quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

BALANÇO DO ANARQUISMO DE FORTALEZA (2002-2008)


Nesse estudo pretendo me colocar em relação ao anarquismo contemporâneo, num cenário de capitalismo transnacional tecnotrônico e cibernético e sua relação com a cidade onde moro, Fortaleza, capital do Ceará.

Comecei a ter contato mais direto com a cena anarquista da cidade de Fortaleza, em 2002 por volta da atuação da Assembléia de Anticapitalistas contra o BID (na série de ações que organizamos na cidade, da qual nomeamos como o ANTIBID). Antes o meu contato com o anarquismo se resumia a leituras fragmentadas de autores anarquistas na Internet. Mas em 2002 eu não me assumia anarquista ainda. Eu me reinvindicava autonomista, fruto das leituras sobre as greves selvagens feitas por autonomistas italianos na década de 70.

O que pude perceber em 2002 nos bastidores do ANTIBID em relação aos anarquistas era a grande diversidade e pluralidade de concepções, estratégias de luta e metodologias empregadas pela militância anarquista.

Também pude perceber uma relação de certo ressentimento ou constrangimento, com os chamados marxistas não-autoritários. Ou seja, como se houvesse por parte desses anarquistas uma necessidade de demarcação de território, uma certa busca por uma hegemonia.Tanto que a Assembléia de Anticapitalistas contra o BID acabou se dissolvendo depois de um certo tempo. Parte das pessoas voltou a se reunir meses depois no chamado Comitê do Voto Nulo, no mesmo ano.

Em 2003 por forças das circunstâncias e por causa da afinidade e amizade com o pessoal do Coletivo Ruptura e do coletivo anarco-feminista LUA, passei a ter uma interlocução e atuação no meio anarquista, reinvindicando-me como tal.Houve todo um lento processo de construção da II Semana de Cultura Libertária, que envolveu oficinas preparatórias para o encontro, pedágios para fazer um caixa pro evento, pintura de painéis nas principais ruas de Fortaleza.Em todo esse processo fui aprendendo e entendendo como era o anarquismo na prática, no cotidiano, como se dava a autogestão - um dos princípios norteadores de qualquer prática anarquista.

Na II Semana de Cultura Libertária, realizada nas dependências do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará - UECE, propriamente dita, pude ver a diversidade das concepções anarquistas e até da incongruência entre elas.

Pude perceber desde uma postura burguesa de um anarquismo meramente acadêmico e livresco até um anarquismo visceralmente empenhado na transformação da sociedade em que vivemos.

O evento de 2003 teve como saldo positivo dar visibilidade a cena anarquista de Fortaleza, tanto que percebi até a presença de trotsquistas e mandelistas da Democracia Socialista (uma corrente da esquerda capitalista do PT) entre as pessoas do auditório do C.H.

Em 2004 foi a vez dos anarquistas e anarcopunks se juntarem temporariamente com os emancipacionistas do movimento Crítica Radical, por volta do acampamento contra o PASSECARD na Praça do Ferreira.Foi um momento de muita aprendizagem para a militância anarquista/anarcopunk.Pude perceber a fragilidade de retórica por parte de alguns anarcopunks em face da eloquência arrogante e pedante de alguns membros do movimento Crítica Radical, muito habilidosos na digestão da chamada Teoria do Valor do comunista Karl Marx.

Mas a principal realização da cena anarquista/anarcopunk de Fortaleza em 2004 foi a inauguração do Espaço Cultural Comuna Libertária, no bairro da Parangaba, numa região pobre de Fortaleza.

O Espaço Culural Comuna Libertária - o ECCL - ficava no prédio alugado de uma antiga escola. Era um prédio enorme com diversos compartimentos.Conseguimos reunir uma biblioteca com mais de 200 títulos de livros, um centro de documentação anarquista/anarcopunk( arquivo de zines, revistas, cartazes, panfletos e folders de diversas partes do mundo). O ECCL tinha um calendário de atividades mensais como mini-cursos, palestras, video-debates, grupos de estudo e oficinas temáticas.Houve projetos mais longos como Historiando a Parangaba com alunos pequenos de uma escola públicado bairro, em que o historiador anarquista João Paulo fez um levantamento com estes alunos, sobre as origens indígenas e caboclas do antigo aldeamento da Porangaba; o curso de Esperanto, o curso de teatro e dança com a militante Bartira; até projetos mais rápidos como uma oficina de papel reciclado no meio da praça da Parangaba, que agradou muito os moradores locais até então desconfiados com a suposta aparência agressiva e esquisita dos anarcopunks ou a apresentação dos companheiros argentinos do Circo Nômade da Argentina na mesma praça, que agradou a criançada presente e seus pais.

Entretanto, nem tudo foi tranquilo na trajetória do ECCL.O Coletivo Gestor do ECCL cometeu alguns vacilos com os parcos recursos financeiros adquiridos pela militância - fosse através de campanha financeiras ou através de doações dos coletivos anarquistas e anticapitalistas americanos e/ou europeus. Por exemplo, o pessoal gastou muito dinheiro com a construção do estúdio musical e no final das contas o estúdio não ficou pronto (o dinheiro não foi suficiente) nem se comprou uma aparelhagem para as apresentações musicais, ou como se diz no sertão cearense: nem mel nem cumbuca. O saldo disso é que ainda hoje a cena anarcopunk local precisa alugar aparelhagem quando quer fazer algum evento para arrecadar fundos, quando poderia ter autonomia nesse aspecto.

Outro problema que acabou gerando a tão comentada cisão entre anarquistas e anarcopunks foi o descomprimento de acordos. Um espaço anarquista funciona pelo princípio da autogestão, ou seja, nele todos têm poder de decisão; ninguém acumula funções e os cargos, quando existem, são temporários.Tudo é decidido coletivamente, assembleiariamente.Entretanto, para que a coisa funcione bem é necessário que todos os participantes estejam conscientes dos acordos estabelecidos entre as partes. Parece, no meu entender, que alguns anarcopunks não entenderam que o ECCL não era uma moradia.Por isso, houve os conflitos entre os anarquistas que eram contrários a permanência de pessoas no espaço depois das GIG's - eventos artísticos/musicais de natureza política para arrecadar fundos para as atividades gratuitas do espaço) e que, no entender deles, ficavam gastando água, tinta, telando camisas e PATCHS na serigrafia, entupindo telas, entre outras despesas desnecessárias; os anarcopunks, por sua vez, têm outra versão do caso.

O saldo desse "conflito" foi a cisão do movimento anarquita local. O Coletivo Comuna Libertária cindiu-se em dois.Os anarquistas de um lado em torno do Coletivo Ruptura (que voltou a existir) e os anarcopunks de outro em torno do Coletivo Confronto Anarcopunk. A partir dessa cisão os anarcopunks passaram a sondar um lugar na periferia de Fortaleza, para alugar e fazer sua sede própria.

O ECCL ainda durou mais um ano, dessa vez alugando o espaço junto com o pessoal da capoeira angola do grupo GCAP. O Espaço abrigou uma oficina de jornalismo ministrada por dois estudantes do Curso de Comunicação Social da UFC e passou a ser a sede provisória do Movimento Passe Livre - MPL. Mas o espaço agonizava financeiramente. O aluguel de R$ 320 reais era caro demais para uma militância pequena e pobre.

Em 2006 o Coletivo Confronto Anarcopunk encontrou uma casa de vila num bairro da periferia de Fortaleza (que não informo por questão de segurança).Como era perto da minha casa passei a frequentar o espaço, contribuindo financeiramente e politicamente, doando livros e revistas para a biblioteca e o centro de documentação do espaço.

Até então tinha uma visão muito crítica de alguns aspectos da cultura punk. Tinha uma visão muito simplista do hardcore, que eu entendia como sendo apenas mais uma sonoridade barulhenta entre outras. Só mais tarde com a convivência com o pessoal é que entendi que o hardcore é uma atitude política.

Devido a um certo ranço academicista sempre dei mais valor aos livros e revistas, do que aos zines, por vê-los como mal-feitos e ilegíveis.Penso que só com o tempo é que irei dar algum valor aos zines, a despeito de usar zines anarcopunks com meus alunos da rede municipal.Sem falar que alguns zines são verdadeiras obras de arte.

A casa do Confronto Anarcopunk difere muito do ECCL. Primeiro porque não é um centro cultural anarquista mas uma moradia anarquista/sede política do movimento.Por ser uma casa de vila é pequena demais para ter os eventos que tinha no Espaço da Comuna Libertária. A despeito de existir há quase três anos até agora não foi feio um trabalho de inserção social consistente na comunidade em que está inserida.Entretanto, a pankarada é bem vista e bem tratada pelos moradores da vila.Alguns vizinhos são tão solidários que chegam a compartilhar o pouco alimento que possuem conosco.

A criançada da vila não tem medo de entrar no espaço apesar de ser avisada pelos pais, de que os punks são ateus.

A arquitetura simples da casa se divide na sala de reuniões; um quarto, onde fica a serigrafia, a biblioteca e o centro de documentação e onde dormem as pessoas que moram no espaço ou que visitam Fortaleza;a cozinha em que cultivamos o hábito da reciclagem de legumes e verduras coletados em feiras livres da região (tentamos ao máximo praticar o freeganismo), um banheiro e uma pequena área de serviço.Os móveis do espaço foram doados ou coletados no lixo, pois tentamos ao máximo negar a sociedade de consumo.

A casa funciona na base da autogestão e todos são convidados a criarem suas próprias iniciativas; ou seja, se há louça suja ninguém deve esperar que o outro lave.Se o banheiro está sujo qualquer um pode lavá-lo, tanto faz se é um engenheiro, médico, advogado anarquista ou um pedreiro, catador de lixo ou artesão que vende pulseira.

Recentemente, houve o Encontro Nacional Anarcopunk no Salgado (distrito de Pentecostes - a três horas de viagem de Fortaleza). Eu não fui, respeitando a decisão da cena local que eu não deveria ir, devido aos problemas decorrentes do artigo que fiz comentando o uso de drogas na cena anarcopunk local.

Não sei ainda o que foi deliberado nesse encontro, por conta de não ter tido acesso ainda ao relatório do mesmo.

Um dos temas centrais do Encontro foi: Que anarquismo queremos? Como não participei do encontro não sei como se deu a discussão em torno dessa questão, porém devo pressumir, pelo nível de esclarecimento dos anarcopunks que vieram de várias partes do Brasil a que tive acesso, que deve ter sido uma discussão muito rica, ainda que inicial do tema.

Não sei quais são as perspectivas da casa do Confronto Anarcopunk em 2008. Temo um esvaziamento como ocorreu com a Comuna Libertária, já que muita gente pretende deixar a cidade e ir de bicicleta para o sul do país, onde irá se realizar em Julho o Encontro Internacional Anarcopunk.

Não sei se os poucos militantes que vão ficar em Fortaleza vão conseguir segurar a peteca de pagar o aluguel da casa e ainda dar um gás na atuação anarcopunk.

Outra questão delicada que aproveito para inserir nesse estudo é a questão da legalidade de nossa sede.Esclareço: a sede foi alugada à uma imobiliária, mas legalmente não existimos.Em termos legais somos apenas uma residência. Entretanto, não nos resumimos a uma moradia, somos um centro de formação política.Porém, como não temos pessoa jurídica não podemos ter a chamada utilidade pública.Proponho para o debate não só da cena local, como de outras cenas da posssibilidade de adquirirmos um CNPJ.Tal coisa tem vantagens e desvantagens.Com um registro em cartório poderíamos pleitiar um recurso junto ao BNDS para projetos sociais com a comunidade.Por exemplo, já que a casa tem serigrafia poderíamos fazer oficinas de serigrafia regulares com a criançada da vila.Ou já que há biblioteca na casa, eu poderia ministrar aulas de redação para as pessoas interessadas da comunidade.Seria uma forma de atrair mais pessoas para o anarquismo além de conseguir um caixa para as atividades da casa.A desvantagem é que vivemos numa sociedade de controle, como diz o Gilles Deleuze. Então seria mais fácil, através dessa documentação,de sermos monitorados e vigiados pelo Estado, do qual nos opomos. Haveria então um risco de se perder a autonomia conquistada até agora.

Fica a proposta para ser discutida e amadurecida.Antes de concluir, gostariar de dizer o que penso dos anarquistas locais.A galera tem emprego, tem grana e não aluga uma sede.Os anarcopunks são fudidos, desempregados ( a grande maioria), vivem de bico, mas estão conseguindo garantir o funcionamento de uma sede.Espero que isso sirva para alguma reflexão.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

A ARTE PÓS-MODERNA


A ARTE PÓS-MODERNA

O texto discute os supostos impasses do homem pós-moderno e sua expressão plástica.

A ARTE PÓS-MODERNA Charles Odevan Xavier Este texto tem como mote a composição “Bienal” de Zeca Baleiro do Cd Imbolá” (MZA).Nela o compositor maranhense disserta com ironia e bom humor sobre a temática da 23ª Bienal Internacional das Artes Plásticas de São Paulo (1996): “Desmaterialização da obra de arte no fim do milénio”. Ou seja, em que medida o quadro contemporâneo transcende a limitação da moldura. Ou o que sinaliza a crítica ao suporte tradicional. Assim, a pintura pode sair da tela e/ou o espectador é convidado a entrar na escultura. A arte moderna tendia à militância política. Procurava cantar as glórias da tecnociência como no caso do Futurismo Italiano, ou, pelo contrário, procurava denunciar o cenário caótico da modernidade urbana do capitalismo industrial, como nas cores fortes do cubismo e do fauvismo ou na cinzenta deformação da realidade do expressionismo alemão. A arte pós - moderna – chamada, acertadamente, por alguns teóricos de ‘arte pós - vanguarda’- renuncia a qualquer messianismo. Não quer salvar a raça humana do colapso da modernização como disse Robert Kurz ou propor qualquer utopia capaz de suplantar a barbárie resultante desse colapso. Desse modo, o artista pós - moderno vê-se num pêndulo entre o niilismo sinistro da morte de Deus e o narcisismo hedonista e cínico da apologia do consumo. Isso se traduz pictoricamente em negativos fotográficos corroídos por ácido justapostos na parede ou nas latas de sopa Campbells de Andy Wahrol. A arte pós - moderna aponta para um impasse do homem pós - moderno: que caminho iremos tomar daqui para frente? Num contexto em que cada vez mais pessoas se tornam coisas e coisas se tornam pessoas, como Marx previa na sua crítica ao fetichismo da mercadoria, o que propor para raça humana? Será que ainda existem propostas plausíveis ou viáveis? A impressão que se tem ao visitar as exposições do Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar (Fortaleza - Brasil) é de que o homem não tem mais nenhum projeto aglutinante e de que a arte atual é, ou seria, a própria celebração desse atomismo. Há um aspecto, entretanto, que tem de ser evidenciado na arte contemporânea e sua tendência à ruptura com o suporte. Seria o carácter não - comercial desta arte. Qual burguês irá comprar as esponjas de aço enferrujadas da artista - plástica gaúcha Elida Tessler? E isso é muito bom, numa época em que os executivos americanos dizem tudo estar à venda, inclusive, a dignidade humana. Portanto, percebo um potencial subversivo na arte atual. Que é o de revelar a insustentabilidade do projeto civilizatório moderno. Negando a sociedade produtora de mercadorias e sua sociabilidade viciada quando produz “trambolhos” que não podem ser empendurados na parede ou que sujariam as estantes dos apartamentos burgueses. Mestrando em Letras pela UFC.