algum desconforto para o espectador.

Pesquisador e ensaísta.

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