segunda-feira, 14 de abril de 2008

O CORPO GRITA E PULSA: A OBRA DE SÍLVIA MOURA


"Não é possível prostituir a ideia de teatro, que deve ter uma ligação mágica, atroz com a realidade e o perigo"
ANTONIN ARTAUD in O Teatro e seu Duplo



Este artigo não segue o cânone da crítica de dança e comete vários pecados conta o mesmo.Irei debruçar-me sobre a obra da coreógrafa cearense Sílvia Moura.

Este artigo é ruim, do ponto de vista da crítica de dança, porque não li nada da obra do teórico da dança RUDOLF LABAN. Também não tive acesso à historiografia da dança brasileira, que inclui autores como Jacques Corseuil, Antonio Jose Faro, Suzana Braga, Nicanor Miranda, Lineu Dias, Helena Katz e Roberto Pereira. O máximo que consegui até agora foi ler um artigo muito esclarecedor de Marcela Benvegnu, o qual discute a dança contemporânea.

Evocar Marcela Benvegnu no artigo sobre Sílvia Moura é conveniente, porque a coreógrafa cearense tem um trabalho alinhado com o que há de mais forte na chamada dança contemporânea.

Para Marcela Benvegnu a dança contemporânea se caracteriza pela estrutura não-linear, ou seja, um espectáculo como os desenvolvidos por Sílvia Moura com os alunos do SESC é estruturado, é um aglomerado de signos, de significantes e significados, ainda que numa sintaxe próxima do caos, ou assintática.

Benvegnu ainda aponta a não-narratividade como outra característica da dança produzida por companhia como o grupo CORPO, a QUASAR companhia de dança, o BALLET CISNE NEGRO, entre outros. Assim, entenderemos que espetáculos como Vagarezas e Súbitos Chegares, baseados na obra da artista-plástica gaúcha Elida Tessler e da poetiza mineira Adélia Prado, não narram, não contam absolutamente nada.

E outra característica típica da dança contemporânea: multiplicidade de significados, discursos, temáticas, processos e produtos. nos leva a contemplar um dos trabalhos de Sílvia Moura realizado no palco do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, dentro do projeto Quinta com Dança de formação de plateia. Nele dois planos se sucediam no palco.Um elenco grande de bailarinos dançava todas as pulsões da grande metrópole e ao fundo um DATA-SHOW projetava na parede Sílvia Moura entrevistando os frequentadores da Praça do Ferreira (que fica no Centro da capital do Ceará). O efeito produzido era o de simultaneísmo plástico. Muitas vezes o olhar não sabia pra onde se dirigir: se para o elenco de bailarinos ou se para o DATA-SHOW no fundo do palco. O que revela o simultanéismo das grandes metrópoles pós-modernas do capitalismo transnacional, em que os habitantes são quase devorados pela poluição visual, sonora e pela avalanche de signos vomitada por fragmentos de outdoors, outbus, faixas de clubes de forró, letreiros, placas de trânsito, cartazes, pichaçõe políticas e todo um frenetismo sígnico ad nauseam.

Referência ao passado é outra característica levantada por Marcela Benvegnu, que podemos apontar nesse espectáculo de Sílvia Moura. O espectáculo começa com uma senhora idosa que entra no auditório do teatro e começa a perguntar à plateia se todos conhecem a história do cajueiro botador, que tinha na Praça do Ferreira.E logo começa o DATA-SHOW mostrando Sílvia Moura entrevistando os frequentadores da Praça do Ferreira sobre o cajueiro botador.

Multiplicidade e interdisciplinaridade das artes seria outra característica da dança contemporânea presentes aqui.Nesse espetáculo há dança, há teatro, há cinema documental e referência ao circo mambembe com a maquiagem de Sílvia Moura.

Comecei a conhecer a obra de Sílvia Moura ainda na década de 80, no ano de 1988, quando ela tinha a companhia EM CRISE e os habitantes do Planeta Terra tinham a ilusão de viver num suposto mundo Bi-polar, dividido no capitalismo de modelo americano e no capitalismo de estado do modelo soviétic0-bolchevique, também chamado de Guerra fria.

A Companhia EM CRISE levou os princípios da dança contemporânea até as últimas consequências.Sílvia Moura e seu elenco de bailarinos montavam os espetáculos nos lugares mais inóspitos e improváveis: no Sindicato dos Comerciários interrompendo o forró dos trabalhadores que vinham do comércio na sexta-feira; no Sindicato dos Bancários dinamitando a tradicional separação espectador-artista; em cima do palanque na Praça José de Alencar sob vaias dos papudinhos que queriam ouvir música brega, enfim, qualquer lugar podia ser territorializado pela dança desterritorializada de Sílvia Moura.

Outra marca da obra de Sílvia Moura é a atuação política.Ela já chegou a montar espetáculos para conseguir alimentos e material de higiene pessoal para um amigo preso.E agora sua última campanha é por uma amiga bailarina, que está doente e que ela quer conseguir um benefício do INSS para a amiga.

Sílvia Moura tem atuado com e para presidiários e presidiárias, o que revela uma preocupação micro-política no dizer de Felix Guatarri. A micro-política do cotidiano de grupos marginalizados ou criminalizados.Ou a micro-física do poder na terminologia de Michel Foucault.

Sílvia Moura também é habilidosa artesã e gosta de reutilizar os refugos jogados a esmo pela sociedade de consumo, que entulha as praças de Fortaleza e entope os esgotos provocando as enchentes nas áreas de risco.

A obra de Sílvia Moura é forte, vigorosa, pesada, carregada, densa e escorpiana.Sílvia Moura não poupa os espectadores de entrarem no auditório e se depararem com um monte de velas pretas e vermelhas acesas ou com o forte cheiro de pólvora exalando dos corpos dos bailarinos.A associação com à Quimbanda, com a magia cinza e com a magia negra não é gratuita, pois Sílvia Moura é uma feiticeira, como todas as mulheres são feiticeiras.

Num dos espetáculos para denunciar o industrialismo e o produtivismo capitalista, que tem levado à exaustão dos recursos naturais não-renováveis do planeta; Sílvia Moura coletou um monte de garrafas de vidro de bebida jogadas próximas dos bares e churrascarias da cidade de Fortaleza.No espetáculo a coreógrafa cearense destrói todas as garrafas e não poupa a plateia de levar no olho algum estilhaço de vidro quebrado.

Com esta arte visceral, viril, provocadora, criativa e destrutiva, Sílvia Moura tem levado ou tentado levar as plateias a questionar o uso do espaço urbano, da temporalidade e do corpo.




Um comentário:

MARCELA BENVEGNU disse...

Obrigada pelas citações. Seu texto é pertinente. Gostaria de assistir ao trabalho. Marcela Benvegnu
www.tudoedanca.blogspot.com