segunda-feira, 28 de julho de 2008

ENTRE A DOR E O GOZO: A OBRA DE FRANCISCO BRENNAND


Este artigo contempla a exposição "Brennand: uma introdução" em cartaz no Museu de Arte Contemporânea, que faz parte do complexo cultural chamado Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura aqui da cidade de Fortaleza.

Eu fui ver a exposição ontem e sempre vou aos domingos porque é o dia em que o museu não cobra a entrada.Ou seja, é o dia da pipoca, da mundiça, o dia dos "lisos" como se diz aqui no Ceará."Liso" quer dizer sem dinheiro, sem capital.

A exposição "Brennand:uma introdução" contempla a obra do pintor e escultor pernambucano Francisco Breenand nascido em Recife no ano de 1927, descendente de uma família de ingleses.
Ele começa a aparecer no cenário nacional das artes-plásticas na década de 60, mas é na década de 70 que ocorre uma grande virada na sua trajetória artística, quando toma posse das instalações semi-abandonadas de uma antiga fábrica de cerâmica pertencente a seu pai e transfere para os amplos galpões seus ateliês de pintura e modelagem.Dedica-se então, sobretudo, à escultura moldada em argila.

Na exposição o curador Olívio Tavares de Araújo selecionou as esculturas que o consagraram e também suas pinturas.Por uma deficiência minha imperdoável não consigo informar qual a técnica utilizada em seus quadros.Não sei informar se ele utilizou óleo ou acrílica.

O que posso informar é o sentimento que tive ao ver seus quadros de uma expressividade forte e carregada, em que imagens distorcidas, corpos de mulheres nuas deformados, traços e contornos impressionistas bem suaves dialogam com tintas espatifadas na tela com espátula de forma grosseira.

Em alguns quadros o pintor brinca com um certo simultanéismo plástico que remete um pouco ao cubismo de corpos desfocados, mas as cores são suaves, ternas, nos fazendo lembrar os impressionistas franceses do século XIX como Degas, Cézane, Manet, Monet.

Em outros, corpos de meninas nuas aparecem em poses desajeitadas mas extremamente sedutoras, mostrando que a tão alardeada fragilidade do sexo feminino é uma balela, pois é na aparente fragilidade dessas ninfetas que o velho macho pintor se apresenta aprisionado, rendido e indefeso.

Num dos quadros uma bela moça vestida com roupas acochadas, uma mulata da bundona, está no quintal de uma casa numa pose sensual e provocante.Perto dela um velho a espreita com olhos lascivos e cheio de luxúria.

Noutro, um homem aparece com um máscara de lobo mau e ao longe uma menina observa.Aqui o pintor Brennad brincou com a estória de Chapeuzinho vermelho.

Nas salas dedicadas à esculturas vemos toda a força da plasticidade brennandiana.Suas esculturas grandes remetem aos totens primitivos.É uma arte estranha, dramática, com muita morbidez em seus corpos deformados e agigantados revelando nádegas grandes e seios volumosos, que nos fazem lembrar daquelas Vênus e daquelas Tanagras, aquelas mulheres gordas esculpidas pelas tribos primitivas com suas grandes vaginas inchadas, feitas como um recurso mágico de proporcionar fertilidade e gravidez saudável às mulheres da tribo.

Há quem sinta a sensação de estar em algum monumento da antiguidade oriental - um templo ou palácio mesopotâmico, talvez, construído há 3.000 ou 4.000 anos.Há nessas esculturas algo de sagrado.Mas é um sagrado de outra natureza e não o religioso água-com-açúcar da plasticidade sacra cristã.Há toda uma carga de violência, como se apontasse que o destino do homem é sempre trágico e sangrento.

Brennand alude em suas esculturas a centenas de personagens da história antiga e da história européia, da mitologia greco-romana, da Bíblia Sagrada.

Numa das salas, o curador reuniu as esculturas que são mais claramente relacionadas ao campo da sexualidade.Lá vemos nádegas gordas penetradas por parafusos grossos simulando pênis avantajados.Outras esculturas se assemelham a enorme falos, como se fossem rôlas grandes, grosseiras e cheias de veias. Corpos desformes são atravessados por cravos e parafusos como se simulassem momentos de extrema dor e gozo.

Num documentário exibido pela TV Cultura há alguns anos atrás, Francisco Brennand disse que sua obra tem uma boa fortuna crítica, mas que o melhor comentário crítico veio de uma dona de casa comum, que entrou em seu ateliê nos arredores de Recife.Ela entrou e circulou pelas esculturas e depois procurou o escultor e lhe disse: - Seu Brennand, eu nunca vi tanta imoralidade na minha vida como vi aqui no seu ateliê.E a mulher foi embora zangada com o escultor.

As esculturas de Brennand revelam uma obra forte, vigorosa e viril que vale a pena ser vista.

terça-feira, 22 de julho de 2008

FINAL DE TARDE NA DITADURA MILITAR


Esta narrativa é fruto da minha memória e se passa dentro de um ônibos lotado num final de tarde crepuscular e tristonho, de um dia qualquer e de um mês qualquer e prosaico de um ano impreciso que pode ser 1976 ou 1978, em plena ditadura militar da década de 70 no Brasil e no Ceará.


Não consigo lembrar com exatidão qual a idade que tinha nesse episódio.Mas devia ter uns cinco ou seis ou sete anos de idade mais ou menos, posto que nasci em 1972 em plena ditadura Médici.


Lembro apenas das emoções contidas nesse evento sem graça, sem glamour e sem maiores atrativos como a vida das pessoas que pegam ônibus lotados no centro da cidade de Fortaleza e vão para as suas respectivas periferias empobrecidas depois de um dia estafante de trabalho.


Esta narrativa é um olhar oblíquo sobre a ditadura militar da década de 70. É um olhar oblíquo e inviesado sobre os anos de chumbo e cacetete, porque naquele momento eu era apenas um menino totalmente afastado de supostos protagonistas e heróis da resistência, ou da dita abertura democrática.Eu estava bem longe do centro de decisões geopolíticas ou biopolíticas das coisas, pelo simples fato de que eu era filho adotivo de uma professora de ensino fundamental e alfabetização.Uma mulher batalhadora sem dúvida, mas totalmente avessa ao universo dos livros e da interpretação crítica da realidade.Muito pelo contrário, a minha mãe adotiva era a cidadã preferida por um governo autoritário daquele ou da época em que vivemos atualmente: totalmente alheia aos noticiários, totalmente desinteressada por economia, política, sociedade, comportamento.Mais uma professora a reproduzir o Hino Nacional, a ensinar os alunos a rezarem o pai nosso e a salve rainha.Ou seja, mais uma operária da mediocridade.


E eu era um menino dentro daquele ônibus lotado no colo de minha mãe adotiva.Totalmente entediado e pensando como pensa uma criança sem muita elaboração intelectual: que vida chata, que chatice.E aí ficava pensando e me angustiando.Se for para casa vai ser chato e vou ficar sozinho sem ter com quem brincar.Se for para escola que minha mãe fundou para conseguir uns trocados a mais, para complementar o orçamento, vai ser chato do mesmo jeito, porque também não vou ter com quem brincar.


E era estranho para mim, eu tão pequeno, e já pensando nessas coisas: na chatice da vida, na monotonia, na rotina, num cotidiano insípido e incolor.Hoje talvez com uma certa elaboração intelectual vejo que já desde criança eu trazia o germe da insatisfação que me acompanharia e me acompanha por toda vida.


Não consigo lembrar qual era a música que saia dos altos falantes daquele ônibus.Mas com certeza devia ser alguma coisa permitida e tolerada pela Ditadura ou quem sabe até uma super rebelde banda de rock de protesto americana.Como era americana e cantava em inglês, a Ditadura permitia que as pessoas ouvissem dentro de ônibus ou lugares populares porque sempre ninguém iria saber mesmo o que o cantor revolucionário estaria cantando mesmo.Ou seja seria cômodo para a Ditadura promover música americana, ainda que de protesto, contanto que fosse em língua inglesa e que o povão não entendesse.


Mas acho que talvez nem isso.Com certeza deveria está tocando algum brega da época inventivando os homens a serem mais machistas do que eram ou algum forró promovendo a sociedade de consumo.Enfim, não lembro.


Só lembro claramente dos meus sentimentos e do rosto triste das pessoas.Eu via nos rostos todo o enfado daquelas pessoas.De como a vida era insuportável para elas.E aquilo me deprimia.


Fortaleza me deprimia naquela época e me deprime hoje.Naquela época havia uma ditadura militar financeira e monetarista.Hoje há uma ditadura do dinheiro, do mercado tão financeira e monetarista quanto aquela.


Ou seja, naquela época os discordantes, os dissidentes sociais não podiam se reunir.Hoje eles podem mas não o fazem, porque custa caro alugar uma sede para as reuniões.Custa caro manter-se vivo.Custa caro pagar as contas.Custa caro alimentar-se como uma comida cada vez mais artificial, envenenada de agrotóxicos e com poucos nutrientes.E pra variar continua custado caro PEGAR ÔNIBUS.

domingo, 13 de julho de 2008

O EU DISSONANTE


Há dois movimentos básicos
dentro de mim.

Um aponta para a paz
lugares ermos
montanhas verdes
praias desertas
monastérios budistas
conventos católicos
introspecção e silêncio

O outro aponta para a guerra
lugares agitados
cidades grandes
trânsito engarrafado
terminais de ônibus
piquetes de fábrica
pichação de muros
sabotagem de máquinas
greves selvagens
muito barulho por nada

Um parte de mim
acredita na humanidade
num outro mundo possível

outra parte de mim
quer que a humanidade se exploda

O ser humano é um aborto da natureza
um grande penico de excremento
o ser humano caga e peida

às vezes me vejo
como uma espécie de apóstolo da paz
o difusor do desarmamento


outras vezes
me diverte assistir Calígula
ler Marquês de Sade
ver cenas de gladiadores romanos
arrancando braços e cortando pescoços


Só gosto de futebol
quando a torcida invade o campo
quebra o alambrado
a polícia espanca, prende
e tudo termina com muitos mortos e feridos

O vulcão expelindo gases venenosos
e lava incandescente
me parece muito mais belo e soberbo
que a nona sinfonia de Beethoven

Sou Aquário, diplomacia e encontros entre povos
Sou Áries, o terrível deus dos genocídios