Blog de crítica cultural e criação poética. Propõe o controle social da produção em escala transnacional.Questiona a sociedade pautada pelo dinheiro, valor, trabalho, representação política, capital, mercadoria, estado e outras categorias imanentes à sociedade produtora de mercadorias. Exibe exegese bíblica não-cristã para descristianizar as subjetividades.Exibe pesquisas sobre sistemas simbólicos das religiões da diáspora negra.Exibe estudos LGBTT numa abordagem anarco-punk queer.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
NORDESTINOS TALHADOS EM MADEIRA E BARRO
NORDESTINOS TALHADOS EM MADEIRA E BARRO
Charles Odevan Xavier
Este estudo pretende analisar a exposição "Mestres do Artesanato Nordestino" que está em cartaz no Centro Cultural Banco do Nordeste no período de 01 de Fevereiro a 30 de Abril de 2005.
A exposição tem curadoria e textos de Jacqueline Medeiros.
Este estudo parte de um esforço de minha parte, no sentido da elaboração do que venho nomeando de "Teoria da Plasticidade Nordestina", a qual se instaura no diálogo com a obra do sociólogo francês Pierre Francastel ("A Realidade Figurativa" - 2ª edição. São Paulo:Editora Perspectiva, 1993) e a obra do Jornalista e Professor cearense Gilmar de Carvalho - particularmente com os livros "Mestres Santeiros: Retábulos do Ceará" - Fortaleza : Museu do Ceará: Secretaria da Cultura do Estado Ceará, 2004 e "Xilogravura: doze escritos na madeira" - Fortaleza : Museu do Ceará : Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará, 2001. Ambas as obras mencionadas fazem parte da Coleção Outras Histórias, coordenada pelo Professor do Curso de História da Universidade Federal do Ceará Francisco Régis Lopes.
Toda crítica de arte pressupõe o estabelecimento de critérios de aferição da obra examinada e sua relação com as demais da exposição em que está inserida; o diálogo e/ou confronto com o cânone e a tradição acadêmica ou popular tomada em questão.
A exposição é de artesanato e não do que a academia chamou de belas artes. Portanto, é dentro desse território epistemológico, que o mercado editorial de artes convencionou chamar de artes aplicadas ( arquitetura, "design", mobiliário, vestuário, decoração, gastronomia etc.) que devemos considerar as realizações da Família Candido, residente na casa da rua Boa Vista, n° 49, em Juazeiro do Norte - Ceará (a fértil e abençoada região do Cariri) e o seu repertório modelado em barro cozido e inspirado na cultura nordestina: bandas de música, reisados, lapinhas, presépios, romarias, quadrilhas e fases da vida de Pe. Cícero, para citar alguns.
Que tipo de modelos estéticos são postos pelos filhos do mestre Seu Américo em Fazenda Nova - Ceará, quando empregam instrumentos de trabalho como faca, estilete usado para os detalhes de acabamento, tábua de madeira e as mãos firmes e agéis?
Que elementos afetivos e simbólicos estão em jogo, quando a matriarca Dona Maria de Lourdes junto com as filhas sentam no terreiro da casa, como se brincassem feito criança e em jorros de criatividade inventam outros materiais ou reutilizam o que se encontra no seu cotidiano, como os índios cariris feitos de cerâmica que possuem adornos de palha e pena de capote encontrados no munturo do quintal.
A exposição apresenta duas categorias de artistas populares: os consagrados e os anônimos.
Deste modo, vemos uma intencionalidade racionada no rigor geométrico construtivista das esculturas do cearense Zenon Barreto, feitas com materiais ordinários do cotidiano sertanejo: os estribos pretos oxidados e imprestáveis para a cavalaria, precisamente montados, formando composições equilibradas; os chocalhos pretos enferrujados em lances alternados; os pares de lamparinas de flandre estanhado.
Também o "Dom Quixote", feito de sucata de ferro automobilístico pintado de preto pelo cearense Zé Pinto com nítidos traços cubistas e estilizados ou o "Gari" esculpido em ferro comum do potiguar Dimauri, revelam uma seriedade serialista que em nada lembram as vibrantes miniaturas de papelão do cearense Willi de Carvalho, representando carrosséis de parques de diversões com fitas e bandeirinhas coloridas de São João ou as quermesses nas praças dos vilarejos interioranos com seus carros de boi.
O elemento religioso se faz presente na escultura de barro "Artesão encenando (sic) ao menino Jesus o ofício de carpinteiro" do pernambucano Antonio José da Silva; na qual aparece um carpinteiro de cabelos lisos com serrote fazendo tamborete e um menino Jesus com um martelo na mão e traços europeus. O panejamento das roupas medievais, a precisão dos traços e a cor marrom fazem a obra parecer de madeira.
Também no "São Francisco" em barro cozido do pernambucano Geminário André da Silva, em que o panejamento do manto e a graciosiade dos pombos sobre seu corpo dão a ilusão da obra também ter sido feita em madeira.
Assim como o "Santuário" em madeira serrada feito pelos artesãos cearenses da Associação Padre Cícero que dosa uma urdidura mourisca, a imponência gótica de suas torres apontadas para o céu e o excesso barrôco do seu verniz. Ou ainda a surpreendente "Nossa Senhora Coração de Maria" esculpida em madeira pelo cearense Expedito B. S., que pintou a santa de uma forma patinada que lembra o bronze.
Entretanto, os artistas populares dentro da diversidade étnica da cultura nordestina, podem mostrar olhares menos devotos sobre os temas e figuras caros ao cristianismo medieval dos santinhos expeditos distribuídos nas novenas feitos em gráficas rápidas ou "lan houses", em sua feição ibérica; como uma "santa ceia" esculpida em relêvo na madeira, cujo os rostos dos apóstolos evocam máscaras africanas ( a obra não tinha legenda, por isso não posso informar ao leitor dados como o título, o autor nem a procedência). Ou os simpáticos "Anjos Cangaceiros" feitos em barro cozido pelo pernambucano José do Carmo. Nos quais vemos um anjo com atabaque, um Corisco alado com viola e um Virgulino alado com acordeão de oito baixos.
Outro percurso temático da exposição, no dizer da semiótica greimasiana, é o dos ofícios populares. Desde o caçador sertanejo esculpido em madeira pelo alagoano Mestre Camilo. O qual apresenta um vestuário típico com chapéu e chinelos de couro, pitando um cigarro de palha, com uma espingarda do lado e um "veado" morto empendurrado no ombro; tem traços caboclos (mestiço de ameríndio e caucasiano); aquele cansaço e desolamento característico do sol do semi-árido que envelhece os trabalhadores rurais antes do tempo.
A "Florista" feita em estôpa pela paraibana Espedita da Costa Medeiros; o "Tocador de flauta" feito em cerâmica por um artesão cearense desconhecido ou a "Rendeira" velha fumando cachimbo e sentada com uma almofada de bilro feita em barro cozido por um artesão desconhecido do Rio Grande do Norte e a diversidade de materiais e técnicas empregados sugere às autoridades competentes das inúmeras possibilidades de geração de emprego e renda, num contexto geográfico marcado pela sazonalidade das chuvas, por técnicas agropecuárias predatórias e pelo advento da lucrativa indústria do lazer e do entretenimento - vide Hollywood - na era da Informação.
Se os orgãos governamentais - de economia mista - e a iniciativa privada se juntassem e discutissem com seriedade e responsabilidade pública; cenas esculpidas em barro cru pelo sergipano José Freitas ("Retirantes") onde meninos negros, buchudos, raquíticos e de pés-descalços carregam balaios, cestos de palha, lenha e potes desfigurados (pés e mãos enormes e grotescas)pelo cansaço e fome, seriam apenas uma deformação estética de fundo estilístico e não o que são na dura realidade nordestina: um caso de polícia.
A quantidade de vezes em que intrumentos musicais são apresentados na exposição das mais diversas formas - matracas de madeira do maranhense Pedro Piauí; a banda cabaçal talhada em madeira colorida pelo cearense Diomar da Associação Padre Cícero sugerem que essa poderia ser a saída para a geração de emprego na região, através do incentivo às bandas e fanfarras municipais, no aperfeiçoamento de maestros e regentes mais experientes e a formação continuada de músicos aprendizes. Seria muito bom que as políticas públicas de cultura contassem com a parceria da milionária indústria fonográfica.
Se vivêssemos num país sério, artistas como a alagoana Rita Aparecida Rosendo poderia continuar talhando em madeira seus gatos do mato - que de tão bem feitos - só faltam avançar na jugular de quem se abaixa para vê-los na vitrine. Ela receberia uma bolsa de algum CDL para aperfeiçoar e ensinar o que sabe para os adolescentes do seu quarteirão no ateliê comprado pelas milionárias e predatórias madeireiras do Pará.
O terceiro milênio apresenta um desafio para as universidades públicas ou particulares: como aproveitar o tempo livre compulsório do desemprego estrutural e os humores incostantes da economia informal e do sub-emprego?
Mestrando em Letras pela UFC.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário