segunda-feira, 28 de abril de 2008

KALIYUGA


"Existem dois caminhos no horizonte do autoconhecimento.Um é movido pelo poder; o outro é movido pela compaixão.O primeiro é inebriante, o segundo é divino." Tales Nunes


Mergulhando em mim mesmo
na dobra de minha imanência

no dorso da autotranscendência

entre o devir e o vir-a-ser

Não sei que tipo de sacerdote interior

eu sou.


Não sei a cor do meu manto:

vermelho escarlate,
cinza
ou negro




E me divirto com as imagens
que produzo
com a a admiração e o medo
o fascínio e o pânico

Talvez seja eu
o coveiro prometido
o coveiro do cristianismo
velho, viciado, arquejante
como a estúpida era de Peixes
e seus pescadores de homens analfabetos
e rudes
que tem como sombra o signo de Virgem.

Serei eu o anunciador do Apocalipse
ou do eclipse
lapso colapso eclâmpse
fimose e epífise

domingo, 20 de abril de 2008

FORTALEZA SEGUNDO NIREZ


FORTALEZA SEGUNDO NIREZ


Este estudo contempla a obra do jornalista Miguel Ângelo Azevedo (Nirez): Cronologia ilustrada de Fortaleza: roteiro para um turismo histórico e cultural - Fortaleza: Banco do Nordeste, 2001.

No livro Nirez faz um levantamento historiográfico exaustivo (o volume 1 tem 391 páginas, redigidas em duas colunas) sobre a capital do Ceará. Desde quando o navegador holandêz Vincent Pinzón aportou com sua frota no Mucuripe em 26 de Janeiro de 1500 até a desertificação do centro comercial da cidade de Fortaleza no final do século XX.

A organogênese do município de Fortaleza é bem curiosa e revela toda uma cosmovisão política peculiar ao processo dito civilizatório brasileiro.

Fortaleza começa em 20 de Janeiro de 1912 com 6 soldados e 1 padre, quando o açoriano Martins Soares Moreno, que tinha amizade com os indígenas do Juguaribe e foi ao Camocim, quando o mesmo reconstrói o Forte, nomeando de São Sebastião na Foz do Rio Ceará.

É interessante perceber a presença do militarismo na criação de Fortaleza. A loura desposada do sol, na metáfora do romancista José de Alencar, já surge deixando bem claro que será uma cidade governada por brancos e para brancos.

Na maqueta do antigo vilarejo de Fortaleza podemos ver um lugar proeminente da capela e da forca, deixando claro para qualquer rebelde aos desmandos da metrópole uma dupla coerção: a violência simbólica do cristianismo lusitano a reprimir os credos nativos e a violência militar da pena de morte.

Outro dado interessante na maqueta da cidade de Fortaleza é o lugar proeminente do armazém, que vem trazer para os nativos uma nova sociabilidade: a sociabilidade mediada por mercadorias. Ou seja, até ali os nativos locais viviam dos frutos da terra coletivizada para todos, agora eles terão que importar o hábito "civilizado" de comprar mercadorias na venda do seu Manoel.

Na maqueta vemos um forte militar, uma igreja, uma forca, um armazém; um presídio será erguido em 1637 para encarcerar os indígenas e/ou os colonos portugueses degredados, mas não vemos a presença de uma escola.Todos esses detalhes arquitetônicos revelam devem servir de reflexão sobre a organogênese da cidade de Fortaleza.

Por que a primeira Biblioteca pública só aparecerá no século XIX? E por que ainda hoje Fortaleza dispõe apenas de duas bibliotecas públicas (uma estadual e outra municipal), sendo que o acervo das duas juntas não atinge a cifra dos 10 mil títulos? Por que não há uma política pública de criação e descentralização de acervo bibliográfico que atinja a clientela da periferia de Fortaleza?

No capítulo "Considerações finais" pode-se perceber todas as representações sociais de Nirez.

Nele veremos vários saberes se cruzando numa sinfonia polifónica.Um Nirez historiador e antropólogo ao lado de um Nirez urbanista e engenheiro de tráfego.

É a partir do mapa cartográfico e do traçado de ruas que Nirez equaciona o enigma Fortaleza.Segundo suas pesquisas, a partir de 1948 com a criação da Avenida 13 de Maio e Avenida Perimetral possibilitou-se o povoamento e a urbanização da periferia de Fortaleza.

Para não nos perdermos nas minúcias da urdidura do texto e para não substituir a leitura do mesmo, pinçamos alguns trechos reveladores do pensamento político de Nirez.

Ele alfineta o nome 'Novo Mercado Central', que na sua avaliação não é mercado, mas um 'shopping' de peças artesanais para turistas.

Alfineta os gestores públicos desatentos ao meio-ambiente e às tradições locais, que se evidencia na construção desordenada de prédios, derruba de árvores, aterramento de lagoas, poluição de riachos, rios e lagos.

No nosso entender Fortaleza se tornou uma cidade insustentável: super povoada, super aquecida, cheia de ilhas de calor insuportável e se depender da apologia da indústria do petróleo feito pelo Governo Cid Gomes, será também cada vez mais uma cidade suja, engarrafada e cheia de gases fétidos.O poder municipal é totalmente subordinado às determinações das leis da economia de mercado - a Torre do Grupo empresarial Jereissati construída no meio do mangue, a construção de uma filial do EXTRA na área de preservação ambiental no bairro da Parangaba.

Outro ponto interessante do capítulo é quando o autor fala da poluição sonora promovida muitas vezes pelo próprio poder público, que contrata trios elétricos que entopem os ouvidos dos moradores de madrugada a dentro com o forró "Chupa/que é de uva" a mais de 100db.

Nirez também ataca a indústria do turismo - também chamada de indústria sem chaminé - que traz só turistas predatórios que vem consumir os corpos de crianças e adolescentes, sujar as ruas e poluir os ouvidos dos moradores que querem dormir.Para ele, o turista vai embora e o morador fica.Por isso, a cidade deveria ser projetada para ter um turismo histórico e cultural que valorizasse o património histórico que ainda resta.

Nós particularmente pensamos que esse turismo histórico e cultural poderia gerar dividendos sociais mais significativos, valorizando o empreendedorismo de pequenas cooperativas de produtos artesanais ou de guias de turismo que levariam os turistas aos lugares mais perto do povão.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

TÂNTRICO


A luta corporal
pêlo, músculos, nervo duro em riste

o combate entre a bailarina
e o gladiador
entre néter e éter
entre o fundo e o topo
o inferno e o super

os poderes lunares
serpente kundalini
cultos ofídicos
suvasinis (mulheres de cheiro adocicado)

da energia sexual à energia mágica, ojas
a função do sêmen e o corpo de luz
vapores voláteis dos testículos
o forte perfume do macho

tudo para limpar as toxinas e
realinhar os chakras.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O CORPO GRITA E PULSA: A OBRA DE SÍLVIA MOURA


"Não é possível prostituir a ideia de teatro, que deve ter uma ligação mágica, atroz com a realidade e o perigo"
ANTONIN ARTAUD in O Teatro e seu Duplo



Este artigo não segue o cânone da crítica de dança e comete vários pecados conta o mesmo.Irei debruçar-me sobre a obra da coreógrafa cearense Sílvia Moura.

Este artigo é ruim, do ponto de vista da crítica de dança, porque não li nada da obra do teórico da dança RUDOLF LABAN. Também não tive acesso à historiografia da dança brasileira, que inclui autores como Jacques Corseuil, Antonio Jose Faro, Suzana Braga, Nicanor Miranda, Lineu Dias, Helena Katz e Roberto Pereira. O máximo que consegui até agora foi ler um artigo muito esclarecedor de Marcela Benvegnu, o qual discute a dança contemporânea.

Evocar Marcela Benvegnu no artigo sobre Sílvia Moura é conveniente, porque a coreógrafa cearense tem um trabalho alinhado com o que há de mais forte na chamada dança contemporânea.

Para Marcela Benvegnu a dança contemporânea se caracteriza pela estrutura não-linear, ou seja, um espectáculo como os desenvolvidos por Sílvia Moura com os alunos do SESC é estruturado, é um aglomerado de signos, de significantes e significados, ainda que numa sintaxe próxima do caos, ou assintática.

Benvegnu ainda aponta a não-narratividade como outra característica da dança produzida por companhia como o grupo CORPO, a QUASAR companhia de dança, o BALLET CISNE NEGRO, entre outros. Assim, entenderemos que espetáculos como Vagarezas e Súbitos Chegares, baseados na obra da artista-plástica gaúcha Elida Tessler e da poetiza mineira Adélia Prado, não narram, não contam absolutamente nada.

E outra característica típica da dança contemporânea: multiplicidade de significados, discursos, temáticas, processos e produtos. nos leva a contemplar um dos trabalhos de Sílvia Moura realizado no palco do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, dentro do projeto Quinta com Dança de formação de plateia. Nele dois planos se sucediam no palco.Um elenco grande de bailarinos dançava todas as pulsões da grande metrópole e ao fundo um DATA-SHOW projetava na parede Sílvia Moura entrevistando os frequentadores da Praça do Ferreira (que fica no Centro da capital do Ceará). O efeito produzido era o de simultaneísmo plástico. Muitas vezes o olhar não sabia pra onde se dirigir: se para o elenco de bailarinos ou se para o DATA-SHOW no fundo do palco. O que revela o simultanéismo das grandes metrópoles pós-modernas do capitalismo transnacional, em que os habitantes são quase devorados pela poluição visual, sonora e pela avalanche de signos vomitada por fragmentos de outdoors, outbus, faixas de clubes de forró, letreiros, placas de trânsito, cartazes, pichaçõe políticas e todo um frenetismo sígnico ad nauseam.

Referência ao passado é outra característica levantada por Marcela Benvegnu, que podemos apontar nesse espectáculo de Sílvia Moura. O espectáculo começa com uma senhora idosa que entra no auditório do teatro e começa a perguntar à plateia se todos conhecem a história do cajueiro botador, que tinha na Praça do Ferreira.E logo começa o DATA-SHOW mostrando Sílvia Moura entrevistando os frequentadores da Praça do Ferreira sobre o cajueiro botador.

Multiplicidade e interdisciplinaridade das artes seria outra característica da dança contemporânea presentes aqui.Nesse espetáculo há dança, há teatro, há cinema documental e referência ao circo mambembe com a maquiagem de Sílvia Moura.

Comecei a conhecer a obra de Sílvia Moura ainda na década de 80, no ano de 1988, quando ela tinha a companhia EM CRISE e os habitantes do Planeta Terra tinham a ilusão de viver num suposto mundo Bi-polar, dividido no capitalismo de modelo americano e no capitalismo de estado do modelo soviétic0-bolchevique, também chamado de Guerra fria.

A Companhia EM CRISE levou os princípios da dança contemporânea até as últimas consequências.Sílvia Moura e seu elenco de bailarinos montavam os espetáculos nos lugares mais inóspitos e improváveis: no Sindicato dos Comerciários interrompendo o forró dos trabalhadores que vinham do comércio na sexta-feira; no Sindicato dos Bancários dinamitando a tradicional separação espectador-artista; em cima do palanque na Praça José de Alencar sob vaias dos papudinhos que queriam ouvir música brega, enfim, qualquer lugar podia ser territorializado pela dança desterritorializada de Sílvia Moura.

Outra marca da obra de Sílvia Moura é a atuação política.Ela já chegou a montar espetáculos para conseguir alimentos e material de higiene pessoal para um amigo preso.E agora sua última campanha é por uma amiga bailarina, que está doente e que ela quer conseguir um benefício do INSS para a amiga.

Sílvia Moura tem atuado com e para presidiários e presidiárias, o que revela uma preocupação micro-política no dizer de Felix Guatarri. A micro-política do cotidiano de grupos marginalizados ou criminalizados.Ou a micro-física do poder na terminologia de Michel Foucault.

Sílvia Moura também é habilidosa artesã e gosta de reutilizar os refugos jogados a esmo pela sociedade de consumo, que entulha as praças de Fortaleza e entope os esgotos provocando as enchentes nas áreas de risco.

A obra de Sílvia Moura é forte, vigorosa, pesada, carregada, densa e escorpiana.Sílvia Moura não poupa os espectadores de entrarem no auditório e se depararem com um monte de velas pretas e vermelhas acesas ou com o forte cheiro de pólvora exalando dos corpos dos bailarinos.A associação com à Quimbanda, com a magia cinza e com a magia negra não é gratuita, pois Sílvia Moura é uma feiticeira, como todas as mulheres são feiticeiras.

Num dos espetáculos para denunciar o industrialismo e o produtivismo capitalista, que tem levado à exaustão dos recursos naturais não-renováveis do planeta; Sílvia Moura coletou um monte de garrafas de vidro de bebida jogadas próximas dos bares e churrascarias da cidade de Fortaleza.No espetáculo a coreógrafa cearense destrói todas as garrafas e não poupa a plateia de levar no olho algum estilhaço de vidro quebrado.

Com esta arte visceral, viril, provocadora, criativa e destrutiva, Sílvia Moura tem levado ou tentado levar as plateias a questionar o uso do espaço urbano, da temporalidade e do corpo.




terça-feira, 8 de abril de 2008

ANTI-MILITARISMO


Quero produzir um poema em prosa delirante e febril
como a fala dos bêbados favelados
que passaram o dia todo catando papel nas ruas sujas e fétidas
da Grande Fortaleza
e que sabem que irão encontrar apenas meio kilo de arroz
na mesa de seu pequeno barraco
enquanto o policial da RONDA DO QUARTEIRÃO
pesa 120 kilos.

Quero uma prosa-poética louca e seminal
como a sabotagem do trabalho
nas fábricas italianas
pelos autonomistas da década de 70
que leram Guy Debord
nas frenéticas greves selvagens

O meu discurso trôpego entre a intrasitividade, escritura
e a transitividade, escrevência
língua escritural agônica pertença

Sou escritor fudido do terceiro mundo
na minha rua passa RONDA DO QUARTEIRÃO
mas o posto de saúde é péssimo
na minha rua passa RONDA DO QUARTEIRÃO
mas não tem agricultura urbana
na minha rua passa RONDA DO QUARTEIRÃO
e o professor ganha menos
que o motorista de ônibus.

O RONDA DO QUARTEIRÃO
pára pobre e pára negro
mas não pára empresário ou magnata

Aliás, no meu país
a escolas públicas tem computadores sucateados
mas a RONDA DO QUARTEIRÃO
tem rastreamento por satélite
e o computador de bordo
é de quinta geração


ô país nojento!