domingo, 20 de abril de 2008

FORTALEZA SEGUNDO NIREZ


FORTALEZA SEGUNDO NIREZ


Este estudo contempla a obra do jornalista Miguel Ângelo Azevedo (Nirez): Cronologia ilustrada de Fortaleza: roteiro para um turismo histórico e cultural - Fortaleza: Banco do Nordeste, 2001.

No livro Nirez faz um levantamento historiográfico exaustivo (o volume 1 tem 391 páginas, redigidas em duas colunas) sobre a capital do Ceará. Desde quando o navegador holandêz Vincent Pinzón aportou com sua frota no Mucuripe em 26 de Janeiro de 1500 até a desertificação do centro comercial da cidade de Fortaleza no final do século XX.

A organogênese do município de Fortaleza é bem curiosa e revela toda uma cosmovisão política peculiar ao processo dito civilizatório brasileiro.

Fortaleza começa em 20 de Janeiro de 1912 com 6 soldados e 1 padre, quando o açoriano Martins Soares Moreno, que tinha amizade com os indígenas do Juguaribe e foi ao Camocim, quando o mesmo reconstrói o Forte, nomeando de São Sebastião na Foz do Rio Ceará.

É interessante perceber a presença do militarismo na criação de Fortaleza. A loura desposada do sol, na metáfora do romancista José de Alencar, já surge deixando bem claro que será uma cidade governada por brancos e para brancos.

Na maqueta do antigo vilarejo de Fortaleza podemos ver um lugar proeminente da capela e da forca, deixando claro para qualquer rebelde aos desmandos da metrópole uma dupla coerção: a violência simbólica do cristianismo lusitano a reprimir os credos nativos e a violência militar da pena de morte.

Outro dado interessante na maqueta da cidade de Fortaleza é o lugar proeminente do armazém, que vem trazer para os nativos uma nova sociabilidade: a sociabilidade mediada por mercadorias. Ou seja, até ali os nativos locais viviam dos frutos da terra coletivizada para todos, agora eles terão que importar o hábito "civilizado" de comprar mercadorias na venda do seu Manoel.

Na maqueta vemos um forte militar, uma igreja, uma forca, um armazém; um presídio será erguido em 1637 para encarcerar os indígenas e/ou os colonos portugueses degredados, mas não vemos a presença de uma escola.Todos esses detalhes arquitetônicos revelam devem servir de reflexão sobre a organogênese da cidade de Fortaleza.

Por que a primeira Biblioteca pública só aparecerá no século XIX? E por que ainda hoje Fortaleza dispõe apenas de duas bibliotecas públicas (uma estadual e outra municipal), sendo que o acervo das duas juntas não atinge a cifra dos 10 mil títulos? Por que não há uma política pública de criação e descentralização de acervo bibliográfico que atinja a clientela da periferia de Fortaleza?

No capítulo "Considerações finais" pode-se perceber todas as representações sociais de Nirez.

Nele veremos vários saberes se cruzando numa sinfonia polifónica.Um Nirez historiador e antropólogo ao lado de um Nirez urbanista e engenheiro de tráfego.

É a partir do mapa cartográfico e do traçado de ruas que Nirez equaciona o enigma Fortaleza.Segundo suas pesquisas, a partir de 1948 com a criação da Avenida 13 de Maio e Avenida Perimetral possibilitou-se o povoamento e a urbanização da periferia de Fortaleza.

Para não nos perdermos nas minúcias da urdidura do texto e para não substituir a leitura do mesmo, pinçamos alguns trechos reveladores do pensamento político de Nirez.

Ele alfineta o nome 'Novo Mercado Central', que na sua avaliação não é mercado, mas um 'shopping' de peças artesanais para turistas.

Alfineta os gestores públicos desatentos ao meio-ambiente e às tradições locais, que se evidencia na construção desordenada de prédios, derruba de árvores, aterramento de lagoas, poluição de riachos, rios e lagos.

No nosso entender Fortaleza se tornou uma cidade insustentável: super povoada, super aquecida, cheia de ilhas de calor insuportável e se depender da apologia da indústria do petróleo feito pelo Governo Cid Gomes, será também cada vez mais uma cidade suja, engarrafada e cheia de gases fétidos.O poder municipal é totalmente subordinado às determinações das leis da economia de mercado - a Torre do Grupo empresarial Jereissati construída no meio do mangue, a construção de uma filial do EXTRA na área de preservação ambiental no bairro da Parangaba.

Outro ponto interessante do capítulo é quando o autor fala da poluição sonora promovida muitas vezes pelo próprio poder público, que contrata trios elétricos que entopem os ouvidos dos moradores de madrugada a dentro com o forró "Chupa/que é de uva" a mais de 100db.

Nirez também ataca a indústria do turismo - também chamada de indústria sem chaminé - que traz só turistas predatórios que vem consumir os corpos de crianças e adolescentes, sujar as ruas e poluir os ouvidos dos moradores que querem dormir.Para ele, o turista vai embora e o morador fica.Por isso, a cidade deveria ser projetada para ter um turismo histórico e cultural que valorizasse o património histórico que ainda resta.

Nós particularmente pensamos que esse turismo histórico e cultural poderia gerar dividendos sociais mais significativos, valorizando o empreendedorismo de pequenas cooperativas de produtos artesanais ou de guias de turismo que levariam os turistas aos lugares mais perto do povão.

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