Blog de crítica cultural e criação poética. Propõe o controle social da produção em escala transnacional.Questiona a sociedade pautada pelo dinheiro, valor, trabalho, representação política, capital, mercadoria, estado e outras categorias imanentes à sociedade produtora de mercadorias. Exibe exegese bíblica não-cristã para descristianizar as subjetividades.Exibe pesquisas sobre sistemas simbólicos das religiões da diáspora negra.Exibe estudos LGBTT numa abordagem anarco-punk queer.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
SOLOS PARA CORPOS SÓLIDOS
SOLO PARA CORPOS SÓLIDOS
Este texto pretende analisar os dois solos apresentados no Mês de Fevereiro, no Projeto Quinta com Dança do Teatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.
O solo "Cabeças.com" foi coreografado e executador por João Carlos Rodrigues e o solo "17 pontos", coreografado e executado por Andrea Sales.
Eu, particularmente, não gosto em artes cências de solos ou monólogos. Aliás, se formos insistir no cânone dramatúrgico: 'drama' é ação, conflito. Logo pede dois personagens, no mínimo. Fica difícl imaginar um conflito sendo perpetrado por um único ator (ou no caso, bailarino). Ou seja, o conflito, a querela pede duas vozes (ou dois corpos) em disputa. O monólogo (ou o solo) é um discurso único, ou uma única voz, a ruminar ou regurgitar-se auto-referencialmente.
Dessa forma, em dança, tenho preferência por grandes elencos, tipo os espetáculos da Síliva Moura ou do balé Edisca.
Entretanto, sou obrigado a reconhecer que em tempos de vacas magras e retração econômica, fica difícil uma companhia de dança pagar as pautas dos teatros sem parceiros peso-pesados ou gordos patrocínios. Deste modo, pôr vinte pessoas num palco como Sílvia Moura gosta de fazer, é inviável economicamente.Ainda que seja belo cenograficamente.
Também sou obrigado a reconhecer a força expressiva dos solos apresentados por João Carlos Rodrigues e Andrea Sales.
Em "Cabeças.com", os movimentos de João Carlos Rodrigues evocam aqueles tiques nervosos que nós extravasamos no silêncio solitário de nossos quartos à noite. O solo oscila entre um repertório de gestos cotidianos comuns, banais a rompantes bruscos e convulsivos de quem passa por sofrimentos psicológicos intensos.
As camadas sonoras da sonoplastia e as camadas de luzes criam uma atmosfera angustiante, cujo ápice dramático é o momento em que o personagem de João Carlos Rodrigues, assoberbado por conflitos psíquicos, esconde-se debaixo da cama.
João Carlos Rodrigues, embora estreante, exibe um controle rigoroso e preciso do corpo. Um corpo talhado em muitas horas de dança, necessário às oscilações do personagem entre a leveza e as convulsões. Um retrato desse homem pós-moderno, assoberbado por um terrível estresse emocional e físico e pelas angústias de uma crise civilizacional - que é distante enquanto se trata de o World Trade Center desabando repetidas vezes nos canais de televisão e que passa a ser próxima no primeiro assalto ao sair de casa para trabalhar de madrugada ou na primeira pedrada que levou no ônibus de volta do trabalho pela torcida organizada inimiga, em dia de clássico no Castelão.
Em "17 pontos" de Andrea Sales vemos a tradução deste homem contemporãneo estressado no corpo feminino. A bailarina busca no estudo sobre os apoios e alavancas do corpo figurar a mulher contemporãnea oscilante entre as solicitações feminis e a brutalização pedida pela sociedade pós-industrial, que requer corpos sólidos, eficientes, robóticos da cadeia produtiva toyotista.
Como o homem ou a mulher não são os andróides exigidos pelos "ISO9000", Re-engenharias e Qualidades Totais do cotidiano instrumental da sociedade capitalista atual, sobra angústia, perplexidade e desespero. Tudo coberto por camadas de luz e som melancólicos. Contudo, há momentos de otimismo como na pasagem em que delicadas texturas da música "Pagan Poetry" da cantora islandesa Björk sugerem uma humanização dos andróides criados pela mundialização do capital. Ou seja, talvez se o homem resgatar o que foi no período paleolítico, antes da descoberta da agricultura, propriedade privada e escravidão, evocado pela letra de Björk, ainda haja alguma esperança para a espécie humana.
Charles Odevan Xavier
Mestrando em Letras pela UFC.
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