Blog de crítica cultural e criação poética. Propõe o controle social da produção em escala transnacional.Questiona a sociedade pautada pelo dinheiro, valor, trabalho, representação política, capital, mercadoria, estado e outras categorias imanentes à sociedade produtora de mercadorias. Exibe exegese bíblica não-cristã para descristianizar as subjetividades.Exibe pesquisas sobre sistemas simbólicos das religiões da diáspora negra.Exibe estudos LGBTT numa abordagem anarco-punk queer.
sábado, 18 de abril de 2009
ETNOGRAFIA DE UM DISQUE AMIZADE GLS
Com este estudo pretendo analisar um Disque Amizade GLS da cidade de Fortaleza.No caso falo do serviço telefônico 3468 3000, criado para atender ao público de gays, lésbicas e simpatizantes da capital do Ceará.
A Etnografia foi criada originalmente para descrever povos e etnias indígenas e só mais tarde também foi utilizada para descrever os hábitos e códigos culturais de outras comunidades.
Descrever os hábitos, gestos, símbolos, ritos e mitos de uma comunidade exige que o pesquisador se disponha até ir ao seu locus de pesquisa.Mas e quando se trata de observar os hábitos e representações de uma comunidade de falantes como de uma sala de bate-papo gls telefônico? Aqui a tarefa pode se tornar temerária e difícil, pois uma coisa é o pesquisador ir até um ilê de candomblé ou uma igreja evangélica ou a sede de um coletivo de anarco-punks observar e registrar o que percebe nesse lugar.Mas quando se trata de uma comunidade fluida como é uma sala de bate-papo? Como observar regularidades e recorrências quando há cada cinco minutos a sala se preenche de novas pessoas e sem falar que essas pessoas podem assumir personalidades que não são as suas?
Qual a relevância de observar gays, lésbicas e bissexuais conversando num serviço telefônico? Esse estudo pode fornecer dados para pesquisadores em etnografia e psicologia social, pois ao dar ouvidos ao que esses indivíduos conversam somos confrontados com suas crenças e cosmovisões particulares.
No serviço não há só pessoas que ligam da cidade de Fortaleza, mas também usuários que ligam da região Metropolitana, de cidades mais afastadas como Juazeiro e eu já conversei com um rapaz que falava de Pernambuco.
A questão da identidade numa sala como essa é bem curiosa.Muitas pessoas usam nomes falsos e até criam personalidades postiças.Homens, originalmente másculos no seu cotidiano, na sala atendem pelo nome de "Pamela Skylab" e usam gíria do universo das drag-queens e das travestis.
Os objetivos de quem liga variam muito.Vai desde homens casados que ligam para marcar um encontro sexual e furtivo com outro usuário enquanto a esposa enfermeira foi dar um plantão até rapazes que ligam apenas para ouvir os amigos que participaram do show da Alanis Morisseti.
As representações que esses usuários tem da comunidade homossexual, assim como a cosmovisão gls é bem peculiar.Revela uma comunidade, um pertencimento populacional de hábitos culturais bem específicos.
Ao ouvir essas pessoas o pesquisador pode identificar o preconceito e a desigualdade social que também existe no universo ideológico da comunidade de homoafetivos.Várias vezes presenciei homens gays da Aldeota perguntando se havia gays do mesmo bairro na sala, pois segundo eles não queriam conversar com os gays das regiões mais pobres de Fortaleza.Isso se evidencia ou em afirmações explícitas ou em comentários jocosos sobre o que esses gays endinheirados denominam de 'bichas pão-com-ovo".
O preconceito e a elitização econômica também fica evidenciado quando se ouve os gays que foram para o show da Alanis Morisseti fazem questão de frisar o quanto gastaram no preço do ingresso, no consumo de bebidas e iguarias caras durante o show e no retorno para casa tarde da madrugada em carros caros e importados.
As representações desses indivíduos revelam porque a industria do entretenimento investe tanto nesses gays endinheirados e revela também a lucratividade de apostar nesse "nicho de mercado".
Certa vez foi interessante ouvir de uma drag-queen como ela compreende o relacionamento homossexual.Basta ver o filme americano "O segredo de brokeback mountain" pois lá há a explicação de como termina todo relacionamento entre gays: um morto e outro olhando para uma jaqueta.
O que se pode perceber nos usuários desse serviço é de que há um queixa comum:a da solidão.
E dá para se concluir o motivo, pois na pós-modernidade a tônica dos relacionamentos e dos vínculos é o esgarçamento, a superficialidade dos contatos.As pessoas vivem um paradoxo de não quererem fidelizar relações e ao mesmo tempo quererem estabilidade.Como posso ter estabilidade se não me fidelizo ou não me ligo profundamente a ninguém?
Uma coisa que merece menção é a participação lésbica na sala:pequena e contida.E outra menção é a grande quantidade de bissexuais que ligam para o serviço com intenções apenas de satisfazer genitalmente seus instintos sem maiores vínculos.
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