
FORTALEZA SEGUNDO
NIREZEste estudo contempla a obra do jornalista Miguel Ângelo Azevedo (
Nirez): Cronologia ilustrada de Fortaleza: roteiro para um turismo histórico e cultural - Fortaleza: Banco do Nordeste, 2001.
No livro
Nirez faz um levantamento historiográfico exaustivo (o volume 1 tem 391 páginas, redigidas em duas colunas) sobre a capital do Ceará. Desde quando o navegador
holandêz Vincent Pinzón aportou com sua frota no
Mucuripe em 26 de Janeiro de 1500 até a desertificação do centro comercial da cidade de Fortaleza no final do século XX.
A
organogênese do município de Fortaleza é bem curiosa e revela toda uma
cosmovisão política peculiar ao processo dito
civilizatório brasileiro.
Fortaleza começa em 20 de Janeiro de 1912 com 6 soldados e 1 padre, quando o açoriano Martins Soares Moreno, que tinha amizade com os indígenas do
Juguaribe e foi ao
Camocim, quando o mesmo
reconstrói o Forte, nomeando de São Sebastião na Foz do Rio Ceará.
É interessante perceber a presença do militarismo na criação de Fortaleza. A loura desposada do sol, na metáfora do romancista José de Alencar, já surge deixando bem claro que será uma cidade governada por brancos e para brancos.
Na
maqueta do antigo vilarejo de Fortaleza podemos ver um lugar proeminente da capela e da forca, deixando claro para qualquer rebelde aos desmandos da metrópole uma dupla coerção: a violência simbólica do cristianismo lusitano a reprimir os credos nativos e a violência militar da pena de morte.
Outro dado interessante na
maqueta da cidade de Fortaleza é o lugar proeminente do armazém, que vem trazer para os nativos uma nova sociabilidade: a sociabilidade mediada por mercadorias. Ou seja, até ali os nativos locais viviam dos frutos da terra
coletivizada para todos, agora eles terão que importar o hábito "civilizado" de comprar mercadorias na venda do seu
Manoel.
Na
maqueta vemos um forte militar, uma igreja, uma forca, um armazém; um presídio será erguido em 1637 para encarcerar os indígenas e/ou os colonos portugueses degredados, mas não vemos a presença de uma escola.Todos esses detalhes
arquitetônicos revelam devem servir de reflexão sobre a
organogênese da cidade de Fortaleza.
Por que a primeira Biblioteca pública só aparecerá no século XIX? E por que ainda hoje Fortaleza dispõe apenas de duas bibliotecas públicas (uma estadual e outra municipal), sendo que o acervo das duas juntas não atinge a cifra dos 10 mil títulos? Por que não há uma política pública de criação e descentralização de acervo bibliográfico que atinja a clientela da periferia de Fortaleza?
No capítulo "Considerações finais" pode-se perceber todas as representações sociais de
Nirez.
Nele veremos vários saberes se cruzando numa sinfonia
polifónica.Um
Nirez historiador e antropólogo ao lado de um
Nirez urbanista e engenheiro de tráfego.
É a partir do mapa cartográfico e do traçado de ruas que
Nirez equaciona o enigma Fortaleza.Segundo suas pesquisas, a partir de 1948 com a criação da Avenida 13 de Maio e Avenida
Perimetral possibilitou-se o povoamento e a urbanização da periferia de Fortaleza.
Para não nos perdermos nas minúcias da urdidura do texto e para não substituir a leitura do mesmo,
pinçamos alguns trechos reveladores do pensamento político de
Nirez.
Ele alfineta o nome 'Novo Mercado Central', que na sua avaliação não é mercado, mas um '
shopping' de peças artesanais para turistas.
Alfineta os gestores públicos
desatentos ao meio-ambiente e às tradições locais, que se evidencia na construção desordenada de prédios, derruba de árvores,
aterramento de
lagoas, poluição de riachos, rios e lagos.
No nosso entender Fortaleza se tornou uma cidade insustentável:
super povoada,
super aquecida, cheia de ilhas de calor insuportável e se depender da apologia da indústria do petróleo feito pelo Governo Cid Gomes, será também cada vez mais uma cidade suja, engarrafada e cheia de gases fétidos.O poder municipal é totalmente subordinado às determinações das leis da economia de mercado - a Torre do Grupo empresarial
Jereissati construída no meio do mangue, a construção de uma filial do EXTRA na área de preservação ambiental no bairro da
Parangaba.
Outro ponto
interessante do capítulo é quando o autor fala da poluição sonora promovida muitas vezes pelo próprio poder público, que contrata trios
elétricos que entopem os ouvidos dos moradores de madrugada a dentro com o
forró "Chupa/que é de uva" a mais de 100
db.
Nirez também ataca a indústria do turismo - também chamada de
indústria sem chaminé - que traz só turistas
predatórios que vem consumir os corpos de crianças e adolescentes, sujar as ruas e poluir os ouvidos dos moradores que querem dormir.Para ele, o turista vai embora e o morador fica.Por isso, a cidade deveria ser
projetada para ter um turismo histórico e cultural que valorizasse o
património histórico que ainda resta.
Nós particularmente pensamos que esse turismo histórico e cultural poderia gerar dividendos sociais mais significativos, valorizando o
empreendedorismo de pequenas cooperativas de produtos artesanais ou de guias de turismo que levariam os turistas aos lugares mais perto do
povão.