sábado, 29 de setembro de 2007

OS NOVOS DESAFIOS


Recebo, ao meio, dia um telegrama me convocando para assumir uma vaga de professor na rede municipal.
Estou ciente das dificuldades da escola pública e das inúmeras fragilidades dos alunos carentes.
Num país que gasta apenas 1200 dólares por ano com estudante.
Serei pago por isso e estou feliz.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

INSEGURANÇAS


Inseguro venço mais um dia de fome e de misérias afetivas e materiais

Tenho alguma comida, um teto para morar e uma cama para se deitar

Moro com pessoas que não sei a língua

Namoro com alguém que me ilude

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

A METRÓPOLE


A Metrópole me vem desesperada

em fluxos urbanos de pessoas procurando empregos

e sentidos

de sinais de trânsito vermelhos

de portas fechadas

de pichações políticas competindo com o

cartaz da última banda de forró

ou do mais recente festival de reggae

muros borrados de fuligem

sacos plásticos a flutuarem levados pelo vento


de carros passando em disparada

de ônibus lotados

de poluídos rios sujos e fétidos

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O DIA QUE DEIXEI CURRÍCULOS NO COMERCIO


Estou tão sentido hoje, tão magoado, que não sei como artigular a mágua ou o ressentimento no papel...

...eu graduado em letras...quase mestre em literatura...e tendo que deixar currículos no comércio de Fortaleza.

Será que terei de passar horas em pé até o Natal, cheio de varizes e aguentando o mal cheiro de clientes chatos e esnobes nas sapatarias?

Divagações amargas!

Não perdou a minha mãe por não me apoiar em nada!

ONDAS MÉDIAS


Embriagado

ouço besame mucho

em ondas médias

e outras temporalidades

invadem chiadas

o meu quarto.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

A PADARIA ESPIRITUAL SEGUNDO GLEUDSON PASSOS


Este texto é uma resenha do livro "Padaria Espiritual: Biscoito fino e travoso" de autoria do historiador Gleudson Passos Cardoso, faz parte da Coleção Outras Histórias editada pelo Museu do Ceará e Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará Gleudson Passos Cardoso, nascido em Fortaleza, graduado em História pela UFC e mestre em História Social pela PUC-SP, é professor de História da Unifor e do Projeto Magister/UFC. Membro atuante da Sociedade de Belas Letras & Artes Academia da Incerteza. É poeta, tendo se especializado na arte do soneto. Autor do livro "Fraya Zamargad: Sonetos de Amor e Melancolia". O livro "Padaria Espiritual: Biscoito fino e travoso" é uma espécie de resumo de sua dissertação de mestrado cujo título é "As Repúblicas das Letras Cearenses: Literatura, Imprensa e Política (!873-1904)". A obra traça um panorama do contexto peculiar da Fortaleza do Séc.XIX que gerou a singular confraria de escritores da Padaria Espiritual. A Padaria Espiritual foi um grupo eclético em atuações e tendências literárias. Liderada pelo escritor Antônio Sales, tinha como principal propósito alfinetar a burguesia ignara. Gleudson Passos revela no primeiro capítulo a constituição dos grêmios literários que antecederam os escritores do Jornal "O Pão". A Academia Francesa, segundo o autor, em muito difere do grupo de Antônio Sales. Enquanto Rocha Lima, Capistrano de Abreu, Araripe Júnior e outros surgiram para combater a Igreja Católica, nas páginas do órgão maçônico "Fraternidade", como estandartes da sociedade industrial-civilizatória, entendido como culto ao progresso, a tecnologia e a ciência; o grupo dos padeiros, por sua vez, revestia-se de um certo saudosismo em relação a uma cidade que perdia seus encantos brejeiros e assumia terríveis ares de metrópole. O autor informa que enquanto outras agremiações como o Centro Literário e a Academia Cearense procuravam disseminar a ideologia do progresso, seja relacionada ao regime republicano ou ao conhecimento científico-tecnológico, a Padaria Espiritual optou por interpretar a realidade nacional de acordo com a realidade popular que compunha a nação brasileira. Isso se traduz numa certa aversão aos estrangeirismos, tão comuns à moda e ao "mundanismo" que os produtos fabricados nos países industrializados trouxeram aos centros comerciais e áreas de influência mais recônditas. Desse modo, o historiador identifica alguns traços de teor nacionalista. Entretanto, a Padaria Espiritual não era um grupo homogêneo. Gleudson Passos comunica que as posturas variavam bastante. Na paleta dos "forneiros" podia-se perceber desde as cores alegres da filosofia do progresso com Antônio Sales e Álvaro Martins até os tons escuros do pessimismo satânico e a descrença na civilização industrial com Lívio Barreto, Lopes Filho e Cabral de Alencar. Com base nisso, o historiador pinça trechos de crônicas em Antônio Sales e o republicano exaltado Álvaro Martins revelam a crença de que a normalização dos espaços p[públicos e a correção de comportamentos transgressores à ordem urbana contribuiriam para o progresso, o bem-estar social e a moralidade. Por outro lado, membros do grupo como Adolfo Caminha identificava nos regeneradores da ordem sócio-urbana (médicos, higienistas, urbanistas, engenheiros), nas classes urbanas emergentes e nas facções políticas oligárquicas, os agentes de imposição de uma violenta disciplina urbana, a reproduzir o consumismo selvagem, bem como concentrar poder político com mandonismo, violência física e atos ilícitos, nepóticos e clientelistas. No segundo capítulo, Gleudson Passos compõe o painel da formação da Padaria Espiritual. Segundo o autor o grupo era formado por rapazes oriundos dos setores médios e baixos da cidade e do interior. Eram, portanto, funcionários da alfândega, caixeiros, escritores menores, sem filiação com as facções político-oligárquicas e buscavam ascensão pública e social. No terceiro capítulo o historiador recupera a importância do fundador do grupo, Antônio Sales. Gleudson Passos mostra em que medida a atuação publicitária do autor de "Trovas do Norte" projetou o grupo não só no Ceará, como nos grandes centros. Antônio Sales enviava o "Programa de Instalação" para vários escritores do eixo Rio - São Paulo e pedia colaboradores para o Jornal "O Pão" em todo o país. Com esta estratégia a Padaria Espiritual passou a ser referência de literatura feita no Ceará. No quarto capítulo, Gleudson Passos mergulha nos meandros da chamada "literatura menor" do Ceará, isto é, feita por apreciadores da estética simbolista. Assim, os padeiros "nephelibatas" beberam nas fontes de Baudelaire, Verlaine, Antero de Quental e Antônio Nobre. O autor entende que o trabalho de Lopes Filho, Lívio Barreto e Cabral de Alencar está calcado no estilo dionisíaco, herdeiro do barroco e sobretudo do romantismo, em que deram-se por rebelar contra as estratégias de controle simbólico, como a crença ortodoxa na ciência, no progresso técnico-industrial e na democracia liberal. No último e breve capítulo, o autor procura estabelecer uma relação nem sempre amigável entre os escritores e a imprensa local. "Padaria Espiritual: Biscoito fino e travoso" é uma obra curta (93 páginas) e bem urdida, feita com apuro e lucidez crítica. O texto de Gleudson Passos é saboroso e fluido. O autor não faz crítica literária e nem é esse o objetivo de um historiador, mas procura investigar em que medida o literário pode ser uma porta de acesso a um tempo esquecido. Mestrando em Letras-UFC.

A SOCIABILIDADE GAY


Este texto não é fruto de uma rigorosa pesquisa científica, com todo rigor nas amostragens e nem com rigoroso tratamento estatístico de dados.Nada disso.O texto é uma simples constatação subjetiva e empírica (por isso mesmo, sujeita a erros e generalizações) do tipo de sociabilidade construída por gays.Não posso falar de uma sociabilidade gay geral, mas da sociabilidade gay de Fortaleza (capital do Ceará, estado do Brasil).Também não conheço a sociabilidade gay lusitana, mas um dia pretendo dar aulas de literatura brasileira em Portugal.Ou seja, resolvi falar do que conheço para que vocês comparem com o cotidiano gay de vocês.Bem.Se a sociabilidade pós-moderna em geral é marcada pela superficialidade, a sociabilidade gay não fugiria de uma tônica dominante de época.O gay de Fortaleza dispõe de alguns equipamentos públicos e privados feitos para o seu deleite.Saunas, bares, móteis, cines pornôs e boites fazem parte do cotidiano gay de Fortaleza.Esses lugares tem suas regras próprias de convivência.Por exemplo, nas boites da zona rica da cidade, se você vier da parte pobre da cidade, será efetivamente ignorado pelos frequentadores.Parece que eles (os gays ricos e sofisticados) têm um faro para detectar gays pobres e se isolar deles ou isolá-los.Já nas boites do centro da cidade, a possibilidade de encontrar alguém e "ficar" por uma noite é alta.Já que nas boites ricas, os gays abastados ficam só exibindo suas roupas de griffes e não se relacionam com ninguém.Nas boites pobres do centro as pessoas vão para "namorar" e/ou fazer sexo.Mas apenas isso.Nos cines pornôs a regra é nunca perguntar o nome da pessoa a qual você está tendo contato físico.Porque ele pode ser casada com uma mulher.E aí as pessoas entram em cabines desconfortáves, fazem sexo e depois saem como se não conhecessessem.É assim que funciona.Em suma, o gay de Fortaleza tem uma facilidade enorme de criar vínculos e de desfazê-los com a mesma rapidez.É isso que chamo de superficialidade.Os laços sociais são muito esgarçados, tênues e frágeis.A cultura gay de Fortaleza é uma boa fonte de renda para psicanalistas e psiquiatras.Conheço muitos gays que se queixam de depressão, angústia e melancolia.Muitos nem sabem a razão de estarem assim.Mas penso que é devido ao nosso tipo peculiar de envolvimento emocional, ou seja, um envolvimento nulo.Eu me queixo disso.Mas não sou ingênuo de achar que isso é um privilégio da cultura gay.Penso que isso que estamos vivendo está disseminando por todos os estratos sociais, inclusive os não-gays.Vivemos na era da superficialidade das relações e de uma cultura da banalização do sexo, da violência que se traduz nos programas idiotas das tevês pagas e em talk shows imbecilizados e imbecilizantes.Eu luto contra isso no meu cotidiano.Gostaria de ouvir as opiniões de vocês acerca do meu comentário.

O ESNOBE "PINK MONEY" GAY


Achei interessante ser essa uma das preocupações da APHM.Particularmente penso que qualquer protagonismo é ruim.Porque protagonismo é ativismo.E ativismo é toda prática espetacular (no sentido debordiano do termo)e alienada do cotidiano de quem "faz" e pior ainda de quem "assiste".O protagonismo pressupõe espectadores passivos e atores extravagantes.Não quero ser visto como palhaço nem quero divertir a burguesia de graça com atitudes bizarras.Deixem que os burgueses heteros sejam seus próprios palhaços no circo deplorável de suas vidas vazias.As paradas gays estão completamente esvaziadas de sentido, a despeito de terem crescido quantitativamente.Já não se fala em Stonewall (que gerou o orgulho gay) mas sim faz-se a apologia do "pink-money".O capitalismo soube cooptar a rebeldia gay e transformá-la num lucrativo e perverso nicho de mercado.Uma boa ilustração disso são os hóteis criados para servirem a clientela gay.Geralmente os gerentes destes hóteis tratam os gays de forma excelente, até porque também são gays.Entretanto, o "pink-money" desses gays endinheirados e geralmente pedantes, serve para manter uma estrutura de exploração toyotista dos empregados do hótel (sejam eles heteros, gays ou qualquer outra categoria...não interessa).É isso que chamo de cárater perverso do "capital gay".Por isso, o protagonismo nada mais é do que uma forma de mercantilizar o desejo homoafetivo com propagandas de boites, resorts, restaurantes etc. e garantir a perpetuação de toda uma cadeia perversa. alienada e alienante de exploração.Charles Odevan Xavier

sábado, 8 de setembro de 2007

O SERTÃO POLIFÔNICO DE EUCLIDES DA CUNHA


O SERTÃO POLIFÔNICO DE EUCLIDES DA CUNHA

Charles Odevan Xavier


Escrita entre 1897 e 1902, ano em que é publicada, a obra “Os Sertões” surgiu como um desdobramento de artigos feitos sobre a campanha de Canudos pelo autor, encomenda para o Jornal O Estado de São Paulo, quando este foi correspondente de guerra. A obra se divide em três partes: “A terra”, “O homem” e “A luta”.


A TERRA


Se o percurso gerativo de sentido é esburacado, na metáfora genial de Pierre Lévy (“O que o Virtual”), não menos íngreme é a trilha aberta para o leitor por Euclides da Cunha nos “Sertões”. A obra começa difícil e arenosa. O vigor do universo euclidiano nos faz pensar em outro escritor pré-modernista: Augusto dos Anjos. Enquanto o poeta paraibano elegeu a Química e a Biologia como musas, o jornalista carioca vai buscar na Geologia e na Antropologia as fontes inspiradoras. Em “A Terra”, Euclides da Cunha lança o leitor no solo granítico do agreste baiano. O percurso euclidiano é duro e acidentado, em que toneladas de termos técnicos, tal qual os pedregulhos, tornam a leitura cansativa e enfadonha. E os “cladódios” sucedem aos “flamívomos” e aos “heliotrópios”, exigindo leitores atentos e eruditos dicionários. No entanto, o ensaísta cede lugar ao poeta aqui e ali, em meio a metáforas dignas de um José de Alencar, e as descrições, inicialmente maçantes, vão tornando-se a força do volume, como cactos verdes se insinuando no fundo cinza e ocre da caatinga. Aliás, o caráter fortemente pictórico da obra de Euclides foi bastante explorado por autores como a cearense Maria Inês Sales no seu “Cicatrizes submersas dos Sertões: Euclides da Cunha e Descartes Gadelha em correspondência” (Ed. Cone Sul). Em "A Terra”, vários Euclides se revezam: o geólogo, o topógrafo e o meteorologista que tenta descobrir a gênese das secas e prescreve um remédio, revelando toda a sua formação em Ciências Naturais.


O HOMEM


Na parte denominada “O Homem”, outros Euclides se revezam: o etnógrafo, o historiador e o engenheiro enfezado com a arquitetura caótica do arraial de Canudos, a qual ele sentencia como se “tudo aquilo fosse construído, febrilmente, numa noite, por uma multidão de loucos”. Euclides da Cunha constrói o sertanejo entre o seu antipático darwinismo social e a poesia dos seus oxímoros. Daí o sertanejo ser mostrado, simultaneamente, como “sub-raça” e “Hércules – Quasímodo”. E é nessa trajetória que percebe-se que, se a Sociologia superou o determinismo evolucionista das primeiras páginas, a Literatura o redimiu. A tese defendida pelo jornalista é clara e horrorosa: o sertanejo sofre não só pelo ambiente atroz, mas pela mestiçagem de raças que lhe dá um caráter raquítico e tendências cretinas. O militar argumenta sobre o desnível entre o Norte e o Sul. O clima ameno do Sul e o sangue indo-europeu fizeram o gaúcho: um homem forte e inteligente. A mestiçagem e a aridez do Norte deram no jagunço: um imbecil apático. O renomado sulista, no seu ufanismo, esquece, inclusive, de fenômenos destrutivos como as geadas que arruinam a agricultura dos climas temperados. O etnografo reveza-se com o historiador e vemos nessa parte, a gênese do habitante da costa brasileira (um misto de ladrões portugueses com nativas tapuias), a origem do jagunço, do feudalismo peculiar da região, da religiosidade sertaneja (mescla de catolicismo medieval com crenças afro-ameríndias) até chegar no perfil de Antônio Conselheiro e de seu Arraial. Segundo Walnice Nogueira Galvão, Euclides da Cunha revela diversos problemas polifônicos. O Euclides da Cunha abolicionista e republicano, crente ferrenho do progresso, entendido este como uma mistura legítima de luzes com técnica, tem que conciliar o jornalista porta-voz dos oprimidos com o estrategista militar. E é nesse tensionamento de vozes que reside a beleza da obra. A seu ver, Antônio Conselheiro era simultaneamente um grande homem, enquanto líder, porém um degenerado, enquanto encarnação das piores características dos mestiços. Como resolver tal dilema ao nível do discurso? Recorrendo a figura da antítese, em que dois opostos são violentamente aproximados, ou sua forma mais extremada, o oxímoro. Isto é, resolvendo o problema não ao nível do raciocínio, mas ao nível da Literatura. Desse modo, Antônio Conselheiro, diz o autor, era tão extraordinário que cabia igualmente na História como no hospício. À medida que a obra vai sendo escrita, Euclides relativiza sua crítica e os juízos preconceituosos vão sendo abandonados. Canudos, progressivamente, torna-se o símbolo de uma raça forte, de lutadores incansáveis. “Os Sertões” deve ser lido como uma obra dinâmica, dialética, em que conceitos são rapidamente superados e a escrita se faz maior do que o estreito projeto determinista que marca o livro. Caso a obra se esgotasse em acusações preconceituosas teria, seguramente, desaparecido, como tantos livros escritos no contexto sobre o tema e calcados pelo mesmo arsenal teórico positivista e evolucionista. Se ficasse restrito a visão segundo a qual a luta das raças é a força motora da história, o Conselheiro, um louco e Canudos, um homizio de bandidos, o livro estaria relegado ao esquecimento. Nas últimas páginas da obra, Euclides afirma que o sertanejo é a “rocha viva da nacionalidade” e que a dinâmica do genocídio promovida contra Canudos fora expressão do movimento anticivilizatório revelador de crimes que as nações são capazes de praticar contra si mesmas. Assim, Euclides atravessou o longo caminho que vai da superficialidade do esquema, para a grandeza nascida de uma sensibilidade que capta a extensão e a profundidade dos acontecimentos passados às margens do rio Vaza-Barris.


A LUTA


A última parte mostra as várias expedições do Exército contra Canudos e a conseqüente resistência sertaneja. O texto ganha intensidade dramática e se torna uma sucessão de eventos nos quais se misturam a coragem, a violência e a barbárie da guerra, desse modo, a escrita euclidiana assume ares épicos. Euclides centra sua munição discursiva na quarta expedição, comandada por Artur Oscar. Faz um balanço dos erros táticos cometidos pelos oficiais do exército: problemas de abastecimento, falta de mobilidade e adaptabilidade às condições do terreno, utilização de formas clássicas e convencionais de guerra contra um inimigo que agia segundo estratégias guerrilheiras. É o Euclides estrategista militar falando. Quando o texto se dedica a mostrar as covardes degolações que os militares praticavam contra os sertanejos, revelando que os civilizados de ontem se tornam os bárbaros de hoje: “A degolação era, por isso, infinitamente mais prática, dizia-se nuamente. Aquilo não era uma campanha, era uma charqueada. Não era a ação severa das leis, era a vingança”... é o jornalista porta-voz dos oprimidos que fala. Quando descreve a resistência final dos conselheiristas em meio a fome, a doença, a jornada guerreira, Euclides revela que o preconceito inicial se transforma em admiração e respeito. Ler “Os Sertões” é cruzar por uma obra polifônica, como diz Adilson Citelli, em que vários gêneros dialogam, incluindo-se o jornalismo, a poesia, a narrativa ficcional; múltiplas vozes se confrontam: a da cultura costeira e urbana, das filosofias do século XIX, a dos militares e políticos, a da Igreja. Desse modo, várias áreas do conhecimento cruzam o livro, assim como, diferentes tipos de discurso. Assim, o livro é documento enquanto registro de uma época e monumento pela beleza de sua escrita.


Mestrando em Letras pela UFC.

KARL MARX:DOBRADIÇA, ESQUIZOFRENIA OU POLIFONIA?


KARL MARX: DOBRADIÇA, ESQUIZOFRENIA OU POLIFONIA?

Charles Odevan Xavier


Este texto é mais um “brainstorming” sobre a questão, do que propriamente um ensaio científico seguindo todas as regras do cânon metodológico.


Parte da perplexidade perante o contato com a afirmação da existência de um ‘duplo Marx’, anunciada aos quatro ventos por um imenso tecido conceptual auto-proclamado como “Teoria Crítica Radical”.


Busca ver as implicações deste Marx duplicado e procura, a partir do conceito da polifonia elaborado pelo lingüista russo Mikhail Bahktin, colocar o problema em outros termos.


O DUPLO MARX


A tese do ‘duplo Marx’ é defendida por um organismo internacional denominado Movimento pela Teoria Crítica Radical ou Internacional Emancipacionista. Tal instituição é composta por uma gama heterogénea de pensadores e atores do que vem sendo chamada de esquerda não-oficial.


Quando diz-se heterogénea, é porque parece não haver uma homogeneidade conceptual entre seus membros. E isto fica claro, às vezes, num único documento lançado pelo grupo. Por exemplo, na brochura “O Eterno Sexo Frágil?” de autoria de Robert Kurz e Roswitha Scholz, publicada no Ceará pela União das Mulheres Cearenses, é patente a discordância entre esposo e companheira (os autores são casados), em que a feminista alemã dá alfinetadas no grupo/revista liderado pelo marido, a saber: o(a) controvertido(a) movimento/revista Krisis. E isto é ruim? Pensamos que não, pois olhando retrospectivamente, percebemos que a falta de homogeneidade é que produziu as coisas mais interessantes do pensamento humano: desde a experiência fundadora da Padaria Espiritual no Ceará do século XIX até a Teoria Crítica de Frankfurt.


Quem são os outros atores deste Movimento Pela Teoria Crítica Radical? A resposta conduz a idiossincrasia heterogênea da origem de seus membros. Entre eles citaríamos o ensaísta Jorge Paiva, brasileiro maoísta que lia Guy Debord em 68; Anselm Japp, um ensaísta alemão que mora na Itália e escreve em italiano; Enrique Dussel, professor universitário mexicano; Ruy Fausto, filósofo, professor da USP; Moishe Postone, professor da Universidade de Chicago; Ernst Lohoff, co-editor da Revista Krisis; entre outros. Segundo Jorge Paiva, o movimento também se espalha pela Áustria, Portugal, Espanha e África do Sul. O que permeia estes teóricos de origens tão díspares é o conceito capital do ‘duplo Marx’, categoria basilar geradora de outras categorias.


A Lingüística diz que toda palavra ou signo ativam esquemas cognitivos prévios. Esmiuçando no Dicionário, o termo ‘duplo’ quer dizer dobrado, duplicado; que contêm duas vezes a mesma quantidade. O adjetivo ‘duplicado’ nos remete a outro adjetivo, ‘dúplice’ e somos surpreendidos por uma definição dicionarizada que registra um aspecto pejorativo da coisa, pois dúplice é o que é duplicado, duplo, mas é também o que tem fingimento ou dobrez. Assim, seríamos levados a existência de dois Marx: um verdadeiro e outro falso. Aqui acabamos entrando no perigoso terreno do juízo de valor. Pois quem teria capacidade de julgar e apontar o Marx verdadeiro e o Marx falso construídos pelo movimento operário? E para piorar as coisas, lembramos daquele episódio em que o próprio Marx disse categoricamente: - Não sou marxista. O que significa o duplo Marx na visão da Internacional Emancipacionista? Significa a existência de dois Marx num mesmo pensador. O Marx exotérico da teoria da mais-valia e, por conseguinte, da teoria da exploração; e o Marx esotérico da teoria do valor e respectivamente da teoria da alienação. E o processo se complica, porque segundo eles não se trata de uma divisão cronológica, como por exemplo alguns teóricos insistem na existência de um Jovem Marx e um Marx maduro. O que pareceria natural e já aconteceu em outros setores: um Lacan freudiano (do início da carreira) e um Lacan lacaniano (da maturidade). O problema não é esse. É outro. Os teóricos da Crítica Radical afirmam que esse ‘duplo Marx’ coexiste numa mesma época e numa mesma cabeça. Desse modo, o 1º volume do “Capital”, dedicado à Mercadoria, nega os volumes restantes. Aliás, eles informam, baseados provavelmente em Rosdolsky e Mézáros, que a introdução do “Capital” foi escrita depois da obra “pronta”. Assim, flagramos um processo de formatação teórica “sui generis”: um pensador que começa escrevendo o final de uma obra, para depois elaborar seu início. Uma obra muito discutida e citada pelos emancipacionistas que revelaria claramente a duplicidade de Marx é o livro “Grundrisse”. Outro fenômeno “sui generis” na trajetória intelectual de Karl Marx. Livro denso e complexo, lançado postumamente em edições precárias e reduzidas (pouco mais de 300 exemplares), o “Grundrisse” só vai aparecer em traduções francesas, espanholas e inglesas na década de 70 do século XX. E diga-se de passagem, até hoje a obra não conta com uma tradução portuguesa, o que revela sintomaticamente o descaso da esquerda brasileira pelo seu conteúdo tão controvertido. Nesta altura dos acontecimentos, quando somos apresentados a um Marx duplicado ou dobradiço, vem automaticamente a associação com a esquizofrenia. Segundo João-Francisco Duarte Júnior em “O que é Realidade” – 8ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1991- a esquizofrenia seria a dificuldade do esquizofrênico em erigir para si mesmo uma identidade una e coerente, fragmentando-se numa multiplicidade de “eus”. Observando o alcance da Teoria de Marx, poderíamos detectar a existência de um Marx filósofo, um Marx economista, um Marx político, entre outros, num perpétuo rodízio intelectual. Desse modo, a categoria ‘duplo Marx’ mostra-se inadequada para captar a complexidade da obra de Karl Marx.


MARX: ESQUIZOFRÊNICO OU POLIFÔNICO?


A teoria da Polifonia elaborada pelo lingüista russo Mikhail Bahktin (não por acaso, um marxista) é a que parece dar melhor conta da questão. Segundo o lingüista russo a polifonia se dá através do processo da intertextualidade. Ou seja, cada texto é composto da soma de outros textos anteriores. Cada texto recupera as vozes de um texto anterior, seja confirmando ou negando-as. Desse modo, Karl Marx (aqui um metonímia) dialoga com Proudhon, Hegel, Smith, Ricardo, Aristóteles. Assim, Karl Marx seria uma espécie de palimpsesto onde estariam sobrepostas as vozes e marcas de pensadores anteriores e contemporâneos de Marx. A maior prova deste argumento seria a obra “Miséria da Filosofia” que dialoga com “Filosofia da Miséria” de Proudhon. Quando dizemos diálogo não trata-se de uma alegre conversa de compadres, pois o diálogo pode ocorrer também de forma tensionada. Chegamos assim, através da teoria da polifonia, a uma discordância da idéia de um duplo Marx. Pois examinando a complexidade da obra do pensador alemão, chegaríamos a conclusão não de um duplo, mas de um quádruplo ou óctuplo Marx, ou seja, existe Marx ao gosto do freguês, ao gosto do intérprete. Ou será que o Marx do PC do B é o mesmo do PCR ou o do PT ou o da LBI? Desse modo, propomos não um duplo Marx, perdido entre os pilares da ponte que separa “O Capital” do “Grundrisse”, mas um Marx polifônico que traz em si uma babel de vozes e referências da experiência humana.

Charles Odevan Xavier

Mestrando em Letras pela UFC.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

LIVRO DA ANGÚSTIA


Eu nos meus 35 anos...

sem emprego

sem dinheiro

leio o jornal

refaço meu currículo

distraio-me com o manual anarquista

mas as ansiedades todos me dispersam.


O que farei nos meus 45, 55 e 65 anos?

Onde estarei?

em que cidade...

com quem morarei?

que língua falarei?


Contudo, é a próxima semana que me preocupa.

Como a ocuparei?

Como a povoarei?

EXU TRANCA-RUA


Outro dia

não fui nada racional

cartesiano ocidental


Fui até a bananeira do meu quintal

acendi uma vela branca

no mais tenebroso breu

como manda o manual de quimbanda

e pedi um emprego

a um Exu

que se manifestou

em guinchos no redemunho da folhagem.


Como poderei eu esquecer aquele redemunho?

MANO CHAO E O TERCEIRO MUNDO


Na música do compositor francês Mano Chao podemos perceber a influência de um canto que louva o internaciolismo multiculturalista e homenageia todos os povos oprimidos da terra.


Mano Chao concentra sua atenção nos imigrantes do terceiro mundo: nigerianos, bolivianos, argelinos...que enfrentam como clandestinos trabalhos precarizados e subempregos na Europa.


Cantando em espanhol, português, francês, inglês, Mano Chao cita os anarquistas espanhóis (Mano negras), disponibiliza trechos do manifesto zapatista das comunidades indígenas de Chiapas no México. Nos discos do cantor francês ouvimos trechos de rádios livres (emissoras feitas de forma clandestina por contestadores de regimes governamentais), locuções de partidas de futebol brasileiro, ruídos estranhos compondo um painel colorido em que os ritmos caribenhos dão a tônica.

O CANTO AFRICANO DO HOLANDEZ PERNAMBUCANO


Na obra do compositor pernambucano Otto é patente a presença de um substrato afrodescendente.

A despeito de ser um branco agalegado, descendente de holandezes, Otto bebeu nas raízes negras da cultura popular pernambucana para fazer sua obra que passeia entre os tambores mais africanos e os timbres mais eletrônicos.

Podemos sentir na sua música sofisficada e pulsante, a presença marcante da influência dos ritmos negros de pernambuco: os vários sotaques de maracatús de caboclos, o coco, a ciranda, assim como, a mescla com várias batidas e timbres de diversas vertentes da música eletrônica.

Divindades do candomblê são citadas em versos inspirados, mesclados a quadrinhas do folclore pernambucano, compondo um cenário bem brasileiro embalados numa música universal, alguns momentos cantada em português, como em francês e inglês, devido a temporada que o percursionista e cantor passou na França.