sábado, 21 de maio de 2011

BIBLIOTECA E CÂNONE DA UMBANDA




BIBLIOTECA E CÂNONE DA UMBANDA

Este estudo pretende analisar o acervo da Biblioteca da Cabana Luz do Congo -situada na Rua Gonçalves Ledo, 1779 no bairro Piedade em Fortaleza - no sentido de buscar saber quais são os livros canônicos e quais seriam os livros proscritos da Umbanda, se é que eles existem.

SOBRE O ACERVO

O acervo da Cabana Luz do Congo foi organizado pelo pai de Santo da casa, Francisco Antonio dos Santos (pai Didi), hoje falecido, no ano de 1968. Parte do acervo foi comprado e outra parte foi doada ao longo dos anos, segundo informou o filho, Julio Francisco dos Santos, responsável pelo espólio do pai e pela administração executiva e financeira do Centro.

Seu Júlio informou que não há uma estatística de quantos pessoas utilizaram ou utilizam o acervo ao longo dos anos, que este tipo de informação se perdeu com a morte do pai. O que ele sabe informar com absoluta certeza, é de que o acervo atrai mais a atenção de pesquisadores das Universidades, do que propriamente aos frequentadores e dirigentes da casa. Este dado é grave, quando pensamos no perfil sócio-econômico dos frequentadores e dirigentes da casa: pessoas escolarizadas da classe média, funcionários públicos, profissionais liberais, comerciantes e empresários. Ou seja, os umbandistas cearenses não gostam de ler, pelo menos, na maioria dos casos.

Diante desse dado perguntei qual era a função de uma biblioteca que não desperta interesse. Seu Júlio respondeu que a intenção do seu pai ao comprar do próprio bolso, reunir e organizar o acervo, era a de difundir uma umbanda esotérica iniciática em Fortaleza - corrente da qual a Cabana Luz do Congo é o único lugar na capital cearense, que professa este tipo de umbanda.

O acervo se divide por assuntos, sendo eles: Umbanda, Quimbanda, Kardecismo, Esoterismo, Racionalismo Cristão, Pietro Ubaldo, Budismo, História, Rosa Cruz, Filosofia, Chama Sagrada, Yoga, Diversos e duas prateleiras cheias de livros protestantes e católicos.

É interessante perceber a presença de livros do cânone protestante e católico numa casa de Umbanda. Pude conferir nas duas prateleiras obras evangélicas da Bible Students Association, dos Girões e da Casa Publicadora Brasileira, em títulos como as traduções de João Ferreira de Almeida do Novo Testamento e exegetas como E. G. White; como também, pude conferir títulos de duas importantes editoras católicas: Vozes e Paulinas.

Tal informação nos leva a supor que Pai Didi queria promover um diálogo inter- religioso, antes mesmo da moda ecumenista da década de 70 e um debate científico, que houve enquanto o mesmo dirigiu grupos de estudos, antes de ser vitimado pela velhice e doença.

PARA QUE SERVE UM LIVRO DE UMBANDA?

Muitos poderão perguntar qual é a utilidade de um livro umbandista, como por exemplo, um amigo da faculdade a me ver com um livro, cuja capa tinha impresso a palavra "umbanda", perguntou se era um manual de feitiços.

É curioso de que alguém ao ver um indivíduo com a Bíblia Sagrada, não faz a mesma pergunta, mesmo que o Antigo Testamento tenha uma coleção de feitiços feitos por Moisés para destruir os povos inimigos.

Assim, somos levados a perceber o caráter eminentemente prático do culto umbandista no imaginário da população brasileira, pois como mais de uma vez afirmaram certas autoridades do espiritismo kardecista, a Umbanda seria um mediunismo sem doutrina.

Analisando o acervo da Cabana Luz do Congo, podemos responder parte das perguntas feitas por leitores que nunca leram livros de Umbanda.

Na obra "A Cartilha de Umbanda" de Candido Emanuel Felix,publicada no Rio de Janeiro em 1965 pela editora Eco, temos perguntas do tipo: o que é umbanda? Pode-se aceitar Umbanda como religião? Como definir o médium de incorporação? Como pode o médium trabalhar numa tenda? Entre outras. Deste modo, um livro de umbanda serve para divulgar aspectos doutrinários e não apenas limitar-se a conjuntos de descrições de feitiços ou de oferendas e receitas culinárias para este ou aquele orixá. Ou seja, a Umbanda, contrariando o diagnóstico de espíritas kardecistas apressados e desinformados, tem doutrina sim.

QUAL O CARÁTER DA DOUTRINA UMBANDISTA?
A doutrina umbandista existe e foi reunida por WW da Matta e Silva, em dez livros publicados pela Editora Freitas Bastos entre os anos das décadas de 60, 70 e 80. E pode ser conferida também nas obras do pai de santo e médico F. Rivas Neto e do poeta Roger Feraudy.

Entretanto, é bom vermos sobre a visão de que se há uma doutrina padrão umbandista ou não, nas palavras de Dandara e Zeca Ligiéro em Iniciação à umbanda :
“A Umbanda é uma religião em processo, autoconstruindo-se a partir da sua própria prática religiosa dentro da dinâmica de uma tradição oral multicultural. A enorme e contraditória bibliografia de escritores umbandistas apenas atesta a impossibilidade de transformar esse universo múltiplo, em algo unívoco estritamente dogmático e doutrinário.”

O leitor mais atento perceberá o caráter mestiço da, vamos chamar, doutrina umbandista, ao reunir influências afrodescendentes, indígenas, católicas, judaicas, islâmicas, kardecistas, rosa-cruzes, maçônicas e da Teosofia de Madame Blavatsky. Pois como o culto, a doutrina umbandista é uma espécie de síntese religiosa de todos os povos que existem na terra. E por ser síntese, ela é complexa e profunda. Tal fato talvez afastem os leitores umbandistas, que receosos de nada entenderem ou acabarem confusos com esse cipoal de referências, acabam não lendo as obras que com tanto esforço Matta e Silva e seus discípulos sistematizaram.

EXISTE UM CÂNONE UMBANDISTA?

Geralmente quando se pensa em livros da tradição cristã a noção de cânone pode vir à baila. Pois se sabe que os livros canônicos seriam aqueles aceitos e reconhecidos pelas altas hierarquias da Igreja Cristã. Já os apócrifos ou proscritos seriam aqueles livros que circularam na época de Cristo e foram - parte deles - descobertos nas cavernas salgadas de Qumram no Mar Morto em 1948. Estes livros foram e são mal vistos pela Igreja Cristã por revelarem dados e narrativas inconvenientes, como a suposta personalidade travessa e malvada da infância de Jesus Cristo ou o seu suposto casamento cheio de filhos com Maria Madalena.

Entretanto, hoje parte da Igreja já sabe conviver com os conteúdos estranhos e extravagantes desses livros. Tanto que já é possível encontrá-los nas livrarias católicas.

Em se tratando da Umbanda, a noção de cânone teria mais um fundo literário do que propriamente teológico, pois ao contrário da Igreja Cristã, a Umbanda não dispõe de um clero organizado e hierarquizado a policiar seus escritores. Assim, os livros do médium WW da Matta e Silva seriam canônicos no sentido de bem escritos e sistematizados.

Por isso, fica difícil de estabelecer um critério semelhante ao da Igreja Cristã, para tratar de supostos livros proscritos dentro do universo editorial umbandista.

Entretanto, como venho lendo o acervo da Cabana Luz do Congo desde o ano de 2002, posso falar não propriamente em livros proscritos, mas em livros toscos e mal escritos em profusão.

São livros com baixa fundamentação teórica, hesitantes e confusos.

Seriam aquelas obras que a partir do índice ou da ausência dele, dedicam-se mais aos aspectos litúrgicos ou ritualísticos da umbanda, do que propriamente em devassar suas origens e estabelecer parâmetros doutrinários.

Porém, tudo aqui é novo como sabiamente comentou o ogã da Cabana Luz do Congo. Ele mesmo nunca tinha parado para pensar na possibilidade de livros proscritos, até pelo fato inegável de que os praticantes de Umbanda não se interessam nem mesmo pelos livros bem feitos.

Assim, para concluir percebemos que nossa investigação apenas começou e partindo da constatação de que o público leitor umbandista prefere mais, quando se dispõe, a ler pontos cantados no intuito de decorá-los ou receitas de banhos de descarga, estaremos mexendo não apenas com problemas de uma comunidade religiosa específica, mas com o terrível hábito brasileiro de não gostar de ler.

CONCEPÇÃO DE DEUS EM DIVERSOS PONTOS DE VISTA FILOSÓFICOS






CONCEPÇÃO DE DEUS EM DIVERSOS PONTOS DE VISTA FILOSÓFICOS
Charles Odevan Xavier


DEUS NO TEÍSMO JUDAICO-CRISTÃO

O Conceito de Deus aqui é pessoal. Deus seria uma pessoa que teria os atributos de onipotência (todo poderoso), onisciência (sabe tudo e sonda todos os corações e pensamentos) e onipresença (ocupa todos os lugares do universo e do espaço).

Esta concepção de Deus foi enunciada nos cinco primeiros livros da Bíblia Sagrada pelo profeta Moisés. Como Moisés era um líder tribal patriarcalista, Deus aqui aparece como um estadista implacável, extremamente autoritário, misógino (basta ver como as mulheres são tratadas na Bíblia), intransigente com os credos de outros povos (basta ver as passagens bíblicas em que Moisés passa pelo fio da espada até crianças e velhos de um vilarejo que não cultua o seu Jeová) e intransigente com os homossexuais masculinos e femininos (basta ver as passagens referentes a destruição de Sodoma e Gomorra), intransigente com práticas espiritualistas que dispersassem o povo judeu ( astrólogos, adivinhos, feiticeiros não herdarão o reino dos céus – vide Deuteronômio).

Deus aqui seria o criador do universo e o universo seria sua propriedade, assim como o mundo natural pertenceria a sua máxima criação: o homem; por isso o homem deveria submeter todos os animais e seres ao seu comando.

O orientalista Allan W. Watts no ensaio Mitologia Ocidental: Dissolução e Transformação presente no livro MITOS, SONHOS E RELIGIÃO Nas artes, na filosofia e na vida contemporânea Organizado por
Joseph Campbell, nos ajuda a entender o real cárater do Deus pessoal ocidental:

"A base do senso comum por trás de grande parte das leis e instituições sociais
dos Estados Unidos é uma teoria do universo fundamentada nas antigas monarquias
despóticas do Oriente Próximo. Na verdade, títulos como "Rei dos Reis" e "Senhor de
todos os Senhores" eram típicos dos imperadores persas. Os faraós do Egito e o
legislador Hammurabi forneceram um modelo de pensamento sobre este mundo. Pois a
idéia fundamental subjacente ao imaginário do livro do Gênesis e, conseqüentemente,
das tradições judaica, islâmica e cristã é a de um universo como um sistema de ordem
imposta de cima pela força espiritual, à qual devemos obediência. Essa idéia comporta o
seguinte complexo de subidéias: Que o mundo físico é um artefato. É algo feito, construído. Ademais, implica
a idéia de que é uma criação em cerâmica.

O livro do gênesis diz que o Senhor Deus criou Adão com barro e, tendo feito o
modelo em argila, soprou o sopro da vida em suas narinas e a figura de argila tornou-se
a incorporação de um espírito vivo. Esta é a imagem básica inserida profundamente no
senso comum da maioria dos povos do mundo ocidental. Assim, é natural que uma
criança educada na cultura ocidental pergunte à mãe: "Como foi que me fizeram?"
Achamos muito lógico perguntar: "Como foi que me fizeram?" Mas acho que uma
criança chinesa não faria essa pergunta. Não ocorreria a ela. A criança chinesa poderia
dizer: “como foi que eu cresci?", mas não "Como foi que me fizeram?” no sentido de ter
sido construído, montado, formado por alguma substância básica, inerte e, portanto,
essencialmente boba. Pois quando tomamos a imagem da argila, não esperamos ver a
argila por si só formando um vaso. A argila é passiva. A argila é homogeneizada. Não
tem uma estrutura especial. É uma espécie de grude. Para assumir uma forma inteligível
precisa ser trabalhada por uma força e uma inteligência externas. Assim, temos a
dicotomia da matéria e da forma, que encontramos em Aristóteles e mais tarde na
filosofia de Santo Tomás de Aquino. A matéria é uma espécie de coisa básica que só
toma forma com a intervenção da energia espiritual. Esta tem sido uma questão básica
para todo o nosso pensamento — o problema da relação entre matéria e mente."

DEUS NO TEÍSMO NAGÔ-YORUBANO DO SUL DA NIGÉRIA

O conceito de Deus aqui é pessoal. Deus seria o criador do universo e seria o governante máximo ( oni, oba), porém não governaria o universo sozinho.Residiria no seu palácio no Orum ( o além, o céu yorubano) e de lá reuniria de vez em quando os orixás, com os quais divide o reino do universo.Ao contrário do Jeová de Moisés, Olorum tem um temperamento estável, moderado, calmo.Não interfere no destino dos homens, pois criou o mundo (o Ayê) mas desgostoso se retirou dele e foi viver no Orum. Para não deixar os homens desamparados, deixou-os sob proteção dos Orixás. Alguns pesquisadores sustentam a hipótese, de que esse Olorum excessivamente antropormofizado seria influência das religiões monoteístas e patriarcalistas (Cristianismo e Islã) no território Yorubá.

Já Ronaldo Senna e Maria José de Souza – Titã no livro A Remissão de Lúcifer: o resgate e a ressignificação em diferentes contextos afro-brasileiros – Editora UEFS, 2002 apresentam uma versão menos sincrética:

“Oludamaré é a manifestação de tudo o que existe, o universo e todos os seus componentes. A ele nada se pede e não é possível contata-lo. É indecifrável, a pronúncia do seu nome deve ser seguida de uma reverência, tocando-se a terra com os dedos. O espírito primal que sustenta a forma como elemento da criação. Pode ser entendido como o arquétipo ou o repositório de todas as formas que dão configuração à matéria; um símbolo universal da substância” p.84-85

DEUS NO DEÍSMO

Deus aqui aparece apenas como um ser supremo, criador do universo, porém desinteressado com a criação. Um Deus distante e ausente, que tal como um relojoeiro criou o universo como uma máquina autônoma e auto-regulada, que funciona sozinha sem sua constante intervenção. Nesta concepção filosófica não faz sentido o hábito da prece, posto que o universo seja governado por leis fixas, regulares e inexoráveis.

DEUS NO BRAMANISMO

Karen Armstrong no seu livro Em Defesa de Deus: O que a religião realmente significa esclarece como os hindus lidam com o conceito de Deus:

"No século X a.C., alguns árias se instalaram no subcontinente indiano e deram um novo nome à realidade suprema. O brahman era o princípio invisível que permitia o crescimento e o desenvolvimento de todas as coisas. Era um poder mais alto, mais profundo e mais fundamental que os deuses.Como transcendia as limitações da personalidade, podia ser totalmente inadequado rezar para ele ou esperar que atendesse às orações. O brahman era a energia sagrada que unia todos os diversos elementos do mundo e impedia que o cosmos se desintegrasse. Tinha um grau de realidade infinitamente maior que o dos mortais, cuja vida era limitada pela ignorância, pela doença, pelo sofrimento e pela morte.Não se pode defini-lo, porque a linguagem se refere unicamente a seres individuais, e o brahman é "o Todo", é tudo que existe e é o sentido oculto da existência."


DEUS NO BUDISMO

O Budismo é uma religião atéia. É religião apenas no sentido horizontal: religar os homens e não no sentido vertical: religar o homem a Deus - ser este que para o Budismo oriental não existe.Os Budistas são religiosos no sentido que cultuam valores éticos como: compaixão, bondade, não matar nenhum ser vivo, não roubar e não usar drogas ou substâncias que embotem a mente.

DEUS EM SIGMUND FREUD

O Criador da Psicanálise aborda o fenômeno religioso em várias de suas obras. Freud era judeu, porém não religioso.Em O Futuro de uma ilusão ele concebe Deus como uma ilusão, fruto do desejo infantil do ser humano de ver na natureza a projeção de um pai. Na ânsia de se ver desamparado e desprotegido o ser humano teria criado Deus para reconfortá-lo nas horas de perigo e tribulação.

DEUS NO ATEÍSMO DE MIKHAIL BAKUNIN

O anarquista russo - na sua obra Deus e o Estado – extremamente iconoclasta concebe Deus como um tirano, opressor, que se existisse precisaria ser abolido.

DEUS EM MIRCEA ELIADE

Na obra do historiador romeno Mircea Eliade a Religião aparece como o numinoso. O universo seria numinoso ou sagrado.E segundo ele, o espiritualista tende a sacralizar o universo, enquanto o materialista tende a profaná-lo. O filósofo francês Michel Onfray em seu Tratado de Ateologia fornece um esquema interessante para entender a questão. Segundo ele, o materialista afirma: -sou feito de átomos, enquanto o espiritualista afirma: - sou feito de alma

DEUS EM RICHARD DAWKINS

Richard Dawkins, o ilustre biólogo evolucionista, é tido pela crítica como líder do movimento neo-ateísta e é autor da obra Deus, um Delírio – Tradução de Fernanda Ravagnani – São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Na obra de 520 páginas, Dawkins afirma categoricamente que além de Deus não existir, a religião é nociva à humanidade, por ser geradora de guerras, ataques terroristas e outras insustentabilidades.Segundo ele, ninguém precisa de Deus para ter princípios morais, para fazer o bem, para apreciar a natureza.O livro propõe o orgulho ateu, assim como existe o orgulho gay.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Feito originalmente para ser discutido numa oficina de afro-religiosidade este breve estudo não teve a intenção de esgotar o assunto. Reconhece que muitas concepções ficaram de fora como a de Spinoza, a de Marx, a de Nietzsche, de Debord a e a de Jung, entre outros (a lista é quase interminável na história da Filosofia).

A minha concepção atual é de que não há um Deus pessoal, mas há o sagrado, o numinoso. Talvez minha concepção tente juntar elementos dos cultos de matriz afrodescendente com a espiritualidade naturalizada de Robert C. Solomon no seu Espiritualidade para Céticos: Paixão, verdade cósmica e racionalidade no século XXI – Tradução Maria Luiza X. A. Borges – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
Quem sou eu para provar que Deus existe ou deixa de existir? Que cada um faça suas pesquisas e tire suas conclusões.


Pesquisador